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Fome no Brasil atinge crianças, prevalece no Nordeste do país, em regiões rurais e em lares chefiados por mulheres

A fome no Brasil é uma realidade que assombra, mas para combatê-la são necessárias mudanças estruturais. É preciso promover o acesso a alimentos de qualidade e a soberania alimentar para melhorar esse cenário. Porém, de acordo com um levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar Rede Penssan, parece que estamos longe de acabar com a fome. Depois de 17 anos em queda, no ano de 2020, a insegurança alimentar cresceu no País, atingindo mais da metade dos brasileiros. No mesmo período, a quantidade de pessoas passando fome foi de 19,1 milhões, o que seria equivalente à população do estado de São Paulo.

O que é segurança alimentar?

Para entender a fome no Brasil é preciso entender o conceito de segurança alimentar. Ele diz respeito a uma situação ideal em que a população de um país ou região tem acesso físico, social e econômico a recursos suficientes, seguros e alimentos nutritivos que atendam às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável.

Em documento aprovado na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e incorporado na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) (Lei nº 11.346, de 15 de julho de 2006), a segurança alimentar é definida como “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”.

De acordo com dados lançados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicados pela Agência Brasil, somente nos anos de 2017-2018, a insegurança alimentar atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o que é equivalente a 10,3 milhões de pessoas em situação de fome ou subnutrição, sendo 7,7 milhões moradores na área urbana e 2,6 milhões na rural.

Enquanto a segurança alimentar diz respeito ao acesso a alimentos de qualidade, o conceito soberania alimentar revela a importância de mudanças estruturais no modelo econômico.

Como a segurança alimentar se relaciona com a soberania alimentar?

Soberania alimentar se refere ao acesso, por parte dos agricultores, a mercados, solo fértil, sementes de qualidade, água, tecnologias de cultivo e energia. No cenário econômico vigente, a soberania alimentar de alguns países é comprometida pelos interesses de agentes externos, que subvertem o uso da terra. Esta passa a ser usada como geradora de commodities, até o seu esgotamento, e não como meio de produção de alimentos. Nesse sentido, alguns estudiosos do tema propõem a implementação da agroecologia como alternativa.

A agroecologia defende que a agricultura não pode ser somente voltada à produção de commodities, ela também deve servir para alimentar e gerar renda compartilhada. E não basta que os produtos sejam vendidos a um preço baixo. Esses preços precisam incluir o pagamento decente a todos envolvidos na produção de alimentos.

A fome no Brasil e as mudanças climáticas

As mudanças climáticas afetam a agricultura e a produção de alimentos de formas complexas. Mudanças nas condições agroecológicas afetam a produção e a distribuição de receitas financeiras e, portanto, a demanda por produtos agrícolas. Mudanças na temperatura e precipitação associadas com as emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, afetam a fertilidade do solo e o rendimento das colheitas.

Em regiões mais secas, os modelos climáticos preveem aumento da evapotranspiração e menor umidade do solo. Como resultado, algumas áreas cultiváveis podem se tornar inadequadas para o plantio e algumas pastagens tropicais podem se tornar cada vez mais áridas.

O aumento da temperatura também irá aumentar os tipos de pragas agrícolas e a capacidade dessas pragas sobreviverem ao inverno e atacar as colheitas da primavera. Outra mudança importante para a agricultura é o aumento da concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2), que pode ter efeitos positivos e/ou negativos em algumas culturas, aumentando o acúmulo de biomassa e o rendimento final, ou diminuindo a quantidade de nutrientes de determinado cultivo.

Ciclo vicioso de doenças

A principal preocupação com as mudanças climáticas e a fome no Brasil e no mundo é que mudanças nas condições climáticas podem iniciar um círculo vicioso onde doenças infecciosas causam ou agravam a fome, que, por sua vez, torna as populações afetadas mais suscetíveis a infecções e doenças. O resultado pode ser um declínio substancial na produtividade do trabalho e um aumento da pobreza e até da mortalidade.

Essencialmente, todas formas de manifestações das mudanças climáticas, sejam secas, temperaturas elevadas ou chuvas intensas, influenciam o aparecimento de doenças. E há evidências de que essas mudanças causem insegurança alimentar. Um relatório do IPCC enfatiza que elevadas temperaturas aumentarão a frequência de intoxicações alimentares, principalmente nas regiões temperadas.

Oceanos mais quentes podem contribuir para aumento de casos de intoxicação humana por moluscos, por exemplo. E também há evidências de que a variabilidade da temperatura afeta a incidência de doenças diarreicas. Uma série de estudos descobriu que o aumento da temperatura está fortemente associado ao aumento de episódios de doença diarreica em adultos e crianças.

Da mesma forma, os impactos das inundações serão sentidos mais fortemente em áreas degradadas ambientalmente e onde faltam infraestruturas públicas básicas, incluindo saneamento e higiene. Isso vai aumentar o número de pessoas expostas a doenças transmitidas pela água (por exemplo, cólera) e, assim, diminuir sua capacidade de usufruir dos alimentos de maneira adequada.

Quem passa fome no Brasil?

Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou uma realidade sombria: mais da metade das crianças com até 5 anos de idade não tem acesso pleno à alimentação de qualidade.

Além disso, a pesquisa mostrou que a fome prevalece nas áreas rurais e no Nordeste do País, principalmente em lares chefiados por mulheres. Nesses lugares, houve redução na quantidade de alimentos ingeridos e piora na qualidade do alimento. O estudo não levou em consideração a população que vive em situação de rua, o que pode indicar que o cenário é ainda pior.

Fome e obesidade: dois fatores sociais decorrentes da insegurança alimentar

A vulnerabilidade social muitas vezes obriga pessoas a trocarem alimentos de qualidade por alimentos baratos. A consequência disso é o crescimento de doenças como a obesidade. O consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares simples, em sódio, contaminados com agrotóxicos, e com outros aditivos alimentares, é prejudicial em diversos níveis para o organismo humano. Estudos comprovam a relação do consumo de alimentos com agrotóxicos e a diabetes e de alimentos processados com o câncer, por exemplo.

Inúmeras são as doenças relacionadas à baixa ingestão de nutrientes adequados, como hipertensão, problemas cardiovasculares, diabetes, câncer, osteoporose, além da obesidade. Entretanto, a gordofobia, que é muito presente no contexto cultural do Brasil, produz e fortalece a pré-concepção de que pessoas gordas comem muito. Mas a realidade não é bem essa. Existem uma série de produtos químicos obesogênicos e a própria falta de acesso a alimentos de qualidade pode causar obesidade.

Os obesogênicos, termo criado pelo pesquisador Bruce Blumberg da Universidade da Califórnia, são produtos químicos encontrados em embalagens de alimentos, no politetrafluoretileno das panelas antiaderentes, em produtos de beleza e sabonetes, dentre outros, que podem colaborar com a obesidade de adultos e crianças.

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Estudos realizados em animais apontam que a exposição de fetos e filhotes a alguns desses compostos pode causar problemas durante o desenvolvimento do sistema endócrino, favorecendo o desenvolvimento das células do tecido adiposo.

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Em um estudo publicado na revista Environmental Health Perspectives, pesquisadores descrevem a presença de obesogênicos nos corpos de gestantes, que podem passar essas substâncias químicas aos seus filhos. Isso favoreceria o desenvolvimento de obesidade.

A exposição de adultos aos obesogênicos causa o mesmo problema, mas em menor escala. Crianças pequenas e fetos estão ainda em estágios de desenvolvimento do corpo, o que faz com que qualquer problema durante esse processo os acometa por toda sua vida. Os adultos, com seus corpos já desenvolvidos, mesmo não estando livres, estão menos suscetíveis a essas mudanças.

Por isso, não se pode partir da ideia reducionista de que obesidade é apenas excesso de ingestão de alimentos. Existe outro fator determinante para uma escolha de alimentos de baixo valor nutricional e com excesso de calorias: a vulnerabilidade social. Poucos são os que podem realmente escolher a qualidade da comida que chega à mesa. Por mais que alimentos orgânicos sejam o ideal, essa realidade ainda está muito distante para a maioria dos consumidores. A insegurança alimentar é um fator de risco, não somente para a inanição, mas para doenças relacionadas à uma alimentação deficiente, como a obesidade.

Se uma família não tem acesso regular e permanente à alimentação, em quantidade e qualidade adequadas, ela está em situação de insegurança alimentar. As escalas de insegurança abrangem situações de alimentação de má qualidade até a fome em larga escala. A situação pode ser crônica ou transitória e o acesso pode ser limitado a algum momento do ano, devido à falta de dinheiro e outros recursos. A situação econômica familiar está intimamente ligada à insegurança alimentar, existindo principalmente em países pobres e em desenvolvimento.

Normalmente, quando a imagem de deficiência alimentar vem à mente, pensamos em um indivíduo com fome e excessivamente magro. Contudo, mesmo que graus agudos de deficiência alimentar sejam sinônimos de fome, nem sempre a carência alimentar expressa automaticamente tal fenômeno.

A troca da qualidade dos alimentos com o objetivo de otimizar os recursos financeiros é muito comum nas famílias de baixa renda, e a consequência é a obesidade. Essa carência alimentar é mais difícil de identificar, porém, é potencialmente perigosa. A má alimentação gera uma cascata de vulnerabilidades, que muitas vezes se traduz em doenças. Essa fome, parcialmente saciada com uma dieta pobre em carboidratos complexos e rica em açúcares simples e gorduras, compromete ainda mais a qualidade de vida de pessoas já prejudicadas socialmente.

A questão da alimentação não se resume apenas a ter comida na mesa ou não, ela também envolve a qualidade, procedência e elaboração dessa comida. Não se trata apenas de comer, mas de comer bem. A privação de comida, fome severa e a obesidade são a ponta de um iceberg muito maior do que temos noção. As deficiências de micronutrientes como ferro, vitamina A e iodo são crescentes. Bilhões de pessoas sofrem hoje as consequências do modelo de alimentação fast food, que mina a saúde e aumenta os casos de diabetes, alergias, colesterol alto, hiperatividade infantil, etc.

Cada vez mais pessoas são empurradas a comprar produtos baratos e menos nutritivos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso, e mais de 700 milhões, obesos. No Brasil, números da pesquisa Vigitel 2014 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) indicam que mais da metade de população está acima do peso (52,5%) e, destes, 17,9% são obesos.

A fome e a obesidade no Brasil são dois lados da mesma moeda: um sistema alimentar que não funciona e condena milhões de pessoas à má nutrição.


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