Governança da restauração é essencial para dar escala à recuperação de paisagens

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Por Mariana OliveiraLuciana Alves e Cristina Adams* em WRI BrasilO conhecimento sobre quais as etapas necessárias para se fazer restauração em grande escala, seja numa paisagem ou país, evoluiu muito nos últimos anos. Hoje, já é consenso que para atingir as metas de restauração nacionais e globais, precisamos ter um olhar que vai para além de projetos individuais de recuperação da vegetação nativa.

Para acelerar e dar escala à restauração, recuperando milhões de hectares de áreas degradadas e potencializando a produção de diversos benefícios para a sociedade, precisamos olhar para toda a paisagem, composta por um conjunto de usos e formas de ocupação – de agricultura a áreas protegidas – mas também por pessoas: populações tradicionais, produtores rurais, organizações e empresas. Somado a isso, regras, critérios e estruturas de gestão compõem o que chamamos de governança da restauração. Compreender a sua composição e funcionamento é essencial para o sucesso da restauração.

Mas o que é essa governança da restauração, e como ela desempenha um papel essencial nas ações de restauração, reflorestamento e restauração?

O que é governança da restauração

Um estudo recente, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Campinas (Unicamp), com apoio do WRI Brasil, buscou sistematizar o estado de conhecimento sobre a governança das ações de restauração de paisagens e florestas. Para isso, partiu de um levantamento na literatura científica para identificar quais são os modelos e arranjos já descritos, quais estão em desenvolvimento no país e quais são os desafios e oportunidades para o Brasil.

O primeiro passo foi definir o que é restauração. O trabalho parte do conceito de Restauração de Paisagens e Florestas (RPF), que olha para a restauração não apenas pelo critério ecológico, mas por toda a sua conexão com os elementos daquele território.

A RPF prevê não apenas a restauração de áreas de florestas degradadas ou desmatadas, como também compatibiliza a restauração com outros usos da terra, compondo um mosaico que pode incluir agricultura, corredores ecológicos, áreas protegidas, entre outros. Esse olhar para a paisagem como multifuncional é entendido como caminho para aliar biodiversidade e produção, atendendo a necessidades sociais, econômicas e ecológicas ao mesmo tempo.

Se a paisagem é multifuncional, também o são os atores que estão presentes. A existência de uma governança estruturada, em que cada um se reconheça em seu papel, é crucial para que a restauração gere os benefícios esperados e tenha impactos positivos.

Assim, o estudo traz definições desses conceitos e suas variações:

  • Governança: a forma como os atores públicos e privados (do mercado ou da sociedade civil) se envolvem com questões de interesse público e de forma coordenada, estabelecendo objetivos comuns, definindo compromissos para cada parte envolvida e constituindo consenso nos territórios.
  • Governança da RPF: o conjunto amplo das instituições e atores sociais e as maneiras pelas quais eles se conectam e inter-relacionam ao longo do tempo para influenciar a implementação da restauração. Essa governança pode integrar as múltiplas escalas de uma paisagem (social, política, ecológica e demográfica), promover o ajuste entre as esferas de tomada de decisão municipal, estadual e federal e levar em consideração as motivações dos atores locais.

A governança da restauração no Brasil

Como que esses conceitos teóricos são aplicados na prática da restauração no Brasil?

O estudo identificou diferentes modelos de governança em iniciativas já existentes. Os modelos variam – podem ser centralizados ou descentralizados, mais hierárquicos ou mais colaborativos e em rede, entre outros.

Das iniciativas, algumas aparecem com destaque por adotar modelos interessantes de governança. O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (Pacto), por exemplo, foi identificado como uma iniciativa em rede e descentralizada, que apoia estudos e atividades de restauração no bioma Mata Atlântica. Programas como o Conservador das Águas, criado pelo município de Extrema/MG e posteriormente expandido para a Serra da Mantiqueira, são destacados pela possibilidade de atrair recursos para a restauração a partir do município respaldado pela política nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

É necessário também ir além dessas iniciativas e compreender como cada ator pode contribuir para dar escala à restauração. O WRI Brasil, por meio do projeto Pró-Restaura, desenvolve pesquisas sobre como funcionam as estruturas de governanças da restauração em três territórios – Vale do Paraíba Paulista, Norte do Espírito Santo e Vale do Rio Doce Mineiro. Um estudo ainda a ser publicado irá trazer perspectivas e aprendizados sobre como funcionam essas governanças, quem são seus atores-chave, e como elas podem contribuir para dar escala à restauração.

Caminho para dar escala à restauração

Se por um lado há uma diversidade de modelos de governança colaborativa em desenvolvimento em algumas iniciativas brasileiras de restauração, principalmente na Mata Atlântica e na Amazônia, há ainda uma grande lacuna na produção de pesquisa com enfoque específico de análise da governança.

Contribuir com a construção de redes de aprendizados e evolução dos modelos de governança em desenvolvimento no Brasil pode contribuir para a aceleração das ações de restauração. Estudos como este levantamento de literatura mostram que ainda há muito a se pesquisar sobre quais os modelos de governança existentes e como eles podem funcionar em cada território.

A pesquisa já mostrou o quão necessário é ter uma governança adaptativa e como ela é estratégica para fortalecer projetos, produtores e organizações, assim como suas estratégias de recuperação da vegetação. Com uma governança que estabeleça objetivos comuns para a paisagem e seja inclusiva, podemos garantir que os atores-chave da restauração consigam executar seus projetos, permitindo obter o ganho de escala necessário para alcance das metas globais de restauração.


*Cristina Adams é Professora Associada da Universidade de São Paulo e membro do Grupo de Pesquisa em Governança Florestal com atuação em diversos territórios e paisagens no Brasil.

Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.

Equipe eCycle

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