Não é só o que você consome que define a sua satisfação pessoal
Um dos maiores símbolos do lazer contemporâneo e também do consumo são os shoppings. Grandes construções espelhadas com muitos andares, todos eles equipados com ar condicionado e com uma quantidade assombrosa de lojas.
A estratégia adotada pelos comerciantes é bem simples: oferecer ao consumidor algo, um produto e/ou um serviço, que lhe trará prazer e felicidade. E o mais importante: fazer o consumidor acreditar que esse algo realmente lhe trará prazer e felicidade.
Segundo a ABRASCE (Associação Brasileira de Shoppings Centers), o setor dos shoppings centers no Brasil lucrou em 2013 um total de R$ 129,2 bilhões. E há a estimativa de que em 2014 haja o crescimento de 8,3% nos lucros do setor.
Esses dados revelam a tendência mundial das pessoas acreditarem de que enriquecer e consumir é a forma mais eficiente para atingir a satisfação pessoal. Mas será que ter dinheiro e bens materiais realmente traz felicidade? Até que ponto o que a pessoa tem determina o que ela sente?
Um estudo desenvolvido pelo professor Edward Diener e sua equipe, da Universidade de Illinois, explorou essa questão a fundo e atingiu conclusões que revelam aspectos surpreendentes do perfil do homem contemporâneo.
Ter ou não ter, eis a questão
De acordo com o estudo, cuja base de dados reuniu respostas de 806.526 pessoas de 135 países no período de 2005-2011, o produto interno bruto per capita de um país não tem um impacto totalmente determinante na felicidade das pessoas. É importante entender que as conclusões do estudo não negam que o dinheiro traz satisfação. Mas elas apontam que ele não é a única fonte de satisfação pessoal. Na realidade, o que faz com que o aumento do rendimento financeiro traga satisfação pessoal é um fator circunstancial.
A pesquisa se baseou na respostas dos entrevistados, que classificaram as suas vidas em uma escala de 0 (pior vida possível) a 10 (melhor vida possível) e responderam questões sobre emoções positivas e negativas experimentadas no dia anterior. Juntamente com esses dados, os pesquisadores analisaram o produto interno bruto per capita de cada país e a renda familiar de cada entrevistado, a partir do Fundo Monetário Internacional.
Para o professor Edward Diener e sua equipe, o aumento do rendimento só terá efeito se as aspirações e desejos não aumentarem ainda mais rapidamente. Isso significa que pessoas muito ambiciosas não atingem a satisfação pessoal que pessoas menos ambiciosas atingem, independentemente do enriquecimento que o saldo bancário delas apresenta.
Esse estudo está de acordo com o chamado “Paradoxo de Easterlin”. Trata-se de uma teoria desenvolvida em 1974 pelo economista Richard Easterlin. De acordo com ele, o crescimento econômico não necessariamente está ligado à satisfação pessoal. Podemos entender esse paradoxo de uma maneira bem simples: ter um carro não te trará felicidade, se você sempre almejar um modelo melhor do que aquele que você tem. Desse modo, a renda relativa, ou seja, os ganhos de uma pessoa em comparação com os ganhos das outras pessoas, importam bem mais do que a renda absoluta.
Um exemplo presente no estudo do professor Diener que ilustra essa condição é o seguinte: se uma pessoa ganha dinheiro e acumula os bens materiais que deseja, ela pode estar mais feliz. Mas se ela ambiciona constantemente ampliar o seu patrimônio em dimensões absurdas e ter mais coisas, as chances dela estar feliz diminuem consideravelmente. Isso porque junto com esse enriquecimento há a sensação de desapontamento, oriunda da expectativa de ter mais do que se tem no momento. Desse modo, a satisfação pessoal, segundo os pesquisadores, só será atingida quando o enriquecimento e as expectativas da pessoa estiverem equilibradas. Ser otimista e não se prender a objetivos impossíveis são fatores circunstanciais que determinam se o enriquecimento acumulado trará felicidade para a pessoa, ou não.
Por uma vida mais feliz
Um estudo, apresentado no Encontro Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Administração em 2013 pelos pesquisadores Silvana Hastreiter e Renato Marchetti, analisou os motivos que levam o público brasileiro a acumular bens materiais e a gastar a sua renda nos shoppings.
Para isso, a pesquisa dividiu as motivações dos consumidores em três grupos: a motivação hedônica, a motivação utilitária e a motivação mista.
A motivação hedônica é aquela que está associada à busca pelo prazer. O consumidor que apresenta essa motivação vê na experiência do consumo uma forma de satisfação pessoal. Já a motivação utilitária é aquela que está associada a uma obrigação. Para o consumidor que apresenta essa motivação, fazer compras é um dever e não é uma tarefa que lhe trará prazer. Por fim, o consumidor que apresenta a motivação mista é aquele que apresenta tanto a motivação hedônica quanto a utilitária.
Os resultados do estudo mostraram que 39% dos consumidores brasileiros frequentadores de shoppings apresentam a motivação predominantemente hedonista, 35% têm motivações mistas e apenas 27% têm motivações utilitárias.
Isso mostra que a população brasileira assume a tendência mundial de acreditar que enriquecer e acumular bens é o principal meio de atingir a sua satisfação pessoal, enquanto que os estudos da equipe do professor Diener mostram que essa crença é questionável, havendo outros fatores que interferem nessa meta.