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Alimentos para a maior espécie de águia da Terra escasseiam em áreas desmatadas

Aharpia ou gavião-real (Harpia harpyja) vive menos quanto menor a área de vegetação nativa. Um estudo que reuniu biólogos do Brasil, África do Sul e Reino Unido indicou que as aves, para sobreviver, precisam de pelo menos 50% de mata preservada em seu território, com um mínimo de 3 quilômetros de raio, em cujas árvores fazem ninhos e encontram alimento. A harpia é a maior espécie de águia do mundo, com peso médio de 9 quilogramas e uma envergadura de 2,2 metros. Pode viver até 56 anos.

“Em áreas com 50% a 70% de desmatamento, os filhotes morrem de fome, porque os pais não encontram alimento”, diz o biólogo Everton Miranda, em fase de contratação pela organização não governamental The Peregrine Fund, dos Estados Unidos, após trabalhar três anos na Universidade do Estado de Mato Grosso, em Alta Floresta, e concluir o doutorado na Universidade de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Seu coorientador foi o biólogo brasileiro Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.

“Nos trabalhos de campo no norte de Mato Grosso, vimos três harpias morrendo de fome diante de nós”, relata Miranda. Segundo ele, em áreas que sofreram 70% de desmatamento o grupo de pesquisadores não encontrou nenhum ninho de harpia, ao longo dos quatro anos do levantamento. O estudo com essas conclusões foi publicado na revista Scientific Reports em 30 de junho.

Os pesquisadores examinaram 16 ninhos e 306 presas de que as aves se alimentam (253 por meio de câmaras noturnas e 53 por meio de carcaças) em remanescentes florestais do norte de Mato Grosso, na região conhecida como Arco do Desmatamento. Harpias comem principalmente bichos-preguiça (Choloepus didactylus), macacos-prego (Sapajus apella) e macacos-barrigudo-cinzento (Lagothrix cana), que vivem no alto das árvores.

Diferentemente do que esperavam, os biólogos verificaram que, nas áreas mais desmatadas, essas aves não se alimentavam de mamíferos terrestres, como gambás (Didelphis spp.), tatus (Dasypus spp.) ou cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). “Como não mudam os hábitos alimentares, as harpias acabam comendo menos, porque as preguiças e os macacos não são abundantes como em florestas”, diz ele. “Em consequência, os filhotes vão receber menos comida e em intervalos mais longos, até não aguentarem mais e morrerem.”

Em um artigo publicado em maio de 2019 na revista PLOS ONE, Miranda, com colegas do Brasil, de Israel e da Inglaterra, examinou a distribuição geográfica dessa espécie, que hoje vive principalmente na Amazônia e em áreas de Mata Atlântica do Espírito Santo e do sul da Bahia. De acordo com esse trabalho, uma área propícia para a reocupação de harpias, por causa da abundância de preguiças, são as matas da serra do Mar, desde o Rio de Janeiro até o Paraná.

Em 2019, enquanto fazia o doutorado, Miranda fez alianças com a South Wild, empresa de turismo de Alta Floresta, e fazendeiros para levar turistas para observar harpias e seus ninhos. Os donos das terras se comprometiam a manter as matas e os ninhos, ganhando de acordo com o número de visitantes, e a empresa de turismo construiu as torres de observação, usadas também para a produção de documentários. Qualquer pessoa que encontrasse um ninho novo ganhava R$ 500.

“O fato de as harpias fazerem ninhos em áreas fragmentadas, como Alta Floresta ou no sul da Bahia, não significa que esteja tudo bem”, comenta o biólogo Pedro Develey, diretorexecutivo da organização não governamental BirdLife/Save Brasil, que não participou do estudo. “Os bichos podem estar passando fome, alguns filhotes talvez não cheguem a vingar e, a médio e longo prazo, tendem a desaparecer.”

A seu ver, a recuperação das florestas é fundamental também para os programas de reprodução dessa espécie em cativeiro, que almejam, um dia, soltá-las na natureza. De acordo com o estudo na Scientific Reports, a região do Arco do Desmatamento já não seria mais capaz de manter populações viáveis de harpias.


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