Relatório do Fórum Econômico Mundial põe ambiente no topo da lista das ameaças ao mundo e à economia
O risco mais imediato pairando sobre a humanidade em nos próximos dez anos são os eventos extremos causados pela crise do clima. E o risco de maior impacto pairando sobre a humanidade em 2020 é a falha em agir contra a crise do clima. O recado foi dado por um milhar de líderes políticos, empresariais, acadêmicos e jovens do mundo inteiro, na última edição do relatório que dá o tom do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta terça-feira (21) em Davos, Suíça.
Pela primeira vez desde que o Global Risk Report começou a ser publicado, em 2007, fatores ambientais dominam a lista dos principais riscos à estabilidade e à economia global. Dos cinco principais riscos mais prováveis, quatro são relacionados diretamente com a crise do clima, e um – a perda de biodiversidade – é por ela agravado. Dos cinco riscos de maior impacto potencial, apenas um (a proliferação de armas de destruição em massa) não tem relação com o clima.
O fórum, o principal convescote anual dos defensores do capitalismo liberal, já vinha alertando havia anos para a sinergia viciosa entre o aquecimento global e o baixo crescimento econômico. Neste ano, porém, o encontro deve subir o tom sobre a ação climática, embalado pela catástrofe dos incêndios na Austrália e o fiasco da COP25, a conferência do clima de Madri.
Greta Thunberg, a “pirralha”, voltará ao resort suíço para botar o dedo na cara dos adultos, como fez no ano passado – quando seu discurso “eu quero que vocês entrem em pânico” a lançou para a fama mundial. Já o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que protagonizou seu primeiro vexame internacional em Davos no ano passado, não retornará neste ano.
Segundo o Global Risk Report, o mundo em 2020 é “intranquilo”, com a incerteza geopolítica causada pelo estranhamento entre EUA e China dando o tom das relações entre os países. Enquanto o mundo prende a respiração, os fundamentos do sistema econômico começam a naufragar e o mundo assiste a taxas baixas de crescimento, como os pífios 3% esperados para 2019 pelo FMI.
Nesse contexto, afirma o fórum, as nações tendem a apostar no isolamento, no nacionalismo e em agendas individuais. É o oposto do que seria necessário fazer – aumentar o comércio internacional – para construir resiliência diante do potencial chacoalhão econômico global representado pelo descasamento entre as economias chinesa e americana.
E é, claro, o oposto do que seria recomendável para enfrentar a mais global das ameaças, a mudança climática. “A mudança climática está atingindo o mundo de forma mais dura e mais depressa do que se previa”, afirma o relatório. “As consequências no curto prazo perfazem uma emergência planetária. As implicações são catastróficas, amplas e intercruzadas. Pior ainda, a complexidade do sistema climático implica em que alguns impactos ainda sejam desconhecidos.”
Consequências
Entre os impactos conhecidos estão o risco para vidas humanas, espécies e ecossistemas. Mas há impactos econômicos também: apenas em 2018, desastres naturais custaram US$ 165 bilhões. E os bancos centrais começam a ver o clima como um risco sistêmico para os mercados de capitais: segundo cálculos apresentados pelo relatório, em 2018 o “buraco” nos seguros – ativos que deveriam ter sido segurados contra desastres naturais, mas não foram – foi de US$ 280 bilhões.
O relatório lembra que 2020 é um ano crucial no qual os países foram convidados a aumentar a ambição de suas metas no Acordo de Paris, e que a humanidade só tem até 2030 para cortar emissões de forma a ter chance de se manter na meta do acordo.
Deixar a oportunidade escapar neste ano, prossegue o relatório, traria três consequências: custos muito mais altos de transição para uma economia descarbonizada; o risco de algum governo entrar em pânico e implementar as controversas ações de engenharia planetária, como bloquear a luz do sol; e o risco de desmonte do processo multilateral que, com todas as suas falhas, é o único método existente hoje para produzir uma solução global e equitativa para a crise climática.
Governos como o americano, o australiano, o britânico e o brasileiro, porém, não devem ter lido o documento do fórum de Davos. Eles apostam no nacionalismo, na fragmentação e nas negociações bilaterais como opção geopolítica.
Em 2007, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) imaginou quatro diferentes cenários socioeconômicos (chamados então de “linhas narrativas”) nos quais seus modelos climáticos projetavam diferentes cenários de aquecimento. Não por acaso, o planeta esquentava mais nos cenários da linha narrativa conhecida como A2 – na qual a ênfase dos países é em isolamento, reforço a tradições culturais locais e família, alto crescimento populacional e pouca preocupação ambiental. Qualquer semelhança com a narrativa dos governos de extrema-direita não é mera coincidência.