Agência FAPESP – A pandemia de COVID-19 acentuou ainda mais a discrepância entre o conhecimento científico e tecnológico gerado nas instituições brasileiras e as informações que chegam à sociedade: num país que figura entre os 15 com maior número de publicação de artigos científicos em todo o mundo, 60% da população não consegue identificar uma notícia falsa. E ainda mais grave: muitas das decisões políticas adotadas durante a pandemia não têm respaldo em evidências baseadas em pesquisa.
A busca de solução para esse gap é o foco do documento Ciência & Informação, produzido pelo Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), com a colaboração do Instituto Serrapilheira e da Agência Bori. O documento, lançado em 10 de junho, é um guia para investidores sociais privados e organizações filantrópicas comprometidos com temas da agenda pública contemporânea.
“O investimento social privado aposta na ciência e na informação porque esse é o caminho para um Brasil mais justo, digno e sustentável”, afirmou Neca Setúbal, então presidente do Conselho do Gife. “Temos de pensar de forma estratégica: como poderemos contribuir para fazer diferença e alavancar políticas públicas, em defesa da democracia?”
O documento traz uma série de sugestões para o investimento social privado em ciência, a promoção da diversidade na ciência e para o debate público. Entre elas estão o cofinanciamento de projetos por instituições públicas e privadas, a promoção de processos seletivos para bolsistas de grupos sub-representados e a criação de fundos específicos voltados a iniciativas de combate às fake news.
O evento de lançamento reuniu Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, e Ana Paula Morales, fundadora e diretora da Agência Bori, representantes das entidades formuladoras do documento, num debate com Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco, e Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP.
Aguilaniu detalhou as estratégias sugeridas no documento. “O investimento privado na ciência tem de trabalhar com o investimento público.” O Serrapilheira, exemplificou, investe em projetos arriscados ou em áreas não apoiadas por outras instituições, ao mesmo tempo em que mantém entendimentos com a FAPESP para definir estratégias de “ações conjuntas”.
A questão da desigualdade racial e de gênero é outro nicho para a atuação do investimento social privado. “Não há mecanismos para promover a atuação de mulheres na matemática ou de pessoas negras na ciência em geral”, disse. “E os grupos diversos são mais produtivos.” Aguilaniu sublinhou, ainda, a importância de se conceber linhas de fomento que estimulem a articulação entre a academia e os formuladores de políticas públicas.
Morales mencionou os resultados de pesquisas sobre a percepção da ciência, realizadas pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) – nove entre dez brasileiros não sabem o nome de uma única instituição científica no país –, para argumentar que o investimento social privado deveria incluir também linhas de fomento para a divulgação científica e para a valorização dos pesquisadores que fazem divulgação científica.
O superintendente do Instituto Unibanco atribui parte desse distanciamento entre “a ciência e rua” ao “hermetismo e à arrogância” da ciência com os não especialistas. “O princípio da reputabilidade impõe um distanciamento improcedente”, afirmou. O cenário se agrava quando a ciência tem de lidar também com os “ressentimentos” que organizam a sociedade contemporânea e abrem espaço para o populismo.
“Precisamos pensar também no letramento científico”, sublinhou. Ele sugeriu que ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática (STEAM, na sigla em inglês) estejam presentes na formação básica e destacou a necessidade de tratar da inclusão de mulheres e negros.
O diretor científico da FAPESP observou que a ciência se move em duas vertentes: pela curiosidade e para a solução de problemas, e que a FAPESP tem lançado diversos editais para seleção de projetos direcionados a uma determinada missão, citando o exemplo de uma chamada de propostas em parceria com a Secretaria Estadual de Educação para o desenvolvimento de projetos baseados em evidências.
“Temos de atuar nas duas frentes. Na verdade, se a FAPESP não apoiar o desenvolvimento da ciência per se, infelizmente hoje no Brasil o cenário ficaria muito rarefeito. Não há uma oposição entre ciência baseada na busca do conhecimento e ciência orientada para uma missão. Essas são apenas divisões didáticas, que nos permitem discorrer e estabelecer agendas. Ambas fazem parte de um contínuo. A nação que o Brasil aspira ser precisa fortemente de ambas.”
Para a FAPESP, ele acrescentou, é importante ter parceiros entre os investidores sociais privados. “Há espaço para independência e para identificar sinergia. A complementaridade de atuações, de linhas de financiamento e de engajamento com diferentes setores da sociedade potencializa em muito o resultado dessas parcerias”.
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