Por Peter Veit, David Gibbs e Katie Reytar em WRI Brasil | No mundo todo, florestas desempenham um papel fundamental combatendo ou contribuindo para conter as mudanças climáticas. Florestas em pé e saudáveis sequestram mais carbono da atmosfera do que emitem e funcionam como um sumidouro de carbono; por outro lado, áreas florestais degradadas e desmatadas liberam na atmosfera o carbono que armazenavam e se tornam uma fonte de carbono.
Globalmente, em números líquidos, as florestas são um sumidouro de carbono, mas há variações substanciais na escala local. Nossa análise mostra que as florestas administradas por povos indígenas na Amazônia foram fortes sumidouros entre 2001 e 2021, removendo juntas 340 milhões de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, o equivalente às emissões anuais de combustíveis fósseis do Reino Unido.
Em paralelo, as florestas fora das terras indígenas da Amazônia foram, coletivamente, uma fonte de carbono, devido à alta perda florestal. A pesquisa ressalta a necessidade de ajudar os povos indígenas e outras comunidades locais a zelarem pelas florestas onde vivem e preservarem os sumidouros de carbono remanescentes na Amazônia.
Em todo o mundo, as florestas cobrem cerca de 30% da superfície terrestre e, entre 2001 e 2021, absorveram aproximadamente 7,2 bilhões de toneladas de CO2 a mais por ano – aproximadamente o dobro – do que emitiram. Desmatamento, degradação e outras interferências, porém, já transformaram algumas das florestas mais importantes do mundo em fontes de carbono – e podem fazer o mesmo com outras áreas.
A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, ainda é um sumidouro líquido, mas está perigosamente próxima de se tornar uma fonte de carbono. A parte sudeste da floresta já emite mais carbono do que sequestra. Nos últimos 40-50 anos, cerca de 17% da Floresta Amazônica foi perdida, sendo a maior parte foi convertida em terras agrícolas, principalmente pastagens.
Cientistas estimam que, se a área desmatada da Amazônia chegar a 20%, a floresta pode ultrapassar o ponto de não retorno, desencadeando um retrocesso em larga escala que liberaria mais de 90 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera (aproximadamente 2,5 vezes mais do que as emissões globais anuais de combustíveis fósseis), transformaria a floresta em uma savana e afetaria as chuvas em toda a América do Sul.
Para os povos indígenas e outras comunidades, a terra onde vivem é a principal fonte de alimento, medicamentos, lenha e materiais de construção, bem como um espaço para a geração de empregos, renda, bem-estar, segurança, cultura e espiritualidade. As terras comunitárias também são a base de sua identidade social, status e relações políticas.
Cada vez mais pesquisas mostram que as áreas administradas por povos indígenas – seja a partir de demarcações legais ou propriedade informal e consuetudinária – apresentam taxas de desmatamento mais baixas do que áreas similares sob a gestão de outros grupos. Além disso, terras legalmente asseguradas para povos indígenas registram taxas de desmatamento ainda mais baixas do que as não oficialmente demarcadas, ressaltando a importância desse direito para garantir uma gestão sustentável dessas áreas.
Pesquisas também comprovam que terras administradas por povos indígenas e outras comunidades – boa parte áreas florestais – são ricos repositórios de carbono. E uma parcela significativa dessas áreas é mantida apenas por posse consuetudinária, na qual a terra não é legalmente reconhecida como pertencente às comunidades ou titulada pelo governo.
O grau em que essas florestas são sumidouros ou fontes de carbono, no entanto, não foi investigado em profundidade até agora.2
A seguir, confira o que mostra nossa análise:
Cerca de 1,5 milhão de pessoas indígenas de 385 grupos étnicos diferentes vivem na biorregião amazônica, o que inclui partes da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.3 Os povos indígenas têm a posse de cerca de 29% da biorregião, quase metade no Brasil. Considerando que as florestas ocupam mais de 80% dessa área, essas terras, administradas de forma coletiva – que chamaremos aqui de “florestas indígenas” –, são vitais para interromper a perda florestal.
Nossa análise das emissões e remoções de carbono revelam que as florestas indígenas dos nove países amazônicos foram sumidouros líquidos entre 2001 e 2021. Juntas, essas áreas emitiram uma média de 120 milhões de toneladas de CO2e/ano e removeram 460 milhões de toneladas de CO2e/ano, o que faz delas um sumidouro líquido de 340 milhões de toneladas de CO2e/ano.4 No entanto, as dimensões relativas dessas emissões e remoções – conhecidas como fluxos de carbono – variam consideravelmente entre os países.
As dimensões relativas das remoções e emissões podem ser consideradas um indicador de quão “seguro” é um sumidouro de carbono. Uma proporção mais alta significa que as emissões precisam aumentar, ou que as remoções precisam diminuir, para que uma área se torne uma fonte líquida de carbono.
Por exemplo, as florestas indígenas da Bolívia e do Peru registraram emissões mais altas em relação às remoções – e, portanto, estão mais próximas de se transformar em fontes de carbono – do que as florestas indígenas no Brasil, que removeram cerca de quatro vezes mais carbono do que emitiram.
As florestas da biorregião amazônica que não integram áreas indígenas foram, juntas, uma fonte líquida de carbono entre 2001 e 2021. Essas florestas emitiram 1,3 bilhão de toneladas de CO2e/ano, devido à perda florestal, e removeram cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2e/ano, o que faz delas uma fonte líquida de aproximadamente 270 milhões de toneladas de CO2e/ano – o equivalente às emissões anuais de combustíveis fósseis da França.
A perda florestal no Brasil, que representa três quartos da perda total na região, é a principal causa. A perda florestal fora das áreas indígenas na Amazônia brasileira foi uma fonte tão significativa de carbono que superou os efeitos dos demais países amazônicos, os quais foram ou pequenos sumidouros ou pequenas fontes de carbono. No Brasil, as florestas fora das terras indígenas têm sido perdidas rapidamente para agricultura, pecuária, indústrias extrativistas, infraestrutura, entre outros empreendimentos.
Embora os países amazônicos com mais áreas de florestas indígenas naturalmente registrem fluxos de carbono mais altos, o fluxo anual de carbono por hectare – ou seja, a densidade do fluxo de carbono – variou pouco entre as florestas indígenas maduras e relativamente estáveis dos países. De 2001 a 2021, a densidade do fluxo de carbono variou de um sumidouro líquido de aproximadamente 0,78 tonelada de CO2e/hectare/ano na Amazônia boliviana a 2 toneladas de CO2e/hectare/ano na Amazônia colombiana.
Fora das terras indígenas, porém, a densidade do fluxo de carbono sofreu uma variação significativa: desde florestas na Amazônia brasileira emitindo 1,4 tonelada de CO2e/hectare/ano até florestas na Guiana Francesa removendo 2 toneladas de CO2e/hectare/ano. Esse é um reflexo das diferenças entre os países amazônicos em relação à quantidade de floresta fora das terras indígenas que tem sido degradada e perdida.
A contribuição das florestas indígenas para mitigar as mudanças climáticas se deve principalmente a seus níveis mais baixos de emissões se comparadas às florestas fora das terras indígenas, além de remoções de carbono mais eficientes. Nossa análise revela que as emissões de carbono por hectare de floresta dentro de terras indígenas (0,6 tonelada de CO2e/hectare/ano) foram muito mais baixas do que fora das terras indígenas (3,2 toneladas de CO2e/hectare/ano). Em relação à captura de carbono, os números são semelhantes: as florestas indígenas capturaram 2,2 toneladas de CO2/hectare/ano, enquanto as florestas fora de áreas indígenas capturaram 2,5 toneladas de CO2/hectare/ano.
Uma vez que a perda florestal é uma das causas das emissões de carbono, essa descoberta indica que o foco dos esforços de mitigação das mudanças climáticas nas áreas indígenas deve ser proteger as florestas e mantê-las de pé para, com isso, manter baixos os níveis de emissões.
As florestas indígenas amazônicas não são as únicas capazes de mitigar as mudanças climáticas. Embora a maioria das comunidades na Amazônia se identifique como povos indígenas, muitas comunidades afrodescendentes – formadas por descendentes de pessoas africanas escravizadas – também possuem e fazem uma gestão coletiva de suas terras.
Nossa análise de florestas quilombolas no Brasil aponta que cerca de 90% delas foram sumidouros de carbono entre 2001 e 2021.5 As remoções de carbono foram quase o dobro das emissões (3,5 milhões de toneladas de CO2/ano contra 1,5 milhão de toneladas CO2/ano), e seus sumidouros de carbono por hectare foram comparáveis aos das florestas indígenas (1,6 tonelada de CO2e/hectare/ano nas florestas quilombolas contra 1,7 tonelada de CO2e/hectare/ano nas florestas indígenas).
Além disso, a análise dos fluxos de carbono das florestas indígenas do México e das Filipinas, bem como de florestas comunitárias mexicanas (administradas por comunidades camponesas que não se identificam como indígenas, mas possuem e administram a terra de forma coletiva), mostram que muitas comunidades em todo o mundo ajudam a combater as mudanças climáticas por meio do manejo florestal.6 Florestas de administração coletiva no México e nas Filipinas foram sumidouros líquidos de carbono, sequestrando 70 milhões de toneladas de CO2/ano a mais do que emitiram entre 2001 e 2021, uma quantidade comparável às emissões de combustíveis fósseis da Romênia. Nessas áreas, os sumidouros por hectare também foram semelhantes aos das florestas indígenas e quilombolas na Amazônia.
Diferente da Amazônia, no entanto, no México e nas Filipinas, as florestas fora das áreas de administração coletiva também foram sumidouros de carbono.
Entre 2001 e 2021, aproximadamente 94% da área das florestas indígenas no biorregião amazônica atuaram como um sumidouro de carbono7, com esse índice variando de 99% das florestas na Venezuela até cerca de 76% na Bolívia. Os 6% remanescentes foram uma fonte líquida de carbono, responsável por 42% das emissões das florestas indígenas na Amazônia.
Essa porcentagem, contudo, varia de país para país. Na Colômbia, por exemplo, 2% das florestas indígenas foram responsáveis por 21% de suas emissões. Já no Suriname, 11% das florestas indígenas foram responsáveis por metade de suas emissões. Embora muitas florestas indígenas na Amazônia estejam ameaçadas, essa descoberta indica que, em algumas dessas florestas, o carbono esteja sofrendo muito mais pressão do que em outras.
E, embora muitas comunidades indígenas tenham conseguido proteger suas florestas de invasões e outras pressões externas, as ameaças têm aumentado. À medida que a competição pela terra se intensifica, as disputas entre povos indígenas e atores externos, principalmente governos e empresas, têm se tornado cada vez mais comuns e perigosas. Na Amazônia e em outras áreas, é crescente o número de pessoas indígenas sendo assediadas, presas e assassinadas por seus esforços para proteger suas terras. A América Latina aparece continuamente no ranking das regiões com o maior número de mortes de ativistas ambientais e defensores das florestas.
À medida que mais áreas florestais são perdidas e convertidas para outros usos, tanto as florestas indígenas quanto outras florestas comunitárias se destacam como sumidouros de carbono estáveis que precisam ser protegidos.
Algumas das estratégias mais urgentes para proteger as florestas indígenas incluem:
Muito pode ser feito para proteger as florestas e as comunidades que vivem nelas. Em jogo, está não apenas o futuro do orçamento de carbono, mas a vida das pessoas.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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