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Biólogos e oceanógrafos descobrem colinas de recife no Espírito Santo e novas espécies de peixes em São Paulo

Por Gilberto Stam em Pesquisa Fapesp | Duas descobertas recentes mostram que o mar brasileiro, embora ameaçado pela poluição, pesca predatória, mineração e exploração de petróleo, ainda tem muito a revelar.

No topo de montanhas submarinas perto do Espírito Santo, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) encontraram um novo tipo de recife, formando montes salpicados de vermelho, laranja e amarelo a perder de vista, com alta concentração de peixes grandes.

Em São Paulo, numa região profunda chamada talude continental, outro grupo do Instituto Oceanográfico da USP descobriu uma espécie rara de peixe, coletada a cerca de 800 metros (m) de profundidade, onde a luz praticamente não chega. A espécie foi batizada de Sciadonus alphacrucis, em homenagem ao navio oceanográfico Alpha Crucis, e é conhecida apenas por um casal coletado nessa expedição. Os peixes eram cegos e, algo raro nesse grupo de animais, vivíparos (a fêmea gera os filhotes no útero).

“Ainda existe muito a descobrir, tanto em regiões distantes como nas não tão distantes do mar, o que aumenta a nossa responsabilidade com o uso que fazemos do oceano ”, assinala a oceanógrafa Beatrice Padovani Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco, que não participou das pesquisas.

É o caso do monte Davis, submerso no meio da cadeia montanhosa Vitória-Trindade, que se estende perpendicularmente por mil quilômetros (km) no litoral do Espírito Santo. De acordo com estudos anteriores, o topo seria um extenso campo de rodolitos – aglomerados redondos formados por algas calcárias. Mas foi lá que, em setembro de 2011, o biólogo Hudson Tercio Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP, teve uma surpresa ao mergulhar e observar com atenção o topo da montanha, a 70 m de profundidade.

Foto de Alexandre Affonso

O pesquisador se viu diante de um tipo inesperado de recife, formado por serras de até 50 m crescendo a partir da base. Ao redor dos morros havia uma grande diversidade de peixes, com muitos tubarões e outros grandes predadores, como o mero (Epinephelus itajara), com até 1,5 m de comprimento, que se esconde entre os recifes.

A área constitui um novo tipo de ambiente marinho, chamada de colinas coralinas, em razão das algas calcárias que formam os recifes, e descreveu em artigo publicado em maio de 2022 na revista científica Coral Reefs. Outros recifes, como os costeiros, também costumam ser construídos por corais, algas e briozoários, organismos marinhos de esqueleto calcário que vivem fixos ao fundo em águas rasas.

Com a ajuda de pescadores

Ao comparar as colinas com ambientes semelhantes, os pesquisadores da USP e da Ufes verificaram que a quantidade de grandes peixes predadores era 45% maior do que em áreas marinhas protegidas no Caribe, no México e em outros pontos do litoral brasileiro. Os tubarões-lixa (Ginglymostoma cirratum), uma espécie ameaçada no país, eram 14 vezes mais numerosos nas colinas coralinas do que na ilha de Trindade, no final da cadeia, um dos poucos lugares da costa brasileira em que vivem em abundância.

“Além do isolamento geográfico, que favorece a formação de novas espécies, a riqueza biológica nesses corais resulta da abundância de nutrientes trazidos pelas correntes marinhas profundas, que sobem quando encontram a base das montanhas, nas profundezas, a quase 4 mil metros de profundidade”, diz Pinheiro. Para ele e outros pesquisadores, a correnteza, ao bater nos recifes, forma redemoinhos que aprisionam o plâncton, organismos microscópicos suspensos na água que servem de alimento para pequenos peixes, dos quais os maiores se alimentam.

Os pesquisadores descobriram as colinas conversando com seus antigos vizinhos pescadores em Vitória, que indicaram os melhores lugares para mergulhar e ver muitos peixes.

Um casal de Sciadonus alphacrucis, cegos e transparentes. No alto, a fêmea com os embriões. Foto de Marcelo Melo / USP

Depois de observar colinas coralinas em quatro montanhas submersas, em 2018 Pinheiro voltou com uma equipe maior para coletar mais dados no monte Davis, onde encontraram as maiores colinas coralinas. Apesar das descobertas, os pesquisadores chamaram a atenção para a fragilidade desse ambiente desconhecido. De 2009 a 2011, uma empresa de mineração danificou parte do ambiente para extrair calcário, usado como fertilizante. A atividade representa uma das ameaças a esses montes submarinos, juntamente com a pesca ilegal.

As paredes e a base dessas montanhas oceânicas, que o biólogo pretende visitar assim que possível, formam um ambiente frio, escuro, praticamente inexplorado e possivelmente com novas espécies de organismos marinhos. Pinheiro já fez esse tipo de mergulho profundo nos arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo, descendo a 120 m e encontrando espécies novas de peixes.

“O fato de que não conhecíamos as colinas coralinas, que ficam em águas rasas e de fácil acesso, reforça que conhecemos pouco sobre nosso mar”, diz o biólogo Rodrigo Leão de Moura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que não participou da pesquisa. Ele cita outros exemplos: os recifes de Abrolhos só foram mapeados agora, 40 anos depois da criação do parque; e até 2012 não se conhecia o gigantesco banco de rodolitos com dezenas de milhares de km2 entre a Bahia e o Espírito Santo. Em 2019, foi descoberto e mapeado o recife de coral mais ao sul em São Paulo.

Nova espécie de mar profundo

Em setembro de 2019, durante uma viagem com o Alpha Crucis para coleta de peixes até 1,5 mil m de profundidade, os pesquisadores coletaram dois exemplares de um raro grupo de peixes, conhecidos como brótula-vivípara. Batizada de Sciadonus  alphacrucis, a espécie tem corpo alongado como uma enguia, nadadeiras pequenas, olhos reduzidos e corpo translúcido e sem pigmentação.

Era um casal: o macho tinha cerca de 6 cm e a fêmea, com 8 cm, estava grávida. “Nesse grupo de peixes, a fêmea retém os embriões no útero, onde eles se desenvolvem e são liberados já formados durante o parto”, conta o biólogo da USP Marcelo Roberto de Melo, coordenador da expedição e principal autor de um artigo que detalha a descoberta, publicado em dezembro de 2021 na revista Deep Sea Research Part I. “Dava para ver através da pele semitransparente da fêmea o útero cheio de embriões, com grandes olhos pretos, que regridem durante o desenvolvimento e são praticamente indistinguíveis nos adultos.”

Foto de Alexandre Affonso

Essa estratégia reprodutiva, chamada de viviparidade lecitotrófica, apesar de rara, é encontrada em pequenos peixes conhecidos como guaru, lebiste ou guppy (Poecilia ssp.), além de algumas espécies de tubarões e raias. “A viviparidade é uma forma de economizar recursos, em um ambiente com pouco alimento devido à falta de luz e de fotossíntese”, explica o biólogo Naercio Aquino Menezes, do Museu de Zoologia da USP, que não participou do trabalho. Os peixes ovíparos produzem grande quantidade de óvulos, que são fecundados pelos espermatozoides produzidos pelos machos, mas uma grande quantidade é levada pela correnteza. A fecundação interna permite um aproveitamento mais eficiente dos gametas.

O gênero Sciadonus tem cinco espécies de águas profundas dos oceanos Atlântico e Pacífico, algumas vivendo a 7 mil m de profundidade. “Esse é o primeiro registro do gênero no Atlântico Sul”, diz Menezes. Na mesma família Bhythitidae, o gênero Aphyonus inclui as espécies de vertebrados que vivem em águas mais profundas, de até 5.300 m.

“Assim como os olhos de peixes de cavernas terrestres, os de S. alphacrucis são pequenos e despigmentados. Esses animais se orientam detectando a vibração da água por meio de órgãos do corpo e da cabeça chamados linha lateral, que nessas espécies é mais especializada e superficial, ajudando a detectar melhor o ambiente”, conta Melo. “A descoberta dessa nova espécie nos ajuda a compreender alguns mecanismos de evolução no oceano profundo que são convergentes com outros ecossistemas onde a luz solar também não consegue penetrar.”

Para Menezes, esses peixes “são a perfeita ilustração de como espécies distantes podem desenvolver adaptações semelhantes que favorecem a sobrevivência em ambientes sem luz”. Na biologia, esse tipo de fenômeno é conhecido como convergência evolutiva.

As recém-descobertas colinas coralinas têm uma alta diversidade de peixes. Foto de Hudson T. Pinheiro / USP

“É provável que os machos dessa espécie usem alguma substância que atrai a fêmea na época da reprodução”, supõe ele, que estudou peixes de água doce, nos quais o macho produz feromônios. A seu ver, na escuridão quase completa, a comunicação química é a forma mais provável de viabilizar a cópula desses peixes pequenos e cegos.

Um exemplo de estratégia reprodutiva curiosa em animais sem visão acontece nos vermes do gênero Osedax, filmados por um submarino de outra equipe do Instituto Oceanográfico da USP em 2014, a mais de 4 mil m de profundidade, do litoral do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. As fêmeas de Osedax, de comprimento entre 4 cm e 5 cm e corpo vermelho, se alimentam de ossos de carcaças e vivem com dezenas de minúsculos machos, de poucos milímetros, grudados no corpo.Também chamou a atenção dos pesquisadores a grande quantidade de lixo trazido pelas redes com os peixes de grandes profundidades. “Apesar de ser uma região praticamente inacessível, encontramos latas metálicas de comida, bebida e aditivos de óleo de navio, sacolas, embalagens e até brinquedos de plástico, placas de tinta catalisada e blocos de concreto”, descreve Melo. “Esse material pode ter sido despejado por barcos, navios ou plataformas de petróleo que utilizam a região ou transportado por correntes marinhas a partir de regiões mais rasas.”

Extensão da plataforma continental

Conhecer o ambiente marinho poderia ajudar não só a criar áreas de manejo e conservação ambiental, mas também a garantir a soberania brasileira sobre determinadas áreas. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) estabelece o limite de 200 milhas (cerca de 320 km) a partir da linha de costa como zona econômica exclusiva do país. Quando a plataforma continental é mais extensa ou existem ilhas ou cadeias de montanhas, os países podem obter uma extensão jurídica da plataforma continental, garantindo a exclusividade no uso do solo e do subsolo marinho.

Por essa razão, o Brasil pleiteia junto à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da CNUDM que a região próxima à cadeia de Vitória-Trindade seja considerada uma extensão da plataforma continental. Um dos critérios para aprovação é que haja conhecimento sobre a geologia, a biodiversidade e a ecologia da região. “Países com mais estudos científicos têm mais condições de preservar os ambientes, avaliar os impactos da exploração econômica e, dessa forma, sustentar seus pleitos diante dos demais membros da CNUDM”, comenta Moura.


Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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