Por Renato Grandelle, da Página 22 | Um ano após deixar Glasgow sob uma atmosfera de relativo otimismo, a comunidade internacional chegará em novembro sem grandes perspectivas à nova edição da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 27). Os chefes de Estado e ministros que aterrissarão em Sharm el-Sheikh, no Egito, terão o desafio de defender a urgência do combate ao aumento da temperatura global em um momento no qual outras pautas se impõem. Além do desastre humanitário, a guerra da Ucrânia levou efeitos colaterais severos mundo afora, como a crise alimentar, provocada pelo bloqueio à saída de grãos e fertilizantes de Kiev e Moscou, e incertezas sobre o fornecimento russo de energia elétrica à Europa em pleno inverno, diante das sanções econômicas aplicadas por nações do Velho Continente ao Kremlin.
Acordos assinados na COP 26, em Glasgow, para deter o desmatamento e as emissões de metano pouco avançaram em seu primeiro ano. Além disso, apenas 13 países revisaram, em 2022, suas metas para reduzir a liberação de gases de efeito estufa à atmosfera. Desses, pelo menos dois – Brasil e o Egito, anfitrião da COP – não impuseram compromissos mais ambiciosos, segundo análise científica independente da iniciativa Climate Action Tracker. Seguindo os compromissos nacionais em vigor, a temperatura do planeta elevaria 2,4 graus Celsius até o fim do século em relação aos níveis pré-industriais. O Acordo de Paris definiu que os termômetros não devem avançar mais de 2 graus, e que este aumento deveria manter-se preferencialmente abaixo de 1,5 grau.
“Não acredito que haverá discussões sobre novas metas climáticas”, avalia Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. “Devido à ameaça, feita pela Rússia, de corte do fornecimento de gás, a Europa está focada no desafio da transição energética e do desenvolvimento de fontes alternativas, como o hidrogênio. É um ambiente confuso, de muita incerteza e sem consenso político.”
De acordo com Waack, o vácuo de lideranças contribui para emperrar as negociações. Atração da COP de Glasgow, o presidente americano Joe Biden corre o risco de perder a maioria democrata na Câmara dos Representantes e no Senado nas eleições legislativas que serão realizadas em 8 de novembro, um dia após o início da conferência climática.
Na Europa, o chanceler alemão Olaf Scholz não conseguiu manter o protagonismo exercido por mais de uma década por sua antecessora, Angela Merkel. O Reino Unido, que sediou a última COP, também perdeu peso político, já que o país está à espera da eleição do sucessor do primeiro-ministro Boris Johnson, que entregou sua renúncia em julho. O presidente francês Emmanuel Macron, um dos maiores incentivadores da aprovação do Acordo de Paris, em 2015, está isolado em seu continente.
Ainda segundo Waack, a China, por sua vez, está voltada para a adaptação à mudança climática de seu mercado interno. O país, hoje o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, tem promovido políticas públicas contundentes de fomento à transição energética e desenvolvimento de tecnologias que vão torná-la menos dependente de importações e de riscos climáticos que podem inviabilizar sua economia.
“A guerra da Ucrânia bagunçou o cenário mundial. Todos estão preocupados com sua autossuficiência. O multilateralismo está em frangalhos”, lamenta Waack.
Diretor da ONG Finance for Biodiversity, Marcelo Furtado assinala que, com o confronto europeu, a energia e a produção de alimentos tornaram-se uma questão de segurança nacional e os combustíveis fósseis consolidaram-se como um ativo econômico.
“Houve, então, um retrocesso na área de energia, e uma mudança no debate sobre os alimentos, que inicialmente seriam discutidos no âmbito da segurança climática”, sublinha Furtado, que também é membro da Coalizão Brasil. “Resta saber como enfrentaremos o desafio da fome e da produção de alimentos em um mundo onde os países tomam decisões unilateralmente, sofrendo as complicações logísticas provocadas pela guerra, que dificultou a saída de grãos e fertilizantes das nações envolvidas no conflito, e os efeitos dos eventos climáticos extremos. Não há uma estratégia global contra essas adversidades.”
Para Furtado, a comunidade internacional vê-se à frente de uma “tempestade perfeita”, já que o setor financeiro contabilizará cada vez mais os riscos climáticos na destinação de recursos, catapultando a inflação sobre a produção e distribuição de alimentos e energia.
A mudança no foco de agendas econômicas estratégicas pode ser uma pá de cal sobre as tentativas de conter o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius, em relação aos níveis pré-industriais. A comunidade científica alerta que o aquecimento do planeta acima deste patamar pode resultar no caos climático, com um aumento drástico no número de pessoas afetadas por ondas de calor, escassez hídrica e precipitações extremas, entre outros eventos. Também avançariam significativamente o nível do mar, a quantidade de espécies extintas e as áreas que teriam o uso do solo afetado.
“Antes, o aquecimento do planeta a mais de 1,5 grau era um cenário possível, mas indesejável. Agora, é possível e provável”, compara Furtado. “Mas ninguém terá coragem de admitir publicamente na COP que não conseguiremos mais restringir o aumento da temperatura a este patamar. Os países terão de confidenciar as suas estratégias a portas fechadas. Precisarão fazer modelagens e atualizar estudos sobre o impacto ambiental que enfrentarão a partir de agora.”
Furtado concorda com Waack ao julgar que a revisão das metas climáticas não deverá passar sobre a mesa dos negociadores: “A COP ocorrerá em um momento onde os problemas serão a fome no mundo e o frio na Europa. Não haverá ambiente político para debater os compromissos para redução de emissões de gases estufa.”
Diante da falta de lideranças políticas, Waack acredita que eventuais avanços na COP 27 ocorrerão na seara econômica, por conta de arranjos do setor privado a legislações ambientais que vetam a importação de produtos originários de áreas de desmatamento. A conscientização dos consumidores sobre a importância da conservação ambiental também contribui para acelerar as mudanças no mercado.
“As grandes empresas adquiriram um poder de mobilização maior do que os governos”, ressalta. “Não há dúvidas de que a vinculação de suas atividades à mudança climática são um passivo para os negócios, o que torna as companhias alvo de taxação e até de responsabilização criminal. Por isso, investem cada vez mais em sistemas de produção de baixo carbono. Há muitos recursos destinados à redução e controle de metano na pecuária, por exemplo.”
Os investimentos no combate ao desmatamento e na descarbonização da cadeia produtiva compõem uma estratégia de valorização dos ecossistemas. A opção por investir na manutenção da floresta em pé aproximou a agenda da cúpula climática de outro encontro global, a 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB).
Na COP 26 do Clima, mais de 140 países assinaram a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, destinando aproximadamente US$ 19,2 bilhões de recursos públicos e privados para deter e reverter a perda florestal e a degradação de terra até 2030. O desmatamento responde por cerca de 20% das emissões globais de gases de efeito estufa.
“O acordo firmado em Glasgow coloca as florestas no centro da discussão climática, e não dá para falar nelas sem mencionar sua biodiversidade”, destaca Waack. “A valorização do mercado de carbono florestal foi outra sinalização importante para o setor de investimentos, que já havia percebido o crescimento do tema das soluções baseadas na natureza.”
Outro destaque da COP 27 será o avanço da implementação do mercado de carbono, cujo Manual de Regras foi concluído na conferência de Glasgow. Negociações realizadas em organismos internacionais desde então geraram otimismo entre as empresas interessadas em explorar este segmento.
“O texto do Artigo 6 do Acordo de Paris, aprovado em Glasgow, trazia as regras gerais do mercado de carbono, mas ainda falta colocá-lo em prática. Os primeiros passos têm sido dados por um órgão supervisor internacional, que vai se reunir nos próximos meses antes da COP 27, onde apresentarão as primeiras conclusões de seus trabalhos”, diz Natália Rentería, líder de Políticas Públicas e Engajamento Comunitário da Mombak, startup dedicada à remoção de carbono na Amazônia através do reflorestamento. “Certamente teremos avanços na Conferência do Clima. Seu funcionamento real não parece mais tão distante.”
O Brasil pode ser um dos maiores beneficiados pelo avanço das discussões, adianta Rentería. “Estamos em um momento de franca expansão, com o expressivo crescimento do mercado voluntário, principalmente aquele ligado às Soluções baseadas na Natureza, que é o nosso grande diferencial em relação ao mercado de carbono global. O desenvolvimento regulatório da matéria certamente será importante nos próximos meses.”
Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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