Por Isabella Siqueira em Jornal da Unesp | A dependência de fertilizantes importados é uma característica da agricultura brasileira. Devido à crise causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, a oferta desses insumos diminuiu e o preço aumentou consideravelmente, impactando diretamente na produção agrícola. Diante do desafio de aumentar a eficiência na aplicação de fertilizantes, os produtores agrícolas podem recorrer aos softwares de Diagnose da Composição Nutricional (CND), ferramentas digitais que se baseiam em uma análise multidimensional dos nutrientes na planta que foi introduzida no Brasil por docentes da Unesp, há cerca de dez anos.
A Diagnose da Composição Nutricional é tradução do inglês Compositional Nutrient Diagnosis, e costuma ser referida pela sigla em inglês, CND. A CND é uma metodologia de análise de nutrientes que viabiliza uma aplicação mais assertiva de fertilizantes que leva em consideração as características específicas do solo e da planta para apontar os parâmetros ideais para a realização do cultivo em determinada localidade. Foi criada nos anos 1990 pelo professor Léon-Étienne Parent, da Universidade de Laval, no Canadá, e trazida para o Brasil por meio de colaborações científicas do grupo de pesquisa da universidade canadense com a Unesp. A colaboração teve início em 2009 por meio do professor William Natale, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) do câmpus de Jaboticabal. Desde que estudou pela primeira vez a CND em Jaboticabal com o professor Natale, o docente Danilo Eduardo Rozane, que hoje atua na Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira (FCAVR), no câmpus de Registro da Unesp, vem aprimorando e difundindo a técnica em colaborações acadêmicas e trabalhos de campo em parceria com produtores do país.
O primeiro software de Diagnose da Composição Nutricional focava a cultura da goiaba e foi tornado público em um site da FCAVR-Unesp em 2012. No ano seguinte, foi disponibilizado na mesma página o software CND desenvolvido para o cultivo de manga. Desde então, trabalhos realizados no país com base nesta metodologia, que resultaram em softwares concebidos para culturas variadas (banana, uva, citros, soja, arroz, entre outras), passaram a ser agrupados numa página específica no site do câmpus de Registro da Unesp, que está perto de computar 9,4 milhões de visitas ao longo dos últimos anos.
Com a crise dos fertilizantes suscitada pela guerra na Europa, a demanda pela metodologia CND aumentou no último ano, segundo Rozane. “O preço dos fertilizantes subiu consideravelmente nos últimos anos, mais especificamente neste último ano. Isso foi em virtude de algumas situações de fornecimento ou de especulação de mercado”, diz. “Observamos que, como consequência, os agricultores passaram a ter a necessidade de buscar maior eficiência na aplicação desses insumos.”
Para que ocorra o desenvolvimento de um software nestes moldes, realiza-se a coleta de informações em uma região de cultivo, de modo a abranger inúmeras áreas produtivas, que são complementadas por análises do solo, das plantas e das características da produção daquela cultura. Na etapa de análise do solo, examina-se a quantidade de nutrientes disponível para ser absorvida pela planta. Como nem todos os nutrientes disponíveis são absorvidos, é necessário também um exame da planta, tanto de sua folha como de outros órgãos, como o talo e a flor. “Temos parcerias com inúmeras empresas, associações e produtores que acabam permitindo a entrada do pesquisador nas áreas de produção (para coleta de dados)”, diz o professor.
O material coletado é encaminhado para o laboratório, onde se produz um balanço, com base em modelos estatísticos, para interpretar este arcabouço de informações. O resultado é a estipulação de padrões nutricionais indicados para aquela cultura. Os parâmetros são fixados e publica-se numa página de internet o software CND correspondente aquela cultura. O software possui uma interface semelhante a uma calculadora.
Ao usar a ferramenta, o produtor lança os dados dos nutrientes (nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio etc) que tem em mãos e, por meio de um gráfico, avalia, se o balanço de nutrientes da sua área apresenta teores que estejam em equilíbrio, em excesso ou em situação de escassez, em comparação com as áreas de maior produção Assim, graças aos valores que servem como referência, as indicações providas pelo software possibilitam que o produtor melhore a aplicação de fertilizantes.
Rozane, que ministra as disciplinas de fruticultura nos câmpus da Unesp em Registro e em Jaboticabal, enfatiza que os parâmetros estabelecidos para uma cultura numa certa localidade não podem ser transportados para outra região de maneira absoluta. As características do solo variam bastante de bioma para bioma e dentro dos próprios biomas. Um exemplo é a cultura da uva na região Sul do país. A página disponibiliza dois softwares CND, um concebido para as áreas de videiras da Serra Gaúcha e outro para as áreas de planície do Rio Grande do Sul. “Dentro de um mesmo estado há grandes diferenças em termos de teores nutricionais (do solo). Imagine se tentássemos transpor uma indicação técnica destinada ao semiárido do Nordeste para o Sul ou o Sudeste. O ideal é que isso não seja feito”, diz.
As parcerias entre a Unesp e pesquisadores de outras instituições, como a Universidade Federal de Santa Maria e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estão sendo primordiais para o lançamento dos softwares CND, ampliando o alcance da técnica para mais regiões do país. Um dos softwares disponíveis na página da Unesp em Registro gera indicações técnicas sobre a cultura da banana, compreendendo as variedades nanica e prata, no estado do Ceará. Segundo Danilo, pesquisas em andamento também envolvem a diagnose da composição nutricional da cultura da banana para a região de Registro, em São Paulo, para Delfinópolis, em Minas e para a região de Corupá e do Litoral Catarinense.
Publicada na revista científica Horticulturae, uma pesquisa que fez parte da tese de doutorado de Danilo Ricardo Yamane, orientando de Rozane, resultou no balanço nutricional Citros, trazendo indicações técnicas para produções de três tipos de laranja no município de Araraquara. Os dois softwares CND para o cultivo de uvas na campanha e na serra gaúchas foram desenvolvidos em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Outros softwares CND estão sendo elaborados para oferecer indicações técnicas para a produção de palmito pupunha na região do Vale do Ribeira, em São Paulo e para as culturas da pêra, maçã e alho para o Estado de Santa Catarina.
“Desenvolvemos toda a pesquisa e a indicação técnica, fazemos o artigo (científico) e, para evitar que ele fique parado em uma gaveta, na estante da prateleira ou dentro de uma revista, fazemos o software para que seja aplicável de uma maneira mais fácil”, diz o docente.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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