Cientistas comprovaram que alguns tipos de glitter biodegradável também podem causar impacto ambiental em ecossistemas aquáticos
O glitter biodegradável também é conhecido como ecoglitter, glitter ecológico e bioglitter. Ele pode ser feito de diferentes materiais. A maioria dos glitters biodegradáveis comerciais tem em seu núcleo celulose regenerada modificada.
Já o glitter comum é feito originalmente de partículas de microplásticos e alguns outros componentes, normalmente composto de três camadas. O núcleo é feito de polímeros termoplásticos – o BoPET – revestido com alumínio e uma camada de plástico, para dar o efeito de brilho.
Já o termo biodegradável se refere àquilo que pode ser decomposto por microrganismos vivos até desaparecer por completo. Mas o fato de algo ser biodegradável, não quer dizer que não gera impactos ao meio ambiente.
Como o glitter pode prejudicar o meio ambiente?
O glitter comum leva centenas de anos para se decompor no meio ambiente. Apesar de levar menos tempo, o glitter biodegradável não é tão eco-friendly quanto aparenta ser. Alguns tipos de glitters, vendidos como biodegradáveis, tem em sua composição materiais que não são biodegradáveis.
Um estudo, realizado pela Anglia Ruskin University, no Reino Unido, testou glitters alternativos de diferentes composições. O objetivo foi descobrir os possíveis impactos causados pela opção mais ecológica.
Foram analisados quatro tipos de glitter, um comum e outros três comercializados como “biodegradáveis”:
- de composição comum (partículas PET com alumínio, recoberto de resina epóxi)
- de celulose regenerada modificada (com alumínio, coberto por acrilonitrila estireno acrilato)
- mica natural (sem revestimento)
- mica sintética (conhecida como fluorflogopita, revestida com dióxido de titânio)
Apesar de não existirem estimativas sobre a pegada de carbono do glitter, ele pode ser difundido nos ambientes aquáticos. Seja do tipo comum ou biodegradável, sua liberação pode acontecer de forma direta ou indireta.
A liberação direta ocorre com o enxágue do glitter utilizado no rosto e corpo, puro ou em maquiagens. O Carnaval, por exemplo, é um evento em que isso ocorre em abundância.
De forma indireta, mesmo que o glitter seja retido numa estação de tratamento de água, ele fica concentrado numa parte residual chamada biossólido.
Esse biossólido é uma parte útil, sólida, rica em nutrientes e matéria orgânica, que resulta do tratamento dos esgotos. Os biossólidos têm aplicações no uso da terra, principalmente como adubos agrícolas.
Segundo os cientistas, a aplicação de biossólidos no solo resulta no transporte de quase 100% de microplásticos para ambientes aquáticos. Além disso, o glitter já foi encontrado em sedimentos de ambientes de água doce, além de ostras e mariscos, que habitam os mares.
O glitter biodegradável é livre de plástico?
Existem diversos tipos de glitters biodegradáveis. Alguns deles como, por exemplo, o glitter ecológico feito de gelatina vegetal, são livres de plástico e não são nocivos ao meio ambiente. Entretanto, nem todo glitter vendido como biodegradável é livre de plástico em sua composição.
O glitter biodegradável comercial é principalmente formado por um núcleo de base vegetal, derivado de eucalipto, em sua maior parte. A base é celulose regenerada ou celulose regenerada modificada (MRC, da sigla em inglês).
A celulose regenerada é obtida a partir da polpa da madeira, que passa por alguns processos de produção.
Esse núcleo é revestido por alumínio ou algum mineral que tenha refletividade. São cobertos com uma camada fina de acrilonitrila estireno acrilato (ASA), que nada mais é do que plástico.
O ASA é um tipo de plástico conhecido por sua alta resistência à impactos e aos raios ultravioleta. Além disso, suporta grandes variações de temperatura e é resistente a uma série de produtos químicos.
Glitter biodegradável feito com material não biodegradável
Outro material utilizado para produzir o glitter biodegradável é a mica. Entretanto, a mica não é biodegradável.
A mica representa um grupo de mais de 30 minerais, constituídos de silicatos hidratados de alumínio, potássio, sódio, ferro, magnésio e lítio.
O mineral de mica mais amplamente utilizado pela indústria da beleza é a muscovita. Seu pó é aplicado em batons, sombras, hidratantes entre outros.
Um estudo realizado por universidades paraibanas analisou os impactos ambientais e sociais pela mineração em Picuí, na Paraíba.
Um dos minérios extraídos nesta região é a mica. O estudo destacou as alterações sofridas na paisagem, como as mudanças causadas na topografia e nos córregos e açudes locais. Também salientou a elevada quantidade de rejeitos da mineração expostos a céu aberto.
Nesse tipo de atividade as condições de trabalho são precárias, além de causarem riscos à saúde e à vida dos trabalhadores.
Além disso, uma publicação da Geography Bulletin, expôs um grave problema causado pela mineração na Índia.
No nordeste da Índia, a mica é coletada informalmente, com o uso de ferramentas inadequadas, de forma precária. A população local depende desse trabalho como forma de subsistência, que emprega crianças inclusive.
Outro ponto levantado é em relação às mulheres que trabalham na extração da mica. Elas estão na base da pirâmide, num método de servidão, sem educação formal, qualquer regulamentação ou controle sobre a terra.
A Índia é a região que concentra o maior depósito de mica mineral do mundo.
Já a mica sintética – ou fluorflogopita sintética – é também usada em composições cosméticas, incluindo o glitter. Esse elemento, produzido em laboratório, é quem dá brilho e causa o efeito das cores no glitter, no entanto, ele também não é biodegradável.
O glitter biodegradável é realmente eco-friendly?
Segundo os cientistas da Anglia Ruskin University, a resposta para essa pergunta é não.
Após 36 dias de experimento, os glitters em versões ecológicas apresentaram vários efeitos no meio ambiente, semelhantes aos observados no glitter comum.
Os cientistas coletaram sedimentos e materiais no rio Glaven – em Norfolk, Reino Unido – e criaram mini lagos individuais. Os pequenos lagos foram construídos em estruturas de polipropileno, com 10 litros de capacidade cada.
Em cada lago foi lançado um tipo de glitter. Glitter comum (feito de PET), de celulose regenerada modificada (MRC), de mica natural e de mica sintética, todos na cor prateada, foram utilizados.
O experimento com o glitter de MRC teve um resultado alarmante. A população de uma espécie invasora de pequenos caramujos de água doce, que se alimenta de detritos, dobrou de tamanho.
A superpopulação de uma espécie pode causar problemas na cadeia alimentar do bioma.
Outro problema encontrado foi a diminuição expressiva de plantas aquáticas, como a lentilha d’água e também de fitoplâncton. Isso ocorreu com todos os tipos de glitter experimentados.
No caso do glitter de mica sintética, houve um aumento significativo de microfitobentos, que são microalgas, que habitam sedimentos marinhos.
O estudo ainda reforçou que, curiosamente, os glitters alternativos provocaram maiores impactos no meio aquático, do que o glitter convencional.
Glitter 100% vegetal
Apesar dos impactos negativos causados pelos diferentes tipos de glitter, a ciência continua procurando uma alternativa sustentável.
Pesquisadores da University of Saskatchewan, no Canadá, desenvolveram o bioglitter “verde”, um glitter biodegradável, vegano e comestível, que não inclui microplásticos.
O glitter, desenvolvido totalmente à base de plantas, foi batizado de “Chiral Glitter” ou “glitter quiral”, em tradução livre.
O termo “quiral” tem ligação com a forma como a luz é refletida no glitter. Segundo o estudo, as partículas de brilho tem variedades de formatos e tamanhos únicos, que fazem a luz ser refletida de diferentes ângulos.
O glitter quiral é feito de nanopartículas de celulose, sem o revestimento de alumínio ou plástico. A partir disso, um material biológico – como madeira ou resíduos agrícolas – é utilizado para sintetizar nanocristais de celulose.
Os nanocristais de celulose criam filmes que possuem cores estruturais reluzentes e brilhantes, que refletem as cores do arco-íris. As cores do quiral glitter são, portanto, resultado de efeitos ópticos.
A boa notícia é que os cientistas afirmam que nanocristais são da natureza e, portanto, o glitter quiral é atóxico e não agride o meio ambiente.