O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, precisou engolir o acarajé. Neste domingo (19), Salles recuou de sua decisão de mandar cancelar a Climate Week Latin America, um evento regional da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) que aconteceria em Salvador em agosto.
O recuo foi publicado numa nota curta do ministério, que o atribui a “entendimentos mantidos nesses últimos dias com o prefeito de Salvador”. Como o OC publicou na última terça-feira, ACM Neto, do Democratas, havia decidido peitar o ministro para tentar manter a Climate Week na capital baiana. Ganhou.
O prefeito ficou irritado com a ordem intempestiva de Salles, que não o consultou previamente antes de comunicar o cancelamento à UNFCCC. Neto esperava usar o evento como plataforma para vender sua gestão como antenada com a agenda do século 21 – a cidade está finalizando seu plano municipal de mudanças climáticas, que seria apresentado na Climate Week. Ele já havia sido frustrado pela decisão do presidente Jair Bolsonaro de retirar a oferta para sediar a conferência de clima de 2019 (COP25) no Brasil, para a qual havia também oferecido a capital baiana.
O caldo entornou quando Salles declarou ao blog da jornalista Andreia Sadi, veículo que tem escolhido para fazer seus pronunciamentos, que a Climate Week só serviria “para a turma fazer turismo em Salvador e comer acarajé”.
Naquele mesmo dia, Neto ligou do Reino Unido para seu secretário de Cidade Sustentável e Inovação, André Fraga, ordenando que ele consultasse a UNFCCC sobre a possibilidade de fazer o evento mesmo com oposição do governo federal.
O status político do prefeito, presidente do partido que comanda a Câmara e o Senado – e em cujas mãos está a reforma da Previdência –, a pressão da Confederação Nacional de Prefeitos e conselhos de auxiliares foram determinantes para o recuo do ministro.
O episódio da Climate Week é o mais recente numa fieira de derrotas sofridas por Salles nas últimas duas semanas. No dia 8, ele já foi acusado por oito dos nove ex-ministros do Meio Ambiente vivos de promover o “desmanche” da governança ambiental no Brasil. O comunicado dos ex-ministros teve grande repercussão no exterior, inclusive nos departamentos da União Europeia que conduzem as negociações comerciais com o Mercosul.
A UE já havia recebido um alerta poderoso nesse sentido de 607 cientistas e duas organizações indígenas, que escreveram uma carta na revista Science no último dia 25 pedindo ao bloco que condicionasse o acordo comercial com o Mercosul ao cumprimento de uma série de salvaguardas socioambientais.
Nesta sexta-feira, Salles deu um vexame triplo carpado diante da imprensa ao ser desmentido pela CGU (Controladoria-Geral da União) e pelos governos da Noruega e da Alemanha sobre uma tentativa de intimidar organizações da sociedade civil que têm contratos com o Fundo Amazônia.
Na véspera, ele havia convocado uma entrevista coletiva em seu escritório em São Paulo para apresentar supostas denúncias de irregularidades nos contratos do fundo com ONGs. Em entrevistas ao jornal O Estado de S.Paulo e à revista Veja, o ministro dissera que a investigação era resultado de um trabalho conjunto entre o MMA e a CGU. A controladoria negou.
Na coletiva, Salles não apresentou resultados da suposta “auditoria” que teria feito nos contratos, nem evidências de irregularidade, nem citou nenhuma ONG. Apenas disse ter visto “indícios de irregularidades” em 25% dos contratos do fundo. Afirmou também que havia comunicado os governos da Alemanha e da Noruega, principais doadores do fundo, sobre sua ação e sobre sua intenção de mexer na governança do fundo para dar ao MMA controle sobre ela. O teor da coletiva deixou os jornalistas perplexos, como narrou o site Direto da Ciência. Mas o pior ainda estava por vir.
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