O que é e como surgiu o feminismo negro?

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Feminismo negro é uma vertente do movimento feminista que busca centralizar e explorar as experiências de mulheres negras. Ele tem como base entender e trabalhar com a posição do racismo, sexismo e classicismo na vida de mulheres negras ou não brancas. Levando em conta que essas pessoas acabam sofrendo de mais de uma discriminação.

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O feminismo negro surgiu com a insurgência de pessoas racialiazadas com o fato de não terem suas pautas levadas em considereção dentro do feminismo hegemônico. Para integrantes do movimento, as manifestações feministas realizadas em grande escala representavam apenas os interesses de uma minoria, mulheres brancas de classe média.

Por isso, o feminismo negro foi visto como algo necessário para dar voz a mulheres negras, que são constantemente silenciadas. Afinal, elas foram excluidas do movimento feminista hegemônico devido a sua raça, e do movimento negro devido ao gênero.

Interseccionalidade  

O termo “interseccionalidade” foi criado pela pesquisadora Kimberlé Crenshaw, em seu artigo de 1989 chamado ” Desmarginalizando a Intersecção de Raça e Sexo”: Uma Crítica Feminista Negra da Doutrina Antidiscriminação, Teoria Feminista e Política Antiracista”. A proposta de Kimberlé era mostrar que existe uma interseccionalidade quando se trata das discriminações enfrentadas por mulheres negras.

Mas o que isso significa? Qual sua relação com o feminismo negro? A interseccionalidade é um conceito que descreve a forma como diversas minorias podem sofrer de mais de uma discriminação de uma vez. Mulheres negras sofrem preconceito devido à raça e devido ao gênero, esse preconceito está tão implícito e unido que é difícil separar o que é racismo e o que é misoginia. 

Isso porque diferentes opressões não são sentidas de forma separada, e sim como algo único. Desta forma, abordar pautas feministas, sem falar sobre as discriminações sofridas por mulheres racializadas, é calar as vozes dessas pessoas. Esse é um dos motivos pelo quais se discute o feminismo negro, com enfoque nas realidades de mulheres negras.

Além disso, a discriminação feita com mulheres brancas é sistematicamente diferente da vivida por mulheres negras, o que faz com que o movimento feminista precise estar aberto para uma variedade de pautas. Desta forma, é necessário entender as diferentes realidades de mulheres racializadas, ação incentivada pelo feminismo negro.

Feminismo hegemônico 

O termo feminismo hegemônico se refere à vertente do feminismo que é discutido de forma geral. Para esse movimento, o gênero é a questão mais importante. Ou seja, a questão de gênero vem antes das discriminações de sexualidade ou raça. Para comunidades marginalizadas, como o feminismo negro, o feminismo hegemonico teve sua frente tomada por mulheres brancas de classe média. 

Para essas que estão à frente do movimento, mulheres negras e racionalizadas estão no mesmo patamar de igualdade, sofrem das mesmas discriminações e não têm divergências derivadas do racismo. Desta forma, elas estariam prontas para lutarem pelos mesmos direitos e opiniões políticas.

Essa consideração não leva em conta o fato de que mulheres negras e não brancas enfrentam diariamente outros tipos de preconceitos, que as colocam em uma posição mais fragilizada. Por fim, o feminismo hegemônico não entende que a união da desigualdade de gênero, racismo e outros preconceitos, como a homofobia, gera uma gama de problemas totalmente diferentes dos enfrentados pelas mulheres brancas, hetéro, cisgênero e classe média.

Enquanto mulheres brancas lutam pelo direito de escolher não se casar e ter filhos e pelo fim de padrões estéticos como o uso de maquiagem e depilação, por exemplo, as mulheres negras ainda lutam para serem vistas como seres humanos dignos de casamento, por acesso à maquiagem do tom de suas peles e representatividade em propagandas de produtos de beleza. 

Contexto histórico 

No Brasil e em diversos lugares do mundo surgiram movimentos feministas que tinham como intuito lutar pela liberdade financeira e pelo direito de voto das mulheres. No entanto, para o feminismo negro, embora importantes, essas movimentações foram realizadas por vozes de mulheres brancas de classe alta.

No século XX, as brasileiras levantaram a bandeira feminista para lutarem pelo seu direito de voto com o movimento sufragista. Além da vontade de escolher seus representantes, essas pessoas também prezavam pela sua capacidade de conseguirem se eleger. Ainda na mesma época, as mulheres também foram às ruas exigir os seus direitos de trabalhar e ter liberdade financeira de suas figuras masculinas. 

Apesar de todas essas revoluções e conquistas estarem acontecendo ao mesmo tempo, as mulheres negras e racializadas eram deixadas de fora. Para muitas integrantes e pensadoras do feminismo negro, o movimento sufragista não levava em consideração as pautas raciais, e era displicente com relação as denuncias de discriminação  de gênero e racismo de mulheres racializadas. 

De acordo com a filósofa e militante do feminismo negro, Angela Davis, as feministas brancas de classe média da epoca não se importavam nem mesmo com com a classe trabalhadora branca. Por essa razão, o feminismo se dividiu em diversas vertentes, que deram origem ao feminismo negro e classista.

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Papel do feminismo negro 

A realidade do feminismo não mudou muito com o passar do tempo. O feminismo negro ganhou mais espaço de discussão e maior aderência do público-alvo, mulheres racializadas. Mas quem ainda continua à frente do feminismo hegemônico são mulheres brancas com grandes recursos financeiros.

A antropóloga e escritora Lélia Gonzalez “a tomada de consciência da opressão ocorre, antes de tudo, pelo racial“. Ou seja, para mulheres negras, o racismo deve ser a pauta dominante em sua luta, afinal, o grupo dominante do feminismo hegemônico ainda é formado por pessoas brancas. 

Apesar das pautas do feminismo negro serem deixadas de lado quando se trata da luta feminista mainstream, mulheres negras ainda exercem papel importante na luta contra o opressor. É possível observar esse fator pelas ações diretas dessas mulheres quando se trata da defesa de comunidades quilombolas e da funcionalidade da organização comunitária em periferias no Brasil(??). 

Ainda que com dificuldade, o feminismo negro também tem exercido papel fundamental na permanência de mulheres negras em espaços acadêmicos e de saúde. Os avanços do movimento são notáveis, mas ainda existem muitos obstáculos a serem enfrentados pelo feminismo negro.

Algumas dificuldade enfrentadas por mulheres negras e não brancas

Mulheres negras recebem menos 

A mulher branca recebe menos que um homem branco no mesmo cargo, no entanto a situação é diferente para pessoas negras. Um homem negro recebe ainda menos que uma mulher branca, e uma mulher negra recebe menos que todas as pessoas citadas acima. 

Os dados, fornecidos pela pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram apenas um pouco do que mulheres negras enfrentam no mercado de trabalho. Segundo o estudo, quanto mais alto o salário, menor é o número de pessoas pretas e pardas em exercício. 

Sexualização

A imagem da mulher racionalizada sempre foi ligada ao contexto sexual. O corpo da mulher negra foi e ainda é sexualizado diariamente. Isso acontece desde a época da escravidão, quando a população branca não enxergava a pessoa negra como um ser humano, e sim como um objeto.

Para essas pessoas, o indivíduo negro era inferior e deveria servir em diversos âmbitos, incluindo o sexual. A imagem do homem e da mulher preta foi por muito tempo ligada a um objeto de prazer humano, que resultou em muitas sequelas que persistem até os dias de hoje na sociedade. 

Situação de trabalho da mulher negra

Antes mesmo do movimento sufragista e de liberação econômica das mulheres brancas, mulheres negras já lutavam por melhores condições de trabalho. Isso porque, enquanto feministas de classe média se manifestavam pelo direito de trabalhar, integrantes do feminismo negro já estavam há muito tempo no mercado de trabalho.

Essas mulheres negras exerciam funções com pagamentos ruins, ambientes hostis e sem segurança. Isso porque, com o fim da escravidão, essas pessoas precisaram buscar empregos que pudessem as ajudar a manter a família e seus lares. Esse cenário se manteve intacto por décadas, já que o feminismo negro não tinha voz entre as pautas brancas.

Até hoje, as situações se repetem. Mesmo que as condições de trabalho tenham melhorado, mulheres negras ainda enfrentam discrminação em seus locais de trabalho por sua cor, por seus cabelos e traços.

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Violência policial  

A violência policial e médica são outras pautas discutidas pelo feminismo negro. Nas ruas, pessoas negras correm risco e têm medo de encontrarem policiais que usem de sua autoridade para praticar atos violentos contra elas. Essas situações acontecem há anos, mas nos últimos tempos tem ganhado cada vez mais destaque de discussão.

Como o caso de Breonna Taylor, uma mulher negra de 26 anos, que foi morta a tiro por policiais que invadiram sua casa. Breonna foi morta em uma operação que buscava seu ex-namorado, apenas um dos agentes presentes na hora foi indiciado pelo crime. A situação desencadeou uma onda de manifestações antirracistas nos Estados Unidos. 

Violência médica

Devido ao mito de que mulheres negras aguentam mais dor, essas pessoas acabam sofrendo violência médica ao darem entrada em hospitais. Desde diagnósticos, anestesias e cirurgias negadas até a agressão física, mulheres racializadas enfrentam com mais frequência este tipo de violência durante toda sua vida. Um dos motivos pelos quais essa pauta se tornou importante para o feminismo negro.

Principais autoras do feminismo negro

Dentro do feminismo negro existe uma variedade de pensadoras, escritoras e estudiosas que desenvolveram os mais diversos trabalhos a respeito da temática. Ao aprender um pouco mais sobre o feminismo negro e a sua premissa, é preciso ter em mente que algumas leituras são essenciais para seu entendimento.

Confira a seguir o nome das principais autoras do feminismo negro:

  • Bell Hooks: foi uma autora professora, teórica feminista, artista e ativista antiracista. Ela ficou conhecida pelos livros “E eu não sou uma mulher?” e “Teoria Feminista”;
  • Djamila Ribeiro: é uma ativista e filósofa feminista brasileira negra que escreveu os livros “Pequeno Manual Antirracista” e “Quem tem medo do feminismo negro?”;
  • Sueli Carneiro: ela é considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil, sendo a fundadora e diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra. Sueli escreveu “Introdução ao pensamento feminista negro” e “Mulher Negra”;
  • Angela Davis:  é uma professora e filósofa socialista estadunidense conhecida por seu papel no feminismo negro e no marxismo das últimas décadas. Ela escreveu “Mulheres, Raça e Classe” e “Mulheres, Cultura e Política”;
  • Alice Walker: uma escritora, poetisa e ativista feminista estadunidense que ficou conhecida por escrever  “A cor púrpura” e “Ninguém segura essa mulher”.
Ana Nóbrega

Jornalista ambiental, praticante de liberdade alimentar e defensora da parentalidade positiva. Jovem paraense se aventurando na floresta de cimento de São Paulo.

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