Grupo investiga impacto social de tecnologias que buscam promover a transição energética

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Por Agência FAPESP | Com o objetivo de analisar novas tecnologias que buscam promover a transição energética sob o ponto de vista das ciências sociais, e não apenas da engenharia e de outras áreas das ciências exatas, um grupo do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) está desenvolvendo desde 2021 o projeto “Percepção Social e Diplomacia Científica nas Transições Tecnológicas para uma Sociedade de Baixo Carbono”.

O RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído com apoio da FAPESP e da Shell e sede na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

“Toda tecnologia provoca um impacto social. É fundamental que cientistas e a sociedade de forma geral reflitam sobre esse processo”, defende Sigmar Malvezzi, coordenador do projeto e professor do Instituto de Psicologia da USP. “No Brasil presta-se pouca atenção em como a sociedade vai reagir a essas tecnologias propostas. É preciso pensar sobre isso na fase de planejamento do projeto e o Brasil está atrasado nesse processo”, disse a psicóloga Karen Mascarenhas, vice-coordenadora do projeto e diretora de Recursos Humanos e Gestão de Lideranças do RCGI.

O estudo foca nas tecnologias que estão em desenvolvimento em outros projetos do RCGI, como captura e armazenamento de carbono (CCS), captura e uso de carbono (CCU), bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS). “Além disso, pretendemos abordar outras tecnologias associadas a recursos considerados importantes na transição energética global, como gás natural, hidrogênio, energia eólica e solar”, acrescenta Mascarenhas.

O projeto atua em cinco frentes. “Todas estão interligadas. Trata-se de um projeto transdisciplinar que envolve, além da psicologia, filosofia e antropologia, áreas como geografia, história, física e relações internacionais”, informa Malvezzi.

Uma das frentes está relacionada à percepção social relativa à transição energética e tecnológica. “Ainda que fontes de energia renovável de forma geral gozem de alto nível de aceitação por parte do público, ao olharmos mais profundamente, detectamos resistências locais contra essas tecnologias. Há inclusive um fenômeno conhecido por NIMBY, que significa not in my back yard ou ‘não no meu quintal’, que denota uma possível aceitação da tecnologia por parte da população em geral, mas uma rejeição no assentamento de tal projeto em uma comunidade pelos mais variados motivos, como poluição sonora e visual, odores ou risco de vazamento, por exemplo”, disse Mascarenhas.

A equipe fez uma revisão bibliográfica de 535 artigos publicados em revistas acadêmicas internacionais. “Muito se fala de ‘percepção pública’, mas a partir dessa análise confirmamos nosso entendimento de que esse termo é relativo ao público leigo. Ele aparece assim em mais de 80% dos artigos revisados. Entretanto, no caso do nosso projeto, o termo correto é ‘percepção social’, porque queremos abranger um público mais amplo, que inclui, por exemplo, governo, mídia, meio acadêmico, organizações não governamentais, executivos da indústria e investidores”, explica Mascarenhas.

O próximo passo será realizar pesquisas para entender, a partir de técnicas projetivas e métodos de análise multifatorial, como esses agentes se comportam em relação às novas tecnologias e às mudanças climáticas, por exemplo. Esse trabalho vai contar com dados sóciogeográficos, que estão sendo levantados pela segunda frente do projeto. “A ideia é elaborar um atlas com informações geográficas, sociais e históricas que vai sugerir locais onde poderemos realizar nossos estudos de campo e apontar os lugares mais apropriados para futuras instalações de novas tecnologias de baixo carbono”, explica Mascarenhas.

Outra frente do projeto está focada na chamada diplomacia científica, cujo objetivo é rastrear a contribuição de cientistas e instituições de pesquisa acadêmica como o RCGI a dois movimentos globais originados em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Um deles é a Agenda 2030 com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o outro, o Acordo de Paris, com a adesão de 193 países, que estabeleceu Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) por meio de metas assumidas para redução das emissões de gases de efeito estufa.

A equipe de pesquisadores também pretende desenvolver estratégias de comunicação voltadas para a comunidade científica. “Durante a pandemia de COVID-19 percebemos como as reações das pessoas podem ser diferentes a partir de um mesmo estímulo. Foi o caso da vacina. Houve quem se posicionasse contra, por questões ideológicas ou religiosas. É preciso saber apresentar essas novas tecnologias e dialogar a respeito delas com a sociedade”, constata Malvezzi.

A quarta frente do projeto vai investigar o impacto das redes sociais na divulgação, experimentação e construção da ciência. Outro foco dos pesquisadores será desenvolver metodologia para investigar o comportamento social por meio da sociofísica. O trabalho, nesse caso, será feito no Digital Lab, espaço criativo para colaborações científicas e artísticas por meio de tecnologias digitais e design de interação que está em fase de implantação no Instituto de Física da USP. “A ciência lida com questões abstratas. A ideia aqui é aproximar o público dessa temática por meio da arte-ciência ou então criações como o Moleculário, que será um espaço de experiência imersiva de realidade virtual e aumentada”, explica Mascarenhas.

Por fim, os pesquisadores que trabalham na quinta frente pretendem fomentar parcerias entre universidade e empresas. “A ideia é promover ainda mais novas tecnologias desenvolvidas no RCGI para a iniciativa privada”, diz Mascarenhas.

O projeto já resultou no livro Transição Energética, Percepção Social e Governança, que reúne os principais resultados da revisão da literatura realizada pela equipe de pesquisadores e deve ser lançado em breve. Além disso, o projeto participa atualmente do estudo “Comparando Intervenções visando a Ação Coletiva contra as Mudanças Climáticas”, coordenado pelo Laboratório de Identidade Social e Moralidade do Departamento de Psicologia da Universidade de Nova York, que está em curso em 75 países. “Nossa missão é levantar e interpretar dados sobre a população brasileira em relação ao tema”, explica Mascarenhas.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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