Conheça os principais problemas causados pelo garimpo ilegal na Amazônia
Por Jorge Eduardo Dantas em Greenpeace | A crise humanitária vivida pelo povo Yanomami, revelada no início do ano, chocou o planeta e escancarou os prejuízos que o garimpo ilegal causa na maior floresta tropical do mundo.
Ao contrário do que apregoam os criminosos que lucram com a extração do ouro, o garimpo ilegal é uma atividade que possui diversos impactos negativos e que devem ser lembrados sempre – assim, podemos reunir forças para combater este crime e interromper o ciclo de ilegalidades que se alojam no interior da Amazônia junto com as dragas, balsas e escavadeiras hidráulicas.
Reunimos abaixo alguns argumentos que mostram por que precisamos lutar por uma Amazônia Livre de Garimpo:
1- O garimpo ilegal causa danos irreparáveis à natureza
Primeiramente, é preciso lembrar que a atividade garimpeira é extremamente danosa ao meio ambiente. A ação das dragas, bicos de jato e retroescavadeiras causa assoreamento dos rios, desmatamento, erosão do solo e destruição de habitats naturais. Mamíferos e répteis fogem ou são mortos, peixes morrem intoxicados, insetos e microrganismos são dizimados. Rios são mortos e florestas são desmatadas, num processo que não pode ser revertido e muda imensas paisagens de maneira trágica e dramática.
Em dezembro de 2021, por exemplo, levantamento do Greenpeace mostrou que o garimpo ilegal dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Pará, havia destruído 632 quilômetros de rios em cinco anos. É mais ou menos o mesmo tanto de rio Doce destruído pela Vale em 2015, em Bento Ribeiro (MG). No início de 2022, garimpeiros despejaram mais de 7 milhões de toneladas de rejeitos no rio Tapajós – e isso fez com que as águas em frente a Alter do Chão, um dos pontos turísticos mais famosos do Brasil, mudassem de cor.
Dados do projeto Mapbiomas mostram que 91% da área garimpada do Brasil estão na Amazônia. Permitir o avanço do garimpo ilegal causaria uma série de prejuízos ambientais e agravaria as consequências da crise climática, aumentando a ocorrência de eventos extremos como as fortes chuvas que atingiram Petrópolis em 2022 ou a tragédia ocorrida no litoral norte de São Paulo, que viu a maior quantidade de chuva já registrada no Brasil cair num único dia.
2 – O garimpo prejudica povos indígenas e comunidades tradicionais
Terras indígenas e comunidades tradicionais são bastante prejudicadas pelo garimpo. A presença dos garimpeiros nessas áreas modifica os ambientes, afugentando a caça e a pesca da qual povos e comunidades se alimentam. Os garimpeiros trabalham também aliciando os indígenas oferecendo álcool, dinheiro e barcos em troca da “licença” para explorar aquele território, para guardar equipamentos de garimpagem ou servir de guia em caminhadas na mata. Trabalhos forçados, exploração sexual infanto-juvenil e conflitos nas comunidades também são comuns. Tudo isso arruina a organização social e os costumes desses povos.
Os garimpeiros também levam, para aldeias e comunidades tradicionais, doenças com as quais as pessoas não estavam acostumadas ou nem mesmo têm imunidade, aumentando os índices de adoecimentos e mortes.
Isso sem falar na contaminação por mercúrio. Utilizado para encontrar ouro, esse elemento químico penetra nas águas e vai sendo acumulado ao longo da cadeia alimentar, contaminando água, plantas e se alojando nos organismos de peixes, animais e seres humanos.
Estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) junto ao WWF-Brasil mostrou que 200 indígenas do povo Munduruku que vivem em aldeias do Médio Tapajós, no Pará, testaram positivo para contaminação por mercúrio. Seis em cada dez participantes da pesquisa apresentaram níveis acima do índice considerado seguro pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os adultos apresentaram alterações neurológicas e psicológicas; as crianças possuíam atraso em seu desenvolvimento. Tudo isso por causa do consumo de peixes contaminados – mais um aspecto terrível da atividade garimpeira que acontece sem controle ou regulação alguma na Amazônia.
3- O garimpo geralmente está ligado a outros crimes
Esqueça a imagem do caboclo ribeirinho garimpando os rios com peneiras e bateias, artesanalmente: hoje, a maior parte do garimpo realizado na Amazônia é operado por grandes organizações muito ricas, que aproveitam a fiscalização inexistente e as longas distâncias da floresta para lucrar com todo tipo de crime.
A invasão de terras indígenas e unidades de conservação é um crime em si, mas há bem mais: tráfico de armas, tráfico de drogas e tráfico de animais silvestres são alguns dos delitos associados ao garimpo. Os crimes contra a ordem financeira são vários: evasão de divisas, contrabando, uso de documentos falsos, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção são alguns dos exemplos. Como se vê, parte da cadeia envolvida na extração do ouro não segue leis e regulações ambientais ou sociais.
Em 2021, por exemplo, descobriu-se que o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção criminosa de São Paulo – e uma das maiores do Brasil – está presente em Roraima lucrando com o garimpo da Terra Indígena Yanomami. A Hutukara Associação Yanomami, órgão que representa aquele povo, lançou no ano passado o relatório “Yanomami sob Ataque”, que foi muito claro: o garimpo leva violência sexual, estupro de crianças e adolescentes, crime organizado, aliciamento de jovens indígenas, assassinatos e graves problemas de saúde, como malária e desnutrição infantil, para dentro das aldeias. De acordo com o relatório, cerca de 273 comunidades são afetadas e mais da metade dos 27 mil habitantes do território sofrem com os problemas causados pela atividade econômica ilegal.
4- O garimpo não promove “desenvolvimento”
Ao contrário do que dizem alguns, o garimpo ilegal não causa desenvolvimento nem leva progresso a lugar nenhum. Longe disso: na realidade, ele gera lucro para alguns poucos e uma série de prejuízos sociais, ambientais e de saúde para muitos.
Estudo do Instituto Escolhas, por exemplo, mostrou que a exploração de ouro não traz avanços sociais e econômicos significativos para as populações da Amazônia. Os efeitos da extração do minério nos indicadores de saúde, educação e o PIB per capita, por exemplo, são breves – duram no máximo cinco anos – e não são capazes de promover mudanças nas realidades locais no longo prazo, mantendo as populações onde ele ocorre na pobreza, na doença e sem educação.
Isso acontece porque a extração do ouro, como é feita hoje no Brasil, está baseada no roubo dos recursos naturais. Ela não trabalha com conhecimento, inovação e possui baixo valor agregado. Por isso, ela é incapaz de mudar de maneira significativa as dinâmicas econômicas locais – como as realidades vividas pelos povos indígenas e pelos trabalhadores braçais. E também não compensa os impactos negativos que causa, como desmatamento, a contaminação de rios, o trabalho forçado, a violência e a exploração sexual.
Acesso a direitos
O Instituto Socioambiental (ISA) mostrou também, por meio de outro estudo, que os municípios amazônicos afetados pelo garimpo possuem um Índice de Progresso Social (IPS) de 52,4, número menor que a média amazônica (de 54,5) e menor que a média brasileira (de 63,3). O IPS é um índice que mede o bem-estar das pessoas em uma sociedade e avalia indicadores como acesso à educação, à saúde, à água e saneamento, à segurança, a direitos pessoais e à liberdade de escolha.
Itaituba, por exemplo, cidade do Pará às margens do rio Tapajós e muito associada ao garimpo, possui um IPS de 53 – número 3% menor que a média amazônica e 16% menor que a média brasileira. Outra cidade da mesma região, Jacareacanga, tem performance ainda pior nesse quesito: um IPS de 46,83, índice 14% menor que a média amazônica e 25% menor que a média do Brasil. É um dos piores índices socioeconômicos do país e a 762ª posição entre os municípios da região amazônica.
“Não houve melhoria”
“Falta boa vontade da autoridades para coibir o garimpo ilegal”, disse a liderança Munduruku Ademir Kabá, representante das aldeias do Alto Tapajós. “Eles sabem de tudo e tem a informação. O garimpo é nocivo e enganoso. Os rios eram nossa fonte de alimento, mas hoje estão destruídos. Algumas aldeias foram muito afetadas pelo garimpo, como as aldeias do rio Cabitutu. Essas pessoas passam fome e vivem pior. Eles não têm nada hoje”, disse Kabá.
Para o porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, todos esses elementos mostram por que precisamos exigir uma Amazônia Livre de Garimpo:
“No final das contas, precisamos superar esse modelo econômico que vê a floresta e a natureza como recursos a serem explorados indefinidamente. Precisamos de algo mais racional e sustentável. Precisamos também de um conjunto sólido de políticas públicas, que leve para a Amazônia oportunidades de geração de renda e insira as inúmeras famílias ribeirinhas do norte do Brasil na economia. Não podemos deixar a população da Amazônia à míngua, sem possibilidades de obtenção de tranquilidade, segurança e bem-estar”.
Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.