Garimpeiros construíram estrada clandestina de 150 km em pleno território Yanomami

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  • O garimpo de pequeno porte existe na região há mais de 50 anos, mas a estrada e o uso de maquinário pesado podem tornar as atividades 10 a 15 vezes mais destrutivas.
  • Atualmente, cerca de 20 mil garimpeiros ilegais operam em todo o território dos Yanomami, causando violência, problemas de saúde e desnutrição infantil para os 27 mil indígenas que habitam a região.
  • O recém-eleito presidente Lula assinou vários decretos para proteger as terras indígenas e o meio ambiente, e posteriormente declarou estado de emergência no território Yanomami.

Por Dimitri Selibas em Mongabay | Em 5 de dezembro, sobrevoando a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, membros do Greenpeace e do Instituto Socioambiental (ISA) avistaram uma estrada ilegal dentro da reserva, já com 150 quilômetros de extensão, além de quatro escavadeiras hidráulicas nas proximidades.

“Essa estrada é a estrada para o caos. Ela vai transformar a Terra Indígena Yanomami em um inferno completo”, disse Danicley de Aguiar, ativista da campanha Amazônia, do Greenpeace Brasil, que estava no voo.

Danicley disse que a estrada foi construída por garimpeiros ilegais em busca de ouro. E que, embora eles venham operando na região há 50 anos, a presença dessa via em uma reserva indígena onde não deveria haver estradas significa que os garimpeiros terão acesso muito mais fácil à área. Além disso, o uso de maquinário pesado, como escavadeiras hidráulicas, faz com que o potencial destrutivo da atividade aumente de 10 a 15 vezes.

Estrada ilegal na TI Yanomami, estado de Roraima. Imagem: Greenpeace/divulgação.

“Está acontecendo a uma velocidade nunca vista, o que sugere que quem construiu tem muito dinheiro, muito capital para investir nessa atividade”, disse Danicley. “Uma escavadeira como essa, no Brasil, pode custar em média 700 mil reais.” Ele disse à Mongabay que o que torna a situação mais complicada é a presença de quadrilhas do crime organizado e do narcotráfico operando em uma região de fronteira que tem pouco controle e é difícil de policiar.

Também contribuiu para esse cenário uma ação conjunta, nos últimos quatro anos, do Governo Federal – sob o mandato Jair Bolsonaro – com o governo estadual de Roraima, a cargo do agora reeleito Antonio Denarium. Durante esse período, houve o claro estímulo ao garimpo na TI Yanomami, conforme reportou a Mongabay em abril.

Além disso, ao assumir o cargo em 2019, Bolsonaro cortou a verba de órgãos federais responsáveis pela proteção ambiental e pelos direitos indígenas, o que também parece ter dissuadido os militares e a polícia de intervir na invasão da TI Yanomami por cerca de 20 mil garimpeiros ilegais.

Embora a Constituição brasileira proíba a mineração em Terras Indígenas, o garimpo ilegal aumentou 495% nesses territórios entre 2010 e 2020, enquanto o governo Bolsonaro tentava legalizar essa atividade.

Escavadeiras hidráulicas encontradas ao longo da estrada clandestina, na bacia do Rio Catrimani, podem aumentar consideravelmente o potencial destrutivo do garimpo ilegal de ouro. Foto: Valentina Ricardo/Greenpeace

Impactos sobre as comunidades Yanomami

A TI Yanomami é uma das três Terras Indígenas mais afetadas no país, com cerca de 20 mil garimpeiros ilegais em atividade. Em abril de 2022, a Hutukara Associação Yanomami publicou uma investigação onde revela que o garimpo ilegal na reserva Yanomami quase triplicou nos últimos três anos, tendo destruído mais de 3.272 hectares em dezembro de 2021.

Segundo o relatório, 15 mil dos 27 mil Yanomami que habitam a TI foram diretamente impactados. Comunidades situadas em um raio de 10 km das áreas de garimpo foram afetadas por violência sexual desenfreada, estupros, assassinatos, crime organizado, malária e desnutrição infantil, enquanto jovens indígenas eram atraídos para o garimpo.

Em dezembro de 2022, um relatório da Agência Pública revelou a extensão da crise de saúde impulsionada por garimpeiros ilegais na TI Yanomami, com dados que mostraram que crianças estão morrendo de desnutrição a um ritmo 191 vezes maior do que a média nacional.

Em janeiro, veio a público a crise humanitária que vem assolando o território Yanomami desde a tomada de poder de Jair Bolsonaro, período durante o qual o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas estima que tenham morrido 570 crianças menores de 5 anos, vitimadas pela fome, desnutrição e contaminação de mercúrio oriundo do garimpo.

“É uma tragédia”, disse Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho de Saúde do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY). “O ex-presidente Bolsonaro não priorizava o povo Yanomami. Mais do que isso, ele estimulava os garimpeiros a entrar nas Terras Indígenas”, disse ele à Mongabay.

O Greenpeace afirmou que a estrada ilegal descoberta em dezembro pioraria a situação – dado que, antes, os garimpeiros só podiam entrar na reserva de avião ou de barco. A ONG disse que a estrada também ameaçava o povo isolado Moxihatëtëa, cuja aldeia fica a 15 km da estrada.

“Fizemos tudo para mostrar [o que está acontecendo] – gritando, pedindo ajuda, implorando em todos os lugares”, disse Hekurari. “Estamos aguardando o governo. Esperamos que o governo baixe decretos o mais rápido possível.”

A infraestrutura ilegal pode expor o já altamente ameaçado território Yanomami a mais atividades extrativistas. Foto: Valentina Ricardo/Greenpeace

Nova esperança com um novo governo

Em seu primeiro dia de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou um decreto revogando outro, de Bolsonaro, que legalizava a mineração em Terras Indígenas, além de assinar outros cinco decretos que revogam ou alteram medidas antiambientais e anti-indígenas de seu antecessor.

O discurso de posse de Lula, em 1º de janeiro, também reconheceu especificamente que os povos indígenas precisam ter suas terras claramente definidas e livres das ameaças de atividades econômicas ilegais e predatórias. Os povos indígenas não são obstáculos, disse Lula, “são guardiões de nossos rios e florestas e parte fundamental da nossa grandeza como nação”.

Ambientalistas e ativistas indígenas celebraram essa mudança de visão, inclusive com a criação de um Ministério dos Povos Indígenas por Lula e, em 20 de janeiro, a declaração do estado de emergência na TI Yanomami pelo governo empossado. Isso incluiu um decreto que institui um Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami e aos problemas sociais e de saúde dela decorrentes.

No dia 21 de janeiro, Lula esteve em Boa Vista, capital de Roraima, para visitar um hospital indígena e a Casa de Saúde Indígena. Com ele estavam Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, que lidera a intervenção emergencial na TI Yanomami, e os presidentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além dos ministros da Saúde, Justiça, Planejamento e Orçamento e Desenvolvimento Social.

Parte da infraestrutura da estrada clandestina na TI Yanomami. Foto: Valentina Ricardo/Greenpeace

“Nós vamos levar muito a sério essa história de acabar com o garimpo ilegal”, disse Lula em uma entrevista coletiva em Boa Vista. “Vamos cuidar para que [os Povos Indígenas] sejam tratados como seres humanos de primeira classe. É desumano o que eu vi aqui.”

A Mongabay pediu declarações ao Ibama, a agência federal de proteção ambiental, do Ministério dos Povos Indígenas e da Polícia Civil de Roraima, mas não recebeu nenhum comentário em relação à situação Yanomami até o momento da publicação.

Danicley disse à Mongabay que a primeira coisa que o governo precisa fazer é expulsar todos os garimpeiros de dentro da TI Yanomami, inclusive usando o Exército e a Força Aérea, como ocorreu quando a reserva foi criada, há 30 anos.

A seguir, disse, o governo precisaria criar políticas de proteção e bases permanentes em todo o território Yanomami para controlar quem entra nele, bem como construir uma estratégia de inteligência para que a Polícia Federal possa identificar e responsabilizar as pessoas que estão financiando o garimpo ilegal.

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas do Brasil, no sobrevoo que flagrou a estrada ilegal no território Yanomami. Foto: Valentina Ricardo/Greenpeace

Mas Danicley disse que o governo também precisa ir além das atividades de comando e controle e olhar para políticas sociais, científicas e tecnológicas robustas que possam fazer parte de uma nova visão econômica para os territórios amazônicos.

“É uma tarefa bastante complexa, porque estamos falando de uma sociedade que foi criada há pouco mais de 500 anos e que foi construída dentro de uma lógica predatória”, ele disse. “Nós já consumimos 90% da Mata Atlântica e essa lógica predatória não se revelou adequada, não mostrou que pode gerar desenvolvimento.”

Danicley disse que, atualmente, há mais de 30 milhões de pessoas passando fome em um país de 200 milhões de habitantes, e muitos pobres são atraídos pelo desmatamento e pelo garimpo porque o país não gera muitos empregos de qualidade, o que costuma fazer com que essas atividades sejam a única chance de ter uma vida melhor.

“A mão que segura a motosserra, a mão que opera a escavadeira hidráulica, é a mão de uma pessoa pobre”, disse Danicley. “Para superar o garimpo ilegal na Amazônia, é necessário superar a pobreza.”


Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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