Hidrelétricas ameaçam cágado que depende de corredeiras, alerta estudo

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Por Agência FAPESP | Um trabalho apoiado pela FAPESP mostrou que a construção de novas hidrelétricas na região Sul do Brasil pode ter um impacto sobre mais de 30% do hábitat do cágado-rajado, também conhecido como cágado-ferradura (Phrynops williamsi). A espécie só ocorre na Mata Atlântica e nos Pampas e é considerada “Vulnerável” à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).

O estudo foi publicado no Journal of Applied Ecology por pesquisadores de instituições de Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraná.

“Nosso trabalho é o primeiro a abordar de modo integrado os impactos de hidrelétricas sobre a espécie. Os resultados poderão auxiliar no planejamento da redução dos impactos da expansão hidrelétrica sobre o cágado-rajado. O mesmo método pode ser aplicado para o estudo de outras espécies ameaçadas por empreendimentos do setor elétrico”, explicou André Luis Regolin, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), à Assessoria de Imprensa da UFG.

Os pesquisadores apontam que as usinas hidrelétricas sobrepõem áreas altamente adequadas para a espécie, que cobrem apenas 20% de sua distribuição. O quadro se agrava quando se consideram as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) previstas para serem construídas nos próximos anos. Segundo os pesquisadores, a área impactada no futuro pelas PCHs será quase igual àquela das grandes usinas hidrelétricas (UHEs), que atualmente têm os maiores impactos na espécie.

Com as inundações causadas pela construção de barragens, as corredeiras das quais os cágados-rajados dependem para viver desaparecem. Sem seu hábitat, os animais tentam migrar em busca de áreas adequadas, mas geralmente são impedidos pelos barramentos. O estudo ressalta que essas áreas altamente adequadas se tornarão cada vez mais raras e menos conectadas entre si devido à expansão hidrelétrica.

O estudo foi feito por meio do cruzamento dos registros de potenciais áreas de ocorrência da espécie com dados georreferenciados de hidrelétricas disponibilizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No total, 687 empreendimentos foram incluídos no estudo, 406 em operação, 48 em construção e 233 planejados.

A avaliação do status de conservação da espécie corroborou parcialmente avaliações anteriores. Porém, sugeriu que o risco de extinção foi subestimado em alguns níveis. Por exemplo, no Brasil, a espécie é atualmente classificada como “Dados Deficientes” (categoria utilizada quando não há informações suficientes para a avaliação), mas o estudo sugere que ela está “Vulnerável” devido à perda estimada de mais de 30% de sua área de distribuição. No Paraguai, na Argentina e no Uruguai, a espécie deve constar, segundo o trabalho publicado, como “Em Perigo”, pois a área de ocupação é muito pequena.

Uma das razões de o animal ter sido negligenciado nas avaliações de impacto de hidrelétricas no passado é o fato de os métodos para amostragem de répteis serem voltados para espécies terrestres. Os pesquisadores esperam, agora, poder subsidiar decisões sobre futuras construções de hidrelétricas.

“Revelamos o padrão geral dos impactos cumulativos dos empreendimentos sobre a distribuição da espécie, o que era urgente. Os resultados têm alto potencial de aplicação para subsidiar tomadas de decisão relacionadas à expansão da matriz hidrelétrica. Porém, ainda há muito a ser feito. Existem diversas lacunas de conhecimento sobre o cágado-rajado e será necessário investimento em pesquisa de ponta para poder avançar com propostas concretas para sua conservação”, afirmou Regolin.

O artigo Integrating ecological niche and hydrological connectivity models to assess the impacts of hydropower plants on an endemic and imperilled freshwater turtle pode ser lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/ftr/10.1111/1365-2664.14436.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thalles Moreira

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