Por Karina Ninni, da Agência FAPESP | Uma equipe do Laboratório de Materiais Poliméricos e Biossorventes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) produziu e está testando materiais à base de celulose com o objetivo de melhorar a disponibilidade de nutrientes para o cultivo agrícola, evitando a produção de resíduos não biodegradáveis no campo.
O trabalho publicado na revista Carbohydrate Polymers tem como primeira autora a química Débora França. Nele, o grupo usou nanocelulose modificada para tentar desacelerar a liberação, no solo, dos nutrientes contidos nos fertilizantes. Isso porque os sais que contêm os principais macronutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) são muito solúveis e têm muita mobilidade.
“O potássio é um íon rapidamente lixiviado pela chuva. Ele tem muita mobilidade iônica, é o pior deles no sentido de se tentar uma liberação controlada. Já o nitrogênio pode ser obtido de várias fontes: nitratos, amônia, ureia. Mas o nitrato é a fonte de onde a planta obtém mais facilmente o nitrogênio de que precisa. E, a exemplo do potássio, também pode ser carregado facilmente pela água, não permanecendo muito tempo no solo. Já o fósforo [uma forma de fosfato] é um íon muito grande, que não tem tanta mobilidade como os outros macronutrientes”, explica Faez, que coordena o Grupo de Pesquisa em Materiais Poliméricos e Biossorventes no campus da UFSCar sediado em Araras.
Segundo a pesquisadora, existem no mercado produtos com a função de desacelerar a liberação desses nutrientes, mas são, em sua maioria, compostos por polímeros sintéticos, não biodegradáveis. “O grão do fertilizante é do tamanho de uma pedrinha de sal grosso. Para que os nutrientes sejam liberados mais lentamente, ele é recoberto por camadas de polímeros. Uma camada, dependendo do tipo de material, dura mais ou menos dois meses. Então, recobre-se com duas, três ou quatro camadas, conforme o tempo em que se quer liberar o nutriente”, explica Faez, ressaltando que os plásticos usados para envolver as partículas ficam no solo e representam um problema a médio e longo prazo, como geração de microplásticos.
A equipe da UFSCar desenvolveu um produto bem diferente, com base na interação química entre a nanocelulose modificada e os sais, para mantê-los no solo. “Neste trabalho, focamos nos problemas piores: o nitrato e o potássio. E desenvolvemos um material totalmente biodegradável com uma taxa de liberação desses nutrientes muito próxima dos materiais sintéticos disponíveis.”
França usou nanocelulose obtida a partir de celulose pura doada por uma indústria de papel e modificou sua superfície de modo a ter cargas positivas e negativas. “Sendo os sais também compostos de partículas carregadas positiva ou negativamente e muito solúveis, a hipótese foi de que a nanocelulose com carga negativa reagiria com os íons positivos dos sais e a nanocelulose positiva interagiria com os íons de carga negativa, o que reduziria a solubilidade desses sais. Ela foi confirmada e o grupo conseguiu modular a liberação dos nutrientes, dependendo do tipo de partícula que havia no material.”
Além de confeccionar o produto, em forma de tabletes, o grupo avaliou sua performance na liberação dos nutrientes em solo (geralmente, determina-se a taxa de liberação do material colocando-o em água, um sistema bem diferente do solo). O trabalho foi feito em parceria com Claudinei Fonseca Souza, professor do Departamento de Recursos Naturais e Proteção Ambiental da UFSCar-Araras.
“Avaliamos a liberação dos nutrientes no solo e a biodegradação do material no local durante cem dias. Mas estamos, propositalmente, usando um solo muito pobre, com baixa matéria orgânica, pois assim conseguimos ver os efeitos físicos da liberação com mais facilidade”, conta Faez.
Os cientistas utilizaram duas técnicas para obter os tabletes. Primeiro, secagem e atomização por spraydryer (equipamento que remove a umidade e transforma o material em pó), por meio da qual a nanocelulose encapsulou os nutrientes. Depois, o pó obtido foi submetido a processamento térmico e prensado em um molde. O trabalho foi realizado com auxílio de colegas do Laboratório de Materiais de Celulose e Madeira da Empa (Laboratórios Federais Suíços para Ciência e Tecnologia de Materiais) e do Grupo de Pesquisa em Engenharia de Água, Solo e Ambiente, liderado por Souza. França realizou as modificações na celulose no laboratório na Suíça, durante estágio realizado com bolsa da FAPESP. A pesquisadora também foi apoiada por Bolsa de Doutorado no Brasil.
O segundo artigo recente do grupo foi publicado no periódico Industrial Crops and Products e tem como primeiro autor o químico Lucas Luiz Messa. O objetivo do estudo foi retirar a celulose do bagaço da cana-de-açúcar e modificá-la com uma carga negativa na superfície por meio da incorporação de porções de fósforo (fosforilação), o que permitiria a entrega controlada de nutrição vegetal. A ideia era que cátions de macro e micronutrientes se ligassem aos ânions de fósforo da superfície celulósica modificada, o que retardaria o processo de entrega dos nutrientes.
O grupo preparou três tipos de estruturas com a celulose fosforilada: filmes semelhantes a papel; um pó, com o uso de spraydryer; e uma estrutura muito leve, parecida com um pedacinho de isopor, por meio de freezdryer (técnica em que o material é congelado com água e, quando esta é retirada, sobram buraquinhos em seu lugar; neste caso, os cientistas observaram que, ao retirar a água, por liofilização, os nutrientes ficaram nesses buracos).
“Mas, tecnologicamente, a estrutura semelhante a um papel foi o melhor material que produzimos para entregar nutrientes de maneira controlada. Com esse papel pode-se criar vários produtos”, comenta Faez.
Os resultados obtidos no trabalho de Messa permitiram desenvolver vasos (potes de propagação) pequeninos para o cultivo de mudas. Esse material, quando se degrada, já libera o fósforo que está em sua composição. De acordo com Faez, o processo de obtenção da celulose fosforilada é barato, o que faz com que o produto final seja obtido sem muito custo. “São mais ou menos R$ 0,27 por grama de papel produzido. O vasinho deve ter mais ou menos 1 grama. Sai, portanto, cerca de R$ 0,30 a unidade, pensando no preço de laboratório.”
A professora da UFSCar lembra que já existem potes de propagação biodegradáveis no mercado. “Mas nosso produto já tem o fertilizante no próprio material, o que é um grande diferencial. Tanto que fizemos um pedido de propriedade intelectual.”
O vaso está prestes a ser testado por um produtor de flores de Holambra, para quem já foram enviadas algumas remessas, feitas em laboratório. Na bancada, o teste de liberação de nutrientes foi feito somente na água. “Chamamos esse método de avaliação acelerada da liberação dos íons, porque na água ela é mais rápida. Mas, mesmo na água, comparando o comportamento do íon no material e sem o material, tivemos uma redução da liberação entre 40% e 50%. Então, mesmo em água, conseguimos reter esses íons. Imaginamos que em substrato seja ainda mais lenta a entrega.”
O trabalho também foi apoiado pela FAPESP por meio de uma Bolsa de Doutorado no Brasil e uma Bolsa no Exterior – Estágio de Pesquisa concedidas a Messa – além de um Auxílio à Pesquisa Regular concedido a Faez.
Messa contou com a ajuda de um colega da Universidade da Califórnia (Estados Unidos), onde realizou estágio de pesquisa.
O artigo Sugarcane bagasse derived phosphorylated cellulose as substrates for potassium release induced by phosphates surface and drying methods pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0926669022008330?via%3Dihub#!.
Já o trabalho Charged-cellulose nanofibrils as a nutrient carrier in biodegradable polymers for enhanced efficiency fertilizers, conduzido por França, pode ser consultado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0144861722008396?via%3Dihub.
Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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