Por John Brandt, Jessica Ertel e Will Anderson em WRI Brasil – We can’t see the forest for the trees. O ditado popular em inglês – em português, algo como “não podemos confundir a floresta com as árvores” – é um chamado para que lembremos de olhar para o todo à medida que identificamos soluções para problemas individuais. Acontece que a frase se tornou verdadeira também para falar de árvores e florestas reais.
Por anos, pesquisadores criaram técnicas precisas para monitorar as áreas onde as pessoas estão danificando, protegendo e restaurando os 1,03 bilhão de hectares de florestas tropicais primárias existentes no mundo, vitais para armazenar carbono e proteger a biodiversidade.
Mas os sistemas de monitoramento atuais deixam a desejar: simplesmente não conseguem detectar árvores fora das áreas de florestas fechadas.
Os bilhões de árvores que vivem em “paisagens-mosaico” – onde as pessoas fazem diferentes usos da terra – também são importantes. Em paisagens agrícolas, as pessoas utilizam as árvores para proteger as culturas. Nas cidades, contam com elas para melhorar a qualidade do ar e amenizar as temperaturas. E em regiões áridas as árvores são uma fonte essencial de renda e madeira. Na América Latina, por exemplo, restaurar as árvores em um hectare de terra pode implicar um valor adicional de US$ 1.140.
Felizmente, existe uma solução. Dados preliminares de cobertura arbórea desenvolvidos pelo WRI mostram onde estão crescendo bilhões dessas árvores – até então invisíveis para governos, investidores e para as pessoas –, ao longo de 1,4 bilhão de hectares na África e na América Latina (uma área 40% maior do que os Estados Unidos). E o mais importante: esses dados referentes às árvores em paisagens-mosaico reconhecem as comunidades locais, em geral desvalorizadas e carentes de recursos financeiros, que trabalham para proteger e restaurar esses ecossistemas.
Por que precisamos de mais dados sobre as árvores fora das florestas densas
Bancos de dados globais já existentes sobre cobertura vegetal, disponíveis em plataformas como o Global Forest Watch, dependem dos dados gerados por satélites de média resolução. Esse nível de resolução os torna precisos o suficiente, em 30 por 30 metros quadrados, para identificar onde as árvores estão vivendo ou morrendo em áreas de florestas densas. No entanto, as imagens não são detalhadas o suficiente para detectar árvores crescendo fora dessas áreas. Esse método novo e mais barato é nove vezes mais detalhado, em uma resolução de 10 por 10 metros, e nos permite identificar árvores jovens ou crescendo longe das florestas.
Essas informações são especialmente úteis para autoridades governamentais que desejam monitorar as áreas onde árvores jovens e florestas esparsas contribuem para seus compromissos junto a iniciativas como o Desafio de Bonn, a AFR100 e a Great Green Wall (“Grande Muralha Verde) na África e a Iniciativa 20×20 na América Latina e no Caribe.
Também são importantes para organizações comunitárias e empreendimentos locais que trabalham com o cultivo adequado de árvores, assim como para seus investidores e doadores. Os dados também podem ser usados para detectar de forma mais precisa as árvores em paisagens-mosaico e identificar quais áreas podem ser restauradas.
4 motivos pelos quais é importante monitorar as árvores fora de florestas densas
Embora o conjunto de dados ainda esteja em desenvolvimento, já têm revelado informações importantes sobre bilhões de árvores fundamentais para a vida urbana e rural.
1. As árvores ajudam milhões de agricultores a cultivar alimentos
Milhões de agricultores cultivam árvores em suas terras e no entorno. Sistemas agroflorestais, por exemplo, nos quais as árvores são plantadas nas áreas de cultivo, mantêm os meios de subsistência de mais de 900 milhões de pessoas. Pense no cultivo de café nas regiões tropicais, onde a copa das árvores nativas protege os arbustos frutíferos do sol forte.
Os produtores costumam plantar as árvores em pontos mais distantes em suas terras, a fim de que a luz do sol alcance suas áreas de cultivo. Isso dificulta a detecção dessas árvores por sistemas de monitoramento via satélite menos detalhados. Essa lacuna é especialmente relevante na América Central, onde milhões de agricultores utilizam sistemas agroflorestais para produzir commodities como a banana. Nossos dados revelaram que 75% das fazendas da região – em torno de quatro milhões de hectares – possuem mais de 10% de cobertura arbórea. Isso mostra o trabalho das comunidades locais no plantio e proteção das árvores.
Essa análise é útil para países como a Guatemala, que conta com programas públicos de incentivo que pagam aos agricultores para restaurarem suas terras. Quando os formuladores de políticas puderem ver em que áreas as fazendas têm menos árvores, podem direcionar o auxílio a essas comunidades e incentivar os agricultores a se cadastrarem para receber apoio do governo.
Um entendimento mais preciso de onde estão localizados os sistemas agroflorestais também pode ajudar os órgãos governamentais a medir o armazenamento de carbono. Na Costa Rica, esses dados podem ser integrados a sistemas nacionais que avaliam os avanços do país em suas metas de redução de emissões no âmbito do Acordo de Paris.
Na paisagem de Makuli-Nzaui, no Quênia, agricultores cultivam árvores para apoiar o plantio em suas terras (foto: Peter Irungu/WRI)
2. Árvores em regiões áridas protegem comunidades rurais
As regiões áridas formam um conjunto diverso de paisagens que cobre mais de 40% da superfície terrestre e onde vivem cerca de 2 bilhões de pessoas. Também abrigam muitas árvores que armazenam carbono e protegem a saúde do solo.
Embora as comunidades locais saibam como fazer o manejo dessas árvores para fornecer energia, cultivar alimentos e manter o solo saudável, a maioria dos conjuntos de dados de satélite não consegue detectá-las de maneira consistente. A falta de dados também aumenta a percepção equivocada de que as regiões áridas são áreas onde não existem árvores, e são “degradadas” pelas comunidades locais. Em contraste, no Sahel, as áreas próximas às comunidades costumam ser repletas de árvores cuja sombra protege moradores e animais do calor extremo que pode chegar a 49°C.
Estudos anteriores inovadores, que encontraram árvores espalhadas por uma região árida maior do que a Floresta Amazônica, usam métodos de amostragem que não contam a cobertura arbórea em cada ponto da paisagem. Dessa forma, é impossível mostrar com precisão os locais onde essas árvores beneficiam a biodiversidade e ajudam as comunidades a se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas, como secas extremas (e cada vez mais comuns).
No Senegal, as árvores se espalham pelas regiões áridas no entorno das casas das pessoas (foto: John Brandt/WRI)
Nosso método avalia a cobertura de árvores para cada pixel de 10 metros. Combinar essas informações com dados sobre resiliência climática, tolerância à seca, gestão hídrica e segurança alimentar pode ajudar a avaliar o verdadeiro impacto da restauração.
Por exemplo, nas regiões de Maradi e Zinder, no Níger, onde durante décadas foram feitos esforços para regenerar as árvores naturalmente, essa análise pode fornecer uma prova robusta do progresso desse trabalho, reconhecendo a atuação de agricultores e criadores de animais locais. Os dados também podem convencer os governos a aprovar políticas públicas e leis que incentivem os pequenos agricultores a restaurar a terra.
Essas descobertas também são importantes para a América Latina. Considere o caso das florestas esparsas de pinheiros de Sierra Madre Occidental, no oeste do México, que antes cobriam 21% das terras do país mas agora abrangem apenas 8%. Órgãos governamentais lutam para financiar dados gratuitos e de alta qualidade que mostrem onde as florestas secas estão saudáveis e onde a restauração pode ser mais benéfica. Embora nossos dados não consigam distinguir entre as espécies de árvores que detectam, eles podem preencher essa lacuna em áreas onde programas do governo e da sociedade civil atuam para restaurar florestas nativas.
O método também pode ajudar comunidades e negócios locais, como a Ejido Verde, uma empresa de resina de pinheiros, a mostrar onde suas árvores nativas estão crescendo. Essa informação pode convencer investidores a contribuírem para expandir as start-ups regenerativas: pequenos produtores indígenas que cultivam pinheiros e colhem a seiva de forma sustentável com a Ejido Verde podem ganhar até US$ 18 mil por ano, mais do que o dobro da renda anual média.
3. Árvores urbanas se espalham por cidades e comunidades
As árvores são tão essenciais quanto qualquer outro tipo de infraestrutura para as cidades e seus habitantes, com contribuições que vão desde amenizar a temperatura ambiente durante ondas de calor até melhorar a qualidade do ar. À medida que mais cidades se juntam a alianças como o Cities4Forests e se comprometem a proteger e restaurar parques, as árvores plantadas nas ruas e as florestas que revestem bacias hidrográficas urbanas, será preciso monitorar os avanços de forma precisa.
Conjuntos de dados anteriores não tinham o detalhamento necessário para detectar todas as árvores de uma cidade, deixando as autoridades com poucas alternativas, como contar as árvores manualmente ou organizar “mapatonas” de coleta de dados todos os anos.
Nossos novos dados podem gerar mapas precisos e ajudar os governos a monitorar seus avanços em relação a objetivos de cobertura arbórea. Também podem indicar os locais onde o plantio de novas árvores poderia beneficiar bairros historicamente marginalizados e que tanto precisam de mais áreas de sombra.
Vejamos o caso de Addis Abeba, na Etiópia. Trinta e quatro por cento da área da cidade, em rápido crescimento e localizada em um país comprometido com a restauração, concentra mais de 10% da cobertura de árvores. Esses números podem ajudar a prefeitura a mostrar que investir em arborização urbana e na expansão das áreas florestais funciona, e com isso conseguir recursos junto ao governo nacional ou doadores privados.
Podemos gerar mapas que mostram toda a cobertura de árvores em Addis Abeba (à esquerda) e dar um zoom em áreas ainda menores (à direita) (gráfico: John Brandt/WRI)
4. Milhares de fragmentos florestais protegem recursos naturais
As pessoas derrubaram um sexto das florestas naturais do mundo só no último século, deixando milhares de fragmentos florestais espalhados em locais de difícil acesso. Nossos dados podem localizar esses fragmentos de árvores crescendo ao longo de rios, em encostas íngremes próximas a fazendas e em outros lugares.
Com os dados, programas de conservação podem identificar os pontos onde conectar fragmentos de florestas naturais, que abrigam inúmeras plantas e animais raros, pode trazer os maiores benefícios. E agentes florestais podem localizar distúrbios de pequena escala dentro da floresta que sinalizem extração ilegal de madeira.
Governos e empresas no Brasil, por exemplo, estão reconhecendo as vantagens de proteger e restaurar as árvores que crescem nas margens dos rios para melhorar a qualidade da água. No Espírito Santo, reflorestar 2.500 hectares de pastagens degradas poderia economizar R$ 96 milhões ao longo de 20 anos para a companhia de água local, o equivalente a quase três vezes o custo do investimento. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Seama) pode usar os dados para demarcar as áreas nas quais o investimento no plantio de árvores ao longo de cursos d’água poderia ter maior impacto econômico e para a biodiversidade.
A Seama também pode usar as informações para monitorar o programa Reflorestar, que ao longo de 2021 terá pagado US$ 8,5 milhões aos proprietários de terras pela regeneração de árvores nativas e da vegetação natural. Esse novo método pode desconsiderar culturas não-arbóreas – como chá, açúcar, banana e cactos –, que não são aplicáveis para o financiamento do Reflorestar, mas que os métodos de mapeamento atuais equivocadamente classificam como “árvores”. Com dados mais precisos, o governo pode liberar mais recursos e contribuir para a meta do estado no âmbito da Iniciativa 20×20, de restaurar 80 mil hectares de terra.
Dados robustos para acompanhar os avanços da restauração
Quando associados aos novos insights do Land & Carbon Lab, do WRI, os dados preliminares de árvores em paisagens-mosaico podem revolucionar o monitoramento da restauração. Comparados com dados de alta qualidade referentes ao armazenamento de carbono em andamento, podem ajudar a medir quanto carbono armazenam florestas jovens e áreas de cultivo com árvores. E combiná-los com dados coletados em campo pode vincular a cobertura arbórea a uma maior prosperidade no meio rural, com geração de renda. Informações como essas podem convencer os investidores de que financiar o cultivo de árvores fora das áreas florestais densas é uma solução baseada na natureza eficaz para as mudanças climáticas e a pobreza rural.
Outras melhorias estão a caminho. Em 2022, esperamos que os dados detectem árvores fora e dentro das florestas na África, na América Latina, no Sul da Ásia e em regiões tropicais, subtropicais e temperadas do Sudeste Asiático. Isso mais do que triplicaria a área de cobertura, de 1,4 bilhão de hectares para quase cinco bilhões de hectares.
Em 2023, os dados devem detectar mudanças na cobertura de árvores em cada pixel de 10 por 10 metros entre 2017 e 2022. Poderemos também gerar mapas que mostrem as mudanças anuais dentro de um período de cinco anos e que automaticamente identificariam as plantações de monocultura de árvores nos países que fazem parte do piloto.
Com dados acionáveis, que podem embasar ação, podemos provar que a visão da Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas (2021-2030) é possível e deve ser colocada em prática. Esperamos que esse conjunto de dados ajude a inaugurar uma nova era, mais transparente e na qual todas as árvores do mundo sejam visíveis para todos.
Como você usaria esses dados? Preencha esta pesquisa rápida e envie ideias para futuras colaborações e melhorias.
Para explorar todo o conjunto de dados sobre árvores em paisagens-mosaico (versão preliminar), acesse o Resource Watch. Você também pode ler o documento de especificações técnicas aqui.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.