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O tema das SBN tem sido alvo de intensos debates, com muitos ruídos, aspirações, decepções e busca desenfreada por oportunidades de investimento de grande escala. A agenda da mudança climática traz novo equilíbrio para essa equação, enquanto uma série de desafios se coloca pela frente. Um deles é a monetização. Diferentemente do mercado de carbono, as SBN não contam com métricas facilmente definidas e compreensíveis. Carbono se mede em toneladas, biodiversidade não

Por Roberto S. Waack, da Página 22 | Como antecipou o proprietário de terras e agrônomo Luiz de Queiroz já em 1895 (imagem acima), as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) têm forte relação com a mudança climática. As alterações no clima derivam de duas grandes vertentes, sendo a mais discutida as emissões relacionadas à energia. A outra se relaciona às mudanças de uso da terra, respondendo por aproximadamente um terço do carbono lançado na atmosfera. As SBN, soluções que a natureza oferece para resolver problemas humanos (saiba mais aqui), estão intrinsicamente conectadas ao uso da terra e ao capital natural nela depositado. Florestas têm um papel central neste campo, embora grande parte das SBN se relacione aos oceanos, tema igualmente relevante não tratado neste artigo.

O tema das SBN tem sido alvo de intensos debates, com muitos ruídos, aspirações, decepções e busca desenfreada por oportunidades de investimento de grande escala.

As definições

Apesar de alguma tensão envolvendo a definição de SBN, a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), o Fundo Mundial da Natureza (WWF), e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e outros convergem em alguns conceitos.

O primeiro engloba proteção: as SBN têm a ver com proteção e conservação do capital natural existente, não admitindo nenhuma forma de conversão de ecossistemas. Proteção e conservação estão ligadas à manutenção da biodiversidade, ao estoque de carbono, à preservação de recursos hídricos, à integridade dos solos e demais componentes do capital natural de uma determinada região. Este conceito diferencia SBN da abordagem mais ampla da bioeconomia que, polemicamente, vale dizer, admite a inclusão de atividades econômicas biológicas em áreas antropizadas.

Um segundo pilar das SBN, tendo o primeiro como condicionante, relaciona-se à gestão sustentável desse capital natural, admitindo a produção de bens e serviços, em grande escala, desde que associada ao bem-estar humano e ao respeito aos direitos de povos originários. Este pilar aproxima SBN do setor financeiro e à produção de benefícios múltiplos para a sociedade, incluindo os mais diversos serviços ambientais (e consequentemente conexão com a agenda da mudança climática). Demanda uma relação de longo prazo e profundo respeito à paisagem, lembrando que este conceito integra as pessoas ao ambiente que ocupam e interferem ao longo do tempo.

SBN e Florestas

A relação humana com florestas, como sabemos, está associada à própria evolução da espécie. Mais do que isso, à interação sustentável secularmente estabelecida. Esta relação indica que as discussões sobre SBN podem se alicerçar de forma bastante contundente no campo da gestão florestal. Diferentemente de algumas alternativas emergentes das SBN, a atividade florestal está consolidada no mainstream econômico. Gera produtos amplamente utilizados para construção civil, movelaria, energia, papel e tecidos. Tem sido objeto de novas frentes de inovação como bioplásticos e biomateriais diversos. Envolve grandes grupos industriais e financeiros, com vários mecanismos de fluxo de capitais.

Florestas são uma classe de ativo reconhecida por investidores (e mais recentemente seguradoras e resseguradoras) e têm grande relevância no desenvolvimento econômico de países como os nórdicos e, de alguma maneira, alguns da América Latina (Brasil e Chile, especialmente). Ainda que com grandes desafios associados aos modelos produtivos (monoculturas, cortes rasos, uso de defensivos, biotecnologia, impactos hídricos, deslocamento econômico, conversões de ecossistemas e outros), a gestão florestal, muito especialmente a restauração florestal, pode ser uma plataforma potente para alavancagem da agenda das Soluções Baseadas na Natureza.

Boa parte dos desafios da atividade tradicional florestal, já mencionados, explica a diferença entre SBN e bioeconomia. A sobreposição conceitual é grande, mas os contornos diferem especialmente no que tange à relação com a biodiversidade e à conversão de ecossistemas.

Ao mesmo tempo, outra interessante discussão aproxima SBN do campo da economia circular. O debate considera a extensão do ciclo de vida de produtos, como madeira na construção civil para, por exemplo, movelaria. É crescente o uso de madeiras oriundas de casas demolidas para a produção de móveis e utensílios domésticos.  Esses mesmos produtos um dia poderão ser triturados e voltar a integrar compostagem orgânica, completando, assim, seu ciclo de vida. São essas também soluções naturais que, entre outros benefícios, garantem ao longo de sua existência econômica estocagem de carbono.

Florestas têm sido campo de iniciativas multilaterais importantes, como The Bonn ChallengeNew York Declaration on ForestsGlasgow Leaders Declaration on Forests and Land Use e outras. Números associados a quantitativos florestais, investimentos e carbono se multiplicam. A abordagem da gestão florestal se sofistica, com indicação de um amplo leque de funções decorrentes desta atividade: proteção da biodiversidade, produção de serviços ambientais (recursos hídricos, solo, gases de efeito estufa, clima), proteção e redução de riscos de desastres ambientais, hábitat para populações humanas e produção de materiais como madeira, fibras e alimentos.

Esse espectro de funções pode ser traduzido no conceito de contínuo florestal (leia mais aqui). Trata-se de um gradiente que se inicia com a conservação, passando por manejo florestal sustentável, regeneração natural, regeneração assistida, plantio biodiverso, plantio concentrado em poucas espécies, a integração de florestas com a produção de alimentos (sistemas agroflorestais – SAF – e integração floresta-agricultura-pecuária – ILPF) e o plantio de monoculturas.

Na ordem descrita, é decrescente do ponto de vista da intensidade da biodiversidade.  O mesmo contínuo, analisado sob a ótica de fluxos financeiros tem crescente valor comercial. No mainstream econômico vigente, são as monoculturas plantadas as que mais geram valor monetário. Ao mesmo tempo, o valor econômico do outro extremo do contínuo, as florestas conservadas, é crescentemente considerado nos debates geopolíticos, envolvendo ESG e mudanças climáticas. Este parece ser o grande componente novo das SBN: o reconhecimento de que todas as formas florestais têm valor, ainda que não igualmente monetizáveis.

O debate sobre florestas, além dos conceitos de conservação, regeneração, restauração, reflorestação adiciona o de “aflorestação” (arborização), ou a conversão de áreas que originalmente não eram florestas, em bosques, ou seja, envolve a sempre polêmica conversão de ecossistemas.

Como o tema está necessariamente ligado ao impacto social e econômico de grande escala (além das dimensões ambientais), tem havido boas análises sobre a correlação risco-retorno. As funções relacionadas à proteção da biodiversidade e a serviços ambientais ainda apresentam alto grau de incertezas e fluxos de caixa incertos e voláteis. A agenda da mudança climática traz novo equilíbrio para essa equação, especialmente em função dos negócios associados aos créditos de carbono.

As funções associadas à redução de riscos de desastres têm características próprias na proteção de ativos com alto valor econômico, mas com baixa incidência em fluxos de caixa. As funções de produção de não madeireiros, associadas à sociobioeconomia, despertam crescente interesse de empreendedores e investidores, mas ainda são altamente incertas, de baixa escala e com fluxos de caixa distantes dos níveis desejados pelos principais atores financeiros. Por outro lado, as funções tradicionais de produção (madeira) são as de menor incerteza e maiores fluxos de caixa, o que explica serem, como mencionado, atividades secularmente consolidadas.

Variáveis

As diferentes funções e tipologias do contínuo florestal são refletidas em variáveis fundamentais para decisões sobre os modelos de negócios associados às SBN. O modelo florestal voltado para a conservação fundamenta-se na manutenção de estoques de carbono e, consequentemente, em regulamentações associadas ao desmatamento evitado. O crescente interesse na biodiversidade deve transformar-se em valor econômico. Essas duas funções implicam essencialmente em custos de proteção dos maciços naturais.

No campo da restauração, diferentes modelos silviculturais mostram grande variabilidade de custos associados ao tipo de projeto, incluindo medidas de proteção, intervenções no solo, quantidade e valor de mudas, entre outros fatores. O grau de intervenção e de custos varia muito considerando se os projetos são voltados para proteção de áreas com potencial de regeneração natural ou destinados a plantios intensivos mais ou menos biodiversos.

Outros fatores com intenso impacto econômico envolvem: a manutenção das áreas em restauração por prazos sempre longos (especialmente associados aos desafios do combate a pragas e desastres naturais como fogo); a diversidade de espécies (mais ou menos domesticadas); as taxas de crescimento das árvores plantadas; a densidade das madeiras e sua capacidade de absorção de carbono;  as técnicas de colheita (para produtos madeireiros e não madeireiros); a localização do empreendimento e rebatimentos logísticos.

Nesse campo é reconhecidamente vital a atividade de P&D, envolvendo não só as técnicas de manejo florestal (obtenção, conservação e manipulação de sementes, produção de mudas, plantio, fertilização, proteção, condução, colheita), mas especialmente as frentes da genética (melhoramento). Estas fronteiras do conhecimento se interrelacionam com o desenvolvimento e aplicações para novos produtos como plásticos, têxteis, biomateriais alternativos, madeiras engenheiradas etc. São desafios relevantes nos campos da inovação em si, mas também na sua difusão e escalas de mercado. Modelos pré-competitivos podem ser alternativas importantes para a aceleração deste processo tecnológico.

Variável da maior importância econômica e climática refere-se ao destino da atividade, notadamente se envolver o corte de árvores para fins madeireiros. As alternativas de avanços na cadeia de valor, com associação das atividades florestais às diversas opções de industrialização (serrarias, plantas para geração de energia, celulose etc.) introduzem variáveis bastante complexas, incluindo ampla gama de aplicações finais dos produtos e mercados. O tema da permanência do carbono nas florestas ou em produtos derivados é determinante: a construção civil é bem distinta da produção de florestas para energia ou celulose, por exemplo.

Outra variável crucial e estratégica se refere ao bioma em que o empreendimento se localiza. Não só variam as condições edafoclimáticas (relativas ao solo e ao clima), mas também as questões relacionadas ao direito fundiário, a incentivos financeiros, fiscais e tributários específicos, à logística e aos riscos reputacionais, institucionais e de segurança. Não há como dissociar a estratégia de localização das alternativas de acesso à terra. Modelos de concessões públicas, parcerias rurais, arrendamentos e aquisições se entrelaçam com as diferentes opções do contínuo florestal, com grandes impactos na necessidade de capital e retornos econômicos dos empreendimentos. A combinação dos ativos florestais com os fundiários se transformou em uma classe específica de investimento no hemisfério norte, amalgamando a valorização fundiária e os ativos biológicos das propriedades.

Ao mesmo tempo, não há como dissociar o uso da terra das questões sociais. Como mencionado, a própria definição das SBN trata desta dimensão com prioridade. A ocupação espacial e o convívio harmônico com comunidades do entorno exigem desses empreendimentos uma abordagem ampla da paisagem. A literatura de problemas indomáveis (wicked problems) fundamenta-se justamente neste campo.

Não há como se ater à racionalidade técnica e à justiça formal. O convívio social não se restringe aos limites da propriedade ou do projeto florestal. No mesmo espaço convivem culturas distintas, expectativa, sonhos, desejos e emoções fortes e voláteis, intrínsecas de aglomerados humanos. A distribuição de benefícios é elemento central, tema altamente polêmico e com soluções ambíguas. Desalojamento econômico, emprego, renda e condições de trabalho misturam-se com o necessário ao consentimento prévio e informado das populações locais e com reconhecimento de direitos civis dos povos originários e das minorias.

Além das demandas sociais, a conexão da SBN com a agenda da mudança climática tem introduzido variáveis associadas a políticas públicas nos âmbitos nacional e internacional. A justiça climática se amalgama com os referidos compromissos internacionais (Bonn, NY, Glasgow) que, por sua vez, se entrelaçam, ainda ineficientemente, com incentivos financeiros, fiscais, barreiras comerciais ligadas às regulamentações ambientais e políticas de accountability e transparência.

Proliferam conexões com os acrônimos relacionados à sustentabilidade e ESG, como Principle for Responsible Investiments (PRI),  Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD), Task Force on Nature-Related Disclosures (TNFD), Standards for Nature Based Solutions (IUCN), Science-Based Targets (SBT), EU Taxonomy for Sustainable Activities, ASEA Taxonomy for Sustainable Activities, Forest Law Enforcement, Governance and Trade (FLEGT), USA Lacey Act e outros.

Riscos e finanças

A sopa de elementos decisórios complica-se fortemente no campo da disposição aos riscos. Os mais evidentes e conhecidos no campo florestal, especialmente relacionados ao longo período de seus ciclos, são a exposição a desastres naturais, especialmente o fogo. Pragas também biológicas costumam frequentar projetos de restauração, notadamente aqueles que envolvem áreas degradadas e ecologicamente desequilibradas. O campo fundiário é bastante minado no Brasil, com incertezas relacionadas às cadeias dominiais e a conflitos de posse. Atividades relacionadas à natureza, são crescentemente expostas a crimes como grilagem, madeireiros ilegais, garimpeiros, comerciantes de fauna e infelizmente forte desenvolvimento do narcotráfico.

O ambiente institucional é frágil e confuso no que tange às regulamentações gerais para licenciamentos e operações. O ambiente jurídico é desfavorável aos proprietários de terras, que passam a arcar com todas as responsabilidades civis de danos ambientais, inclusive comprovadamente causados por terceiros. Conflitos sociais são bastante comuns. Apesar da atividade florestal relacionada à conservação e restauração serem positivamente acolhidas por organizações da sociedade civil, não faltam conflitos com grupos mais radicais, com fortes vieses ideológicos, gerando rebatimentos reputacionais.

A esses riscos locais, adicionam-se os de natureza mercadológica, tecnológica e a competição com alternativas inovadoras, não biológicas, na área da absorção de carbono. Especificamente neste campo, as regulamentações do mercado de gases de efeito estufa não estão maduras, podendo ter efeitos adversos de demanda e preços. O debate sobre a eficiência de modelos biológicos relacionados a carbono, comparados com tecnologias emergentes de sequestro e estocagem de gases de efeito estufa está aberto, com possíveis consequências no campo financeiro e regulamentário. Por fim, o reconhecimento de serviços ambientais adicionais, relacionados à biodiversidade, solos e recursos hídricos ainda são bastante incertos.

Não se trata aqui de promover desânimo, mas de alertar sobre a necessidade da inclusão de elementos mitigadores nas estratégias de SBN. Assim como qualquer outra atividade, os que almejam risco zero, “ou desconhecem o que significa risco ou não sabem o que é zero”. Como qualquer atividade emergente, a navegação nos mares das SBN demanda estômago forte, resiliência, perseverança e, essencialmente, capital paciente.

Obviamente, não há como dissociar o mundo dos riscos dos instrumentos financeiros. Investimentos em ativos e empréstimos são objeto de nomenclaturas inovadoras como green bonds, green securitizations, forest-related exchange traded funds, real estate investment trusts e outros. As expectativas de forte fluxo de capital financeiro oriundo de mecanismos internacionais, ainda não realizadas, convivem com a decepcionante oferta de recursos de investidores institucionais. As poucas opções no mercado financeiro privado não contam com taxas suficientemente atraentes para se contraporem aos altos custos de transação decorrentes de auditorias e demandas por altos níveis de compliance e governança.

As SBN, diferentemente do mercado de carbono, não contam com métricas facilmente definidas e compreensíveis. Carbono se mede em toneladas, biodiversidade não. A maior parte das externalidades positivas, ou melhor, a internalização de benefícios socioambientais das SBN não são monetizáveis como os créditos de carbono. Reconhecer seu valor é uma tendência, mas ainda não passa de sinalização. A questão no ar é se a monetização é a única forma de reconhecer o valor das florestas. Elas não são apenas depósitos de carbono.

Por serem difíceis de serem medidas, não significa que não tenham valor econômico. O setor financeiro lida com situações semelhantes em temas como riscos de países, valores de marcas e elementos reputacionais, mas ainda não criou mecanismos que incorporem a produção de benefícios (e em alguns casos, danos) sociais e ambientais em suas modelagens e métricas econômicas. As sinalizações de que esses temas devem ser incorporados às suas responsabilidades fiduciárias indicam que, no médio prazo, saberá contornar o paradigma proposto por William Deming [1900-1993], consultor empresarial que cunhou uma das frases mais emblemáticas para o mundo corporativo: “não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia”.

A flexibilidade nas duas primeiras frases parece ser uma contribuição das SBN ao mundo da administração, com a compreensão de que a ambição de pleno enquadramento racional do capital socionatural não seja possível e que o controle gerencial, via métricas simplificadas, neste tipo de ativo, seja diferente do preconizado pelos gurus da administração. O mesmo conceito tem provocado debate no campo dos indicadores relacionados ao desenvolvimento humano e industrial de países, como PIB e IDH.

Neste contexto, há indicações de que as finanças das SBN devem ser uma combinação de investimentos diretos e secundários, com participação articulada entre bancos comerciais, agências de desenvolvimento, fundos de impacto, investidores familiares e institucionais, seguradoras e filantropia. A receita ainda não se mostra consistente, mas provavelmente passará por ingredientes e funções específicas de de-risking, programas de incentivos e subsídios, projetos emblemáticos e de escalas transformadoras, poder de advocacy, acesso a mercados e capacidade de gestão em ambientes de alta complexidade. Demandam uma combinação de diferentes expectativas de retorno, tolerância ao risco, estabelecimento de correlações com outras classes de ativos, prazos de maturação dos empreendimentos e novas abordagens de compartilhamento de benefícios.

É evidente que o desenvolvimento de mercados para bens e serviços de SBN é crítico. Este processo pode se assentar nas transições energética e alimentares, em pleno curso. São fenômenos orientados por desejos de consumidores e pela rápida migração de passivos morais para legais. A taxação de carbono é um exemplo, assim como a litigância climática. Quais as tendências de demandas para produtos tradicionais, como os da construção civil? Qual o papel da madeira nesta indústria? Quais os mercados para produtos não madeireiros como sementes, frutas, essências? Terá a inovação tecnológica papel real no tão propalado potencial do desenvolvimento de fármacos derivados da botânica? Como se desenvolverá o poder competitivo de biomateriais, substitutos de derivados de combustíveis fósseis como plásticos e algumas fibras têxteis? Como se desenvolverá o mercado das commodities ambientais como carbono e água? Como se dará a evolução associação das SBN com marketing de produtos e elementos reputacionais?

Monitoramento e governança

A evolução das SBN, como todas as atividades emergentes, depende de instrumentos de monitoramento. Três frentes se apresentam neste campo: tecnologia, transparência e certificações. No primeiro grupo, tecnológico, estão incluídos o monitoramento espacial do uso da terra, sensores de carbono (solo e atmosfera), sensores hídricos, de minerais, os relacionados à biodiversidade, à sanidade e fisiologia vegetal. A essas tecnologias hard, associam-se os sistemas de blockchain, NFTs (non fungible tokens), as criptomoedas e afins metavérsicos.

No campo da transparência, como já discutido, é preciso aperfeiçoamento de métricas e indicadores, a produção e disseminação de dados primários (abertos ao público ou não), as capacidades de agregação e difusão de informações consolidadas, os avanços da contabilidade e reports integrados.

Por fim, em um campo ainda incerto, ambíguo, pouco regulado e volátil, o papel das certificações independentes, de terceira parte, surge como elemento mitigador de risco e alavancador da credibilidade entre as diversas organizações envolvidas com SBN. Neste campo, não há como deixar de reconhecer o papel do Forest Stewardship Council (FSC) e de iniciativas como Verra e The Gold Standard, para carbono.

Nesse contexto altamente complexo, a difusa governança multilateral que envolve o tema é agravante. Mecanismos existentes, como as Conferência das Partes sobre Mudança do Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), a Science Based Targets Initiative e a emergente Science Based Targets for Nature conectam-se de forma frágil, pouco articulada e confusa com tradicionais iniciativas de organizações como Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e suas frentes florestais.

Mais do que buscar um novo mecanismo formal de governança, é importante um esforço de coordenação que contemple essas e outras iniciativas. O debate sobre modelos de governança globais para SBN indicam que iniciativas de coordenação deveriam partir de uma visão sobre bens comuns e a relação humana com a natureza. Por sua grande especificidade local e regional, a ambição de uma governança global que envolva biodiversidade e soluções baseadas na natureza não seriam prescritivas, mas sim, fundamentada em princípios gerais. O debate é incipiente e permanece aberto, com expectativas crescentes de que poderia ser um caminho para contemplar, paralelamente, os desafios da geopolítica climática aos da biodiversidade.

Apesar da desarticulação da governança multilateral, no campo privado, as SBN avançam na sua inerente interrelação com as bioeconomias: a socioambiental básica, que envolve a extração, manipulação e baixo grau de industrialização de produtos derivados de áreas com alta intensidade de conservação; a de alta tecnologia, que se fundamenta no potencial de desenvolvimento de produtos de alto valor agregado e altamente dependentes de ciência aplicada; a florestal, objeto deste texto; e a agro-bioeconomia, baseada na produção de commodities, normalmente realizadas em áreas já antropizadas.

É possível que, ao refletir sobre as Soluções Baseadas na Natureza, talvez influenciado por seu contemporâneo Luiz de Queiroz [1849-1898], o filósofo Friedrich Nietzsche [1844-1900] tenha cunhado a frase: “O futuro influencia o presente tanto quanto o passado”. SBN apresentam um belo desafio pela frente, com fortes lastros no amplo histórico da relação econômica da humanidade com as florestas.

Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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