Com base em análises parciais, a ANP pretende vender, na 17ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios em outubro deste ano, 14 áreas para a exploração dos hidrocarbonetos, mesmo com o risco de a atividade causar danos irreversíveis ao meio ambiente, considerado de extrema sensibilidade. O turismo, a pesquisa científica e as comunidades que dependem direta ou indiretamente das áreas protegidas marinhas também poderão sentir eventuais impactos da atividade.
Ao todo, a 17ª Rodada ofertará 92 blocos com risco exploratório, com área total de 53,93 mil km². Os blocos estão localizados em 11 setores distribuídos entre as bacias de Campos, Pará-Maranhão, Pelotas, Santos e Potiguar (RN e CE) – onde ficam Atol das Rocas e Fernando de Noronha.
Assim como nas duas recentes – e frustradas – tentativas de abrir às petroleiras blocos próximos ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos, na Bahia, em 2019 e 2020, a ANP novamente desconsiderou parecer do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), contrário à liberação das áreas marinhas.
O parecer destaca que, devido à propagação por longas distâncias de ondas sísmicas, o deslocamento de algumas espécies marinhas, a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo e a história de invasão de espécies exóticas associadas às atividades de exploração de petróleo e gás, “torna-se temerária a inclusão dos blocos exploratórios da bacia Potiguar devido a sua proximidade à Reserva Biológica do Atol das Rocas e ao Parque Nacional Fernando de Noronha”.
Ainda segundo a nota, tanto as atividades exploratórias quanto um eventual acidente podem trazer danos irreparáveis à diversidade biológica desses ecossistemas.
Nesta segunda feira (8), o ICMBio emitiu uma análise das espécies ameaçadas de extinção nas áreas ofertadas na 17ª Rodada da ANP. A lista é extensa. São cerca de cem espécies entre aves, répteis, invertebrados, mamíferos e peixes. Todas sob risco.
Em apenas uma das áreas, a atuação das petroleiras pode colocar risco a sobrevivência de pelo menos 60 espécies ameaçadas que constam de planos de ação nacionais para a conservação, a exemplo de tubarões e raias, albatrozes, tartarugas marinhas e corais.
A ANP, porém, prefere ignorar as advertências e apoiar-se em uma frágil manifestação conjunta dos ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente, que dá sinal verdade para a venda dos blocos. A recente manifestação alega a existência de “instrumentos” que obrigam as petroleiras a implantar medidas de prevenção e redução de impactos ao meio ambiente e aposta no “arcabouço regulatório”, que garantiria, na opinião das duas pastas, da “segurança nas operações”.
A realidade, porém, contradiz esta certeza. Em 2019, o maior derramamento de petróleo na costa brasileira e de origem ainda incerta atingiu mais de 3 mil quilômetros do litoral, contaminou praias, mangues e estuários em 127 municípios em 11 estados, gerando prejuízos econômicos, sociais e ambientais. Mesmo com “instrumentos” legais à disposição, o governo procrastinou, demorou a agir e manchou a reputação do país em dar conta de lidar com acidentes envolvendo petróleo no mar.
Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) avaliaram recentemente que mais de 50 mil estabelecimentos foram impactados com o derramamento de 2019 – a maioria ligada ao setor do turismo. Além disso, a pesquisa desenvolveu um índice de vulnerabilidade socioeconômica, onde Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte configuram entre os 5 mais afetados.
Mesmo com tamanho impacto econômico ao turismo no litoral nordestino, o governo parece ir na contramão de uma retomada econômica do setor. Como se já não bastassem o impacto adicional das restrições em função da pandemia de covid-19.
Novamente, ao repetir os mesmos erros do contexto Abrolhos, o que se observa é um movimento de governo que joga nas costas do mercado investidor o preço dos riscos ambientais de áreas ofertadas.
O atual argumento usado para liberar a exploração de petróleo na bacia Potiguar infringe ainda a portaria 198 assinada pelos dois ministérios em abril de 2012 que orienta que a cessão de blocos para a exploração petrolífera deve ser precedida da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) – e não por um parecer feito de encomenda aos ministérios de um governo que visa passar a boiada em cada “oportunidade”.
A norma é requisito básico para que a cessão dos blocos siga adiante e traz segurança jurídica ao mercado. Em contraponto, tamanha insegurança jurídica poderá afugentar as empresas do leilão dos blocos da bacia Potiguar. E mesmo que adquiram as áreas, o risco de não poderem explorar é grande. Os blocos do Camamu-Almada corroboram nossos argumentos.
É uma “atitude temerária”, disparou em suas mídias sociais o governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB). Ele foi o primeiro chefe de Executivo estadual a reagir à decisão do governo federal de explorar de petróleo e gás natural em áreas próximas ao Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha. Para ele, a advertência do ICMBio deve ser considerada, diante da sensibilidade ambiental da região.
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