Pesquisadores descobriram que o exercício físico intenso pode acelerar o processo de apoptose – a morte celular programada – dos neutrófilos, células do sistema imunológico.
Importante para o equilíbrio do funcionamento do organismo, a apoptose é um mecanismo que deve ocorrer de forma ordenada – do contrário, há danos à saúde, como quando células tumorais, que deveriam morrer naturalmente, persistem.
“Várias células do nosso organismo estão morrendo agora para que outras novas ocupem seu lugar. Assim ocorre com os neutrófilos, que têm um tempo desejado na corrente sanguínea porque novas células do tipo estão continuamente sendo produzidas na medula óssea, em um processo fisiológico equilibrado que é prejudicado se a apoptose é diminuída”, disse Tania Cristina Pithon Curi, professora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) e participante do projeto “Efeitos da prática regular de atividade física na qualidade de vida, níveis de estresse e no sistema imune de adultos”, realizado com apoio da FAPESP.
Os neutrófilos são um subgrupo dos leucócitos, também chamados de glóbulos brancos, células encontradas no sangue cuja função é proteger o organismo contra agentes causadores de doenças, como bactérias. Quando há poucas dessas células o organismo fica mais sujeito a infecções – caso de um grupo de 12 triatletas que participaram da pesquisa.
Logo após cerca de quatro horas de prova e de percorrerem 21 quilômetros (km) a pé, 90 km de bicicleta e 2 km a nado, os atletas tiveram seu sangue coletado pelos pesquisadores em laboratórios instalados sob tendas no local da competição, em Ubatuba, no litoral paulista. Antes de competirem, todos haviam passado por exames de laboratório e avaliações da composição corporal e da capacidade cardiorrespiratória.
Os neutrófilos, tipo celular de interesse da pesquisa, foram isolados do sangue coletado. Em um citômetro de fluxo, aparelho por meio do qual é possível realizar análises de características físicas e químicas de uma célula, os pesquisadores avaliaram uma série de parâmetros relacionados à apoptose dos neutrófilos.
“Quando a célula começa a morrer por apoptose, um fosfolipídeo denominado fosfatidilserina, que está presente dentro da membrana celular, migra para a parte externa da membrana. Nós aplicamos na amostra uma substância que se liga a esse fosfolipídeo e emite uma fluorescência que é detectada pelo citômetro”, disse Curi.
“Também foram observadas outras características típicas da apoptose, como fragmentação de DNA e alterações na mitocôndria celular, sugerindo a morte precoce da célula, cujo tempo de vida normal é de aproximadamente 10 horas no sangue”, disse.
Diante da constatação da antecipação da apoptose dos neutrófilos após exercícios físicos intensos, os pesquisadores investigaram as possíveis causas do processo, correlacionando o aumento da autodestruição das células com substâncias circulantes no plasma, como os ácidos graxos livres, compostos orgânicos produzidos quando as gorduras são quebradas.
“A prática de exercício físico aeróbio acarreta um aumento da lipólise, processo de degradação de lipídeos em glicerol e ácidos graxos, que são utilizados em maior quantidade como fonte de energia. A presença em grande quantidade desses ácidos graxos, provocada pela exacerbação da lipólise, pode estar associada à apoptose precoce dos neutrófilos”, indicou Curi.
Os pesquisadores trabalham também em alternativas terapêuticas à perda de neutrófilos por parte de atletas de alto rendimento.
“Exercício físico é bom, importante, mas a intensidade e a frequência com que ele é praticado, como mostrado pela pesquisa que constatou a apoptose precoce dos neutrófilos, podem ter impactos tanto positivos como negativos”, disse Curi.
“Ainda assim, não se pode simplesmente pedir a um atleta profissional que diminua suas atividades. Dessa forma, temos investigado estratégias de suplementação para minimizar a antecipação da apoptose, evitando que o atleta fique com seu sistema imunológico debilitado após exercícios intensos e mais vulnerável a infecções, entre outros riscos”, disse.
Entre as suplementações estudadas está a de glutamina, aminoácido livre que atua como nutriente para as células imunológicas.
“A glutamina é um aminoácido não essencial, sendo produzido pelo organismo de acordo com a necessidade. Quando o atleta pratica exercício físico em uma intensidade muito alta, a concentração desse aminoácido pode ser reduzida no plasma, tornando importante sua suplementação”, disse Curi.
“Nós investigamos o efeito molecular desse aminoácido, que é importante para a função de leucócitos, e constatamos que linfócitos e monócitos consomem altas taxas de glutamina. Os neutrófilos chegam a consumi-la mais do que a glicose, cuja taxa de consumo é de 460 nanomoles/hora/mg de proteína, enquanto que a de glutamina é de 770, quase o dobro”, disse.
Ainda de acordo com a pesquisadora, a glutamina pode ser responsável por “manter a maquinaria da célula funcionando adequadamente e acabando por modular a função celular e, eventualmente, evitar a apoptose”.
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