O termo gentrificação foi cunhado pela socióloga britânica Ruth Glass, em 1964, e tem origem no termo gentry. Este último faz referência à classe social europeia que estava em posições sociais favorecidas, como de proprietários de terras ou ocupando níveis superiores do clero.
Mas a gentrificação, em seu significado original, diz respeito ao processo de reconfiguração urbana, de maneira que esta acarrete na elitização socioespacial. Glass, ao cunhar a expressão, se referia à onda de ocupação pelas classes média e alta de Londres de bairros normalmente ocupados por classes operárias.
O processo de gentrificação, muitas vezes se mescla aos projetos de revitalização, requalificação, reabilitação e transformação urbana. Esses conceitos normalmente são interpretados como sinônimos.
Mas, de acordo com o geógrafo Marcelo Antonio Sotratti, ao portal do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural Nacional), o termo revitalização carrega um significado de exclusão dos usos e de grupos sociais que ocupavam tais áreas antes da implantação dessa estratégia.
Segundo Sotratti, “esse debate fez surgir outros termos equivalentes, como recuperação, reabilitação, renovação, requalificação e gentrificação. As discussões acerca das especificidades de cada termo empregado nesses projetos de refuncionalização ainda permanecem, não havendo consenso entre os profissionais envolvidos com o planejamento e o estudo dos espaços urbanos”.
De acordo com o geógrafo escocês Neil Smith, a gentrificação ocorre em três fases.
De acordo com os autores do artigo “O Estudo da Gentrificação“, esse processo ocorre em diferentes cidades do mundo, e “consiste em uma série de melhorias físicas ou materiais e mudanças imateriais – econômicas, sociais e culturais – que ocorrem em alguns centros urbanos antigos, os quais experimentam uma apreciável elevação de seu status”.
De acordo com o mesmo estudo, esses processos tiveram início a partir da década de 1970, sendo vistos principalmente nos países industrializados que entraram na etapa chamada, dentro do estudo da geografia, de pós-industrial ou pós-moderna.
A principal característica da gentrificação é a ocupação pelos centros das grandes cidades pelas classes médias. Esse processo expulsa a classe baixa de forma direta e indireta, seja por meio de melhorias em infraestruturas, comércios, habitações, equipamentos públicos e serviços que aumentam o custo de vida, ou seja por expulsão direta, como reintegração de posses.
O que é controverso dentro do estudo da gentrificação é que ela é um fenômeno que promove melhorias no solo urbano, mas com efeitos colaterais negativos, como o fomento à desigualdade social. É estranho imaginar como um cenário de melhorias pode ser nocivo, mas isso ocorre, de fato. Então, quais são os efeitos colaterais da gentrificação?
Quando aumenta a oferta de serviços, produtos e arte de um bairro, de uma cidade ou de uma região, há um consequente aumento do preço dos aluguéis do local, por exemplo. Essa valorização imobiliária ainda é potencializada por novos empreendimentos, muitas vezes edifícios ou condomínios horizontais.
E o processo forma um efeito em cascata, que faz com que os antigos moradores assistam a um aumento significativo do preço não só dos aluguéis, mas também dos produtos e serviços. Então, ocorre um deslocamento para outras áreas menos favorecidas, e, ainda que seja indireto, é um processo de expulsão forçado pelo aumento do custo de vida.
Um belo grafite em um mural, por exemplo, atrai um novo café, que atrai uma galeria de arte, que atrai jovens intelectuais de classe média que podem pagar mais caro por um aluguel. Tudo isso atrai a construção de um novo prédio e contribui para o processo de revitalização de um espaço público, como uma praça.
O fenômeno proporciona, inclusive, uma mudança do valor simbólico dos centros urbanos. Mas não são só as melhorias de origem antrópica que causam gentrificação. Um bairro que, por questões do destino, passou a ser um local adaptado às mudanças climáticas, também pode sofrer esse processo. Esse caso em específico recebe o nome de gentrificação verde ou gentrificação climática.
A adaptação climática, que é algo imprescindível para a sobrevivência da humanidade, muitas vezes acaba não incluindo alguns aspectos sociais em suas considerações.
Cidades que passaram por reformas com o intuito de se adaptarem às mudanças climáticas acabam, cada vez mais, fazendo desta melhoria um instrumento de expulsão dos mais pobres. Esse processo caracteriza a gentrificação climática.
Uma cidade inteligente que passa a incluir mais espaços verdes bem cuidados, certificação LEED, espaços para inclusão de bicicletas, tecnologias de energia renovável e, portanto, soluções “sustentáveis” em seu planejamento urbano, abre espaço para especulação imobiliária.
Esta, por sua vez, acaba expulsando indiretamente os mais pobres (população local), pelo elevado custo de vida, ou diretamente, por meio de remoções e negociações. Às vezes, nem são necessárias mudanças espaciais de origem antropocêntrica para ocorrer a gentrificação climática.
Apesar de esse processo trazer novas reformas para uma região, as melhorias acabam sendo de usufruto apenas de classes médias e altas, compostas muitas vezes por intelectuais e jovens sem filhos com boas condições financeiras. Além disso, o mercado imobiliário também leva vantagem, pois há uma valorização imobiliária do local, que aumenta o lucro gerado. Assim, as consequências da gentrificação são sentidas por aqueles que não têm poder aquisitivo alto.
Um exemplo desse processo é o de Little Haiti, um bairro habitado por minorias, localizado no sul da Flórida, nos Estados Unidos. Por ocupar um terreno mais alto, o Little Haiti teve os preços de suas casas elevados de US$ 100 mil para US$ 229 mil depois dos anúncios de aumento do nível do mar. O que dificultou muito a vida da classe de baixa renda que não pôde se manter no local.
Projetos destinados a expandir estruturas verdes, que melhorem eficiência na utilização da energia, que reduzam o uso do transporte a combustível e que promovam jardins comunitários em bairros historicamente marginalizados, também acabam promovendo a gentrificação climática ao expulsar moradores de baixa renda – diretamente ou indiretamente.
Outro exemplo aconteceu em Nova York, também nos Estados Unidos, onde uma linha férrea suspensa abandonada passou por revitalização e deu origem ao parque verde High Line, o que fez aumentar especulação imobiliária, causando a expulsão dos antigos moradores mais pobres.
Um exemplo de gentrificação no Brasil aconteceu em São Paulo, em que o prefeito Bruno Covas (PSDB) iniciou um processo de reformas no Vale do Anhangabaú, no centro histórico da cidade, em junho de 2019. Os processos de transformação geraram polêmica devido ao que já se conhece sobre as chamadas “revitalizações” sem uma contrapartida inclusiva: a expulsão dos mais pobres e, consequentemente, um processo de segregação.
Outro exemplo notável ocorreu na região portuária do Rio de Janeiro, quando houve a implantação de projetos de “revitalização” a fim de preparar a região, do ponto de vista da mobilidade urbana, para receber turistas e espectadores da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Neste caso, ao mesmo tempo em que proporcionou-se um ambiente mais moderno para pessoas com maior poder aquisitivo, houve, consequentemente, a expulsão da população mais pobre a áreas sem infraestrutura.
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