A demanda internacional por commodities é frequentemente responsabilizada pelo desmatamento, mas um novo estudo da USP destaca que a pressão exercida pelos mercados domésticos, especialmente do centro-sul do Brasil, é ainda maior
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) revela que o desmatamento na Amazônia é fortemente impulsionado pela demanda interna do Brasil, principalmente devido à expansão da pecuária e da produção agrícola. A pesquisa, publicada na revista Nature, aponta que mais de 83% do desmatamento registrado na Amazônia Legal Brasileira (ALB) é resultante de demandas que vêm de fora da própria região, sendo que a maior parte delas provém do restante do Brasil, e não do comércio internacional.
A Amazônia Legal Brasileira, uma vasta região que abrange mais de 5 milhões de quilômetros quadrados e compreende nove estados brasileiros, já perdeu 23% de sua cobertura vegetal, enquanto mais de 1 milhão de quilômetros quadrados encontram-se degradados. Essa degradação coloca em risco os ecossistemas da região, que estão próximos de um ponto de inflexão ecológica, ameaçando liberar bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. A situação se agrava nas áreas de fronteira com o Cerrado e no “Arco do Desmatamento”, regiões que já se tornaram emissoras líquidas de carbono.
Historicamente, a demanda internacional por commodities, como soja e carne bovina, é frequentemente responsabilizada pelo desmatamento. No entanto, o estudo da USP destaca que a pressão exercida pelos mercados domésticos, especialmente do centro-sul do Brasil, é ainda maior. De acordo com a pesquisa, quase 60% do desmatamento na Amazônia é motivado pela demanda interna de outras regiões do Brasil, enquanto apenas 23,49% decorrem de demandas do comércio internacional.
A pecuária tem sido a principal causa do desmatamento, contribuindo significativamente para a perda de cobertura vegetal na região. Desde os anos 1970, o rebanho bovino na Amazônia cresceu de 8,9 milhões para 104,3 milhões de cabeças em 2022, em grande parte para atender ao aumento do consumo de carne, produtos lácteos e couro nas regiões mais urbanizadas e economicamente desenvolvidas do país. Essa expansão da pecuária resultou no desmatamento de aproximadamente 1,4 milhão de hectares, dos quais 61,63% visavam atender à demanda interna e 21,06% à demanda internacional.
Em relação à produção agrícola, a pesquisa destaca o crescimento vertiginoso da produção de soja na Amazônia Legal, que saltou de menos de 200 toneladas em 1974 para 50 milhões de toneladas em 2022, representando 41,5% da produção nacional. A produção agrícola na região também desempenha um papel significativo no desmatamento, embora com uma dinâmica diferente: 58,38% do desmatamento agrícola atende ao mercado externo, enquanto 41,62% é voltado para o mercado interno.
A metodologia utilizada pelos pesquisadores para avaliar os impactos econômicos sobre o desmatamento foi baseada na Matriz de Insumo-Produto (MIP), uma ferramenta desenvolvida para analisar as relações entre diferentes setores da economia. Essa abordagem permitiu identificar as principais fontes de estímulo econômico que levam ao desmatamento, oferecendo uma perspectiva valiosa para a formulação de políticas públicas e ações voltadas à preservação da Amazônia.
Além das atividades legais, o estudo também chama a atenção para o papel significativo da grilagem de terras, especialmente em áreas públicas ocupadas ilegalmente. Metade do desmatamento registrado na Amazônia nas últimas duas décadas ocorreu em terras públicas invadidas por grileiros, cujas atividades ilegais continuam a alimentar o mercado de terras e a produção agrícola, mesmo em áreas onde disputas legais se arrastam por décadas.
O conhecimento gerado por esse estudo é crucial para orientar políticas que visem à conservação e regeneração da Amazônia. Com as mudanças no uso da terra sendo uma das principais fontes de emissões de CO2 no Brasil, controlar o desmatamento é essencial para que o país alcance suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
A pesquisa, que contou com o apoio da Fapesp, teve a participação de diversos especialistas, incluindo Inácio Fernandes de Araújo Junior, Rafael Feltran Barbieri, Fernando Salgueiro Perobelli, Ademir Rocha, Karina Simone Sass e Carlos Afonso Nobre.