Governança ambiental e social é pouco conhecida na concessão de crédito

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Por Tathiana Grevinel Vacca e Cláudia Viviane Viegas em UFRGS | A questão ambiental é citada como um dos principais pontos de preocupação da sociedade atual na edição de 2022 do The Global Risks Report do Fórum Econômico Mundial, o qual apontou eventos climáticos extremos, fracassos em negociações referentes ao tema, danos ambientais e perda da biodiversidade como grandes ameaças. Em 1990, surgiu o primeiro índice financeiro que considerava o valor de mercado capitalizado por empresas de capital aberto com altos padrões de governança, denominado então KLD 400, por ter sido criado pela consultoria norte-americana Kinder, Lydenberg, Domini & Company, incluindo as ações das 400 empresas mais bem posicionadas em termos de governança social corporativa.

Com o aumento da preocupação da comunidade científica em relação aos impactos do aquecimento global e a outras adversidades ligadas ao meio ambiente, um movimento que tem crescido ao longo das últimas décadas, em especial a partir dos anos 2000, é o ESG – acrônimo inglês para Environmental, Social and Governance. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o termo foi criado em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial chamada Who Cares Wins. Foi uma provocação do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a 50 executivos de grandes instituições financeiras sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais. 

Uma pesquisa realizada junto a gestores de cinco bancos de crédito no Brasil teve por objetivo caracterizar como princípios de ESG influenciam a seleção de concessão de crédito por tais instituições. Foram utilizados como referenciais ambientais (E): conservação da biodiversidade e forma de gestão dos recursos naturais vivos e uso da terra; consideração de riscos climáticos e oportunidades de adaptação; inscrição ativa no Cadastro Ambiental Rural; identificação e mensuração de riscos associados a desastres naturais; gestão sustentável de recursos naturais renováveis; consideração do manejo de substâncias perigosas; eficiência produtiva e energética; prevenção da poluição; uso racional da água; prevenção da poluição hídrica, atmosférica e geração de resíduos sólidos.

Como referenciais sociais (S), foram adotados os critérios: consideração dos impactos das atividades da empresa sobre os direitos humanos, sobretudo quando envolver populações vulneráveis; combate aos trabalhos escravo, infantil e condições análogas à escravidão; diversidade étnica e de gênero; condições dignas de trabalho (salário, saúde, segurança); respeito aos povos indígenas e ao patrimônio cultural; segurança e saúde da comunidade; forma como a empresa atende a suas partes interessadas – clientes, fornecedores, colaboradores, acionistas.

Quanto aos requisitos de governança (G), foram considerados: transparência com relação aos impactos positivos e negativos das atividades da empresa; elaboração e publicação de relatórios de desempenho e riscos; existência de práticas de gestão da informação e práticas anticorrupção; existência de política de responsabilidade social corporativa.

Todos esses critérios são resultado da revisão de documentos relevantes na área de ESG, como Princípios do Equador (conjunto de critérios socioambientais de adoção voluntária por parte de instituições financeiras em nível internacional), guias específicos da União das Nações Unidas para Proteção Ambiental (UNEP); indicadores do Global Reporting Initiative (GRI), organização sem fins lucrativos que publica critérios para a elaboração de relatórios de sustentabilidade; e resoluções recentes do BC.

Foram entrevistados gestores de cinco instituições, dos quais quatro bancos múltiplos com carteira comercial, sendo três multinacionais, com 6,5 mil, 49 mil e 200 a 300 empregados, respectivamente. Entre as instituições, uma é um banco de desenvolvimento latino-americano com 250 a 300 empregados; e outra uma startup unicórnio com 7 mil funcionários. 

Somente o banco de desenvolvimento informou que realiza treinamentos obrigatórios para aprofundar o conhecimento de seus analistas sobre aspectos normativos e regulatórios de ESG. A maioria dos bancos trouxe as resoluções do BC e a legislação de crédito rural como norteadores da aplicação da abordagem ESG para análise voltada à finalidade de concessão de crédito. Os multinacionais informaram que seguem a legislação do mercado europeu também. A startup segue o Pacto Global da ONU, incluindo a abordagem dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A maioria não possui auditorias que considerem os critérios ESG de seus clientes, apenas em relação ao banco como um todo.

A falta de supervisão em relação a esses casos pode ser mais um indicador para o descaso e a falta de padronização da análise de critérios ESG. Se o BC começar a regular ESG de uma forma mais severa, a maioria dos bancos afirma que está pronta para implementar a análise ESG de maneira robusta.

O banco com o maior número de funcionários revelou que está focado em melhorar a análise de impacto climático. Todos os representantes ouvidos afirmaram aderir apenas a critérios de proteção e conservação da biodiversidade (incluindo espécies em perigo ecossistemas sensíveis), a políticas de responsabilidade social, ambiental e climática, a questões de impactos adversos sobre os direitos humanos (direito à vida, à integridade física, ao trabalho e à dignidade) e a questões trabalhistas (normas de direitos fundamentais do trabalho, de saúde e segurança ocupacionais). Há, portanto, muito a se desenvolver quanto a ESG no âmbito do setor bancário.


Este texto foi originalmente publicado pela UFRGS de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thalles Moreira

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