A Floresta Amazônica, conhecida por sua exuberante vegetação, esconde segredos há muito tempo investigados por cientistas. Uma descoberta recente, divulgada na revista Scientific American, revelou um elo crucial entre a presença ancestral de comunidades indígenas e a criação de um solo rico e fértil na região. O solo amazônico, notoriamente escuro e chamado de “terra preta”, tem sido objeto de especulação quanto à sua origem, mas um estudo interdisciplinar liderado por cientistas e colaboradores indígenas lançou luz sobre esse mistério.
“Isso pode mudar tudo”, afirma Lucas Silva, cientista ambiental da Universidade de Oregon, em referência ao estudo. Ele destaca que se as conclusões do estudo se confirmarem, será a primeira evidência da produção humana da Terra Preta, um feito que outros poderão buscar replicar. Entretanto, ele expressa cautela quanto à complexidade do processo, sugerindo que ainda há muito a ser compreendido.
A Terra Preta da Amazônia é conhecida por sua coloração escura, riqueza em nutrientes e alto teor de carbono orgânico, tornando-a um solo altamente fértil. O solo é fundamental para o crescimento de culturas devido ao seu rico conteúdo de fósforo, nitrogênio e cálcio. Além disso, devido ao seu acúmulo de carbono, os cientistas consideram a Terra Preta como um importante reservatório de carbono, contribuindo para a captura de gases de efeito estufa.
A presença de carvão, matéria orgânica proveniente de restos de alimentos e artefatos antigos, como cerâmica, em locais próximos a sítios arqueológicos sugeria que antigas civilizações contribuíram para a formação da Terra Preta. Contudo, a questão central debatida entre pesquisadores era se esse processo ocorreu de forma intencional ou por acaso devido às práticas das civilizações. Algumas teorias sustentavam que os nutrientes se acumularam naturalmente no solo ao longo dos milênios, antes da intervenção humana.
Para investigar a origem desse solo especial, Morgan Schmidt, arqueólogo e geógrafo da Universidade Federal de Santa Catarina, liderou uma equipe que concentrou suas análises na Terra Indígena Kuikuro, localizada no sudeste da Amazônia brasileira, nas margens do alto rio Xingu. Os pesquisadores coletaram amostras de solo de quatro sítios arqueológicos, bem como de aldeias históricas e uma aldeia moderna chamada Kuikuro II. As datas de radiocarbono indicaram que as amostras mais antigas tinham 5.000 anos, enquanto a maioria variava de 300 a 1.000 anos.
Comparando o solo das áreas residenciais com o solo periférico, os pesquisadores descobriram que o solo nas áreas habitadas continha mais do que o dobro de carbono orgânico e tinha um pH menos ácido, tornando-o mais fértil. Além disso, as amostras residenciais continham concentrações mais elevadas de elementos químicos associados à intervenção humana, como fósforo, potássio e cálcio. Esses resultados sugerem que práticas humanas modernas nas aldeias continuam a criar Terra Preta. Os pesquisadores calcularam cerca de 4.500 toneladas de carbono armazenado no solo de um sítio arqueológico, enquanto a vila moderna tinha 110 toneladas de carbono armazenadas em montes de solo.
Para entender como os Kuikuro modernos criam Terra Preta, a equipe de Schmidt trabalhou em estreita colaboração com membros da comunidade, incluindo Taku Wate Kuikuro, co-autor do estudo. Eles observaram como os moradores coletavam resíduos de peixe e mandioca em grandes lixeiras que podiam chegar a 60 centímetros de altura. Com o tempo, a matéria em decomposição enriquecia o solo. Os agricultores utilizavam esse solo para cultivar culturas que prosperavam nele. Além disso, os Kuikuro espalhavam deliberadamente cinzas orgânicas, carvão e resíduos de mandioca, conhecidos como ilũbepe (ou “o que eram cinzas”), para fertilizar o solo e criar Terra Preta para o cultivo futuro.
Os novos resultados têm implicações significativas para as comunidades indígenas da região, fornecendo insights sobre como a Terra Preta é formada e enriquecida. Taku Wate Kuikuro, que desempenhou um papel crucial na entrevista com moradores e nas escavações arqueológicas, afirma que essa descoberta é importante para sua comunidade. “Agora, sabemos o que realmente acontece com a terra… quantos anos ela tem e por que é boa para cultivo”, diz ele, acrescentando que outras aldeias também estão interessadas em participar da pesquisa.
Morgan Schmidt enfatiza que existem evidências substanciais de que a Terra Preta está relacionada a grupos indígenas antigos na Amazônia, mas este estudo marca a primeira documentação científica de sua formação na era moderna. Embora o estudo tenha recebido elogios pela abordagem etnográfica inovadora, persistem questionamentos sobre se as práticas das antigas civilizações eram idênticas às dos Kuikuro modernos. A busca por respostas continuará, com a necessidade de esclarecer o processo moderno de produção de Terra Preta em outras aldeias da Amazônia. Lilian Rebellato, geoarqueóloga da Universidade Federal do Oeste do Pará, destaca que é essencial investigar mais a fundo, a fim de rastrear esse conhecimento ao longo do tempo e em diferentes partes da região amazônica, com o objetivo de resolver este intrigante debate científico.
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