Como um dos promotores da Celac, o governo brasileiro destacou projetos para incentivar cadeias e complexos produtivos binacionais e regionais na área de transição energética, com ênfase em biocombustíveis, hidrogênio, energia hidrelétrica, eólica e solar
Por Elaine Santos em Jornal da USP | Hidrogênio verde, lítio e transição energética foram os temas de destaque neste primeiro e agitado mês do novo governo brasileiro. O Ministério de Minas e Energia anunciou a criação da Secretaria Nacional de Transição Energética, dedicada a estruturar políticas e ampliar a participação das fontes renováveis na matriz energética nacional. No Fórum Econômico Mundial em Davos, em meio a elite global, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, afirmou que o Brasil vai precisar de investimentos robustos na energia eólica, solar e na biomassa e que o país tem condição de ter uma matriz energética 100% limpa, mencionando o potencial do hidrogênio verde, produzido com eletricidade renovável. Hidrogênio Verde que vem assumindo lugar de destaque dentre as novas tecnologias, mas que necessita de maior apoio político, segundo o relatório da Agência Internacional de Energia (IEA – sigla em inglês).
Com o objetivo de integrar e ampliar a unidade sul-americana, o Brasil voltou a participar da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) que desta vez aconteceu na Argentina. Como um dos promotores da Celac, o governo brasileiro destacou projetos para incentivar cadeias e complexos produtivos binacionais e regionais na área de transição energética, com ênfase em biocombustíveis, hidrogênio e energia hidrelétrica, eólica e solar, bem como nas cadeias de lítio. Alguns analistas nomearam o evento como a “Celac do lítio”, isto porque a América Latina concentra no triângulo do lítio cerca de 60% das reservas mundiais desse mineral essencial para a produção de baterias que tem despertado atenção e os investimentos por parte dos países industrializados. Nos últimos dias de janeiro, o lítio e o hidrogênio verde novamente entraram em evidência com a visita do chanceler alemão Olaf Scholz ao Brasil. O chanceler, que também passou pela Argentina e pelo Chile, pretendia estabelecer relações comerciais no triângulo do lítio, onde a Alemanha não está tão presente, diferentemente da China e dos Estados Unidos.
Nesta agenda, onde a questão climática e a transição energética se impõem, algo que precisa ser destacado é a quantidade de diferentes recursos minerais, além de infraestrutura de armazenamento e geração de eletricidade que serão necessários para que estas políticas se concretizem. Faço aqui duas breves observações sobre a necessidade de pensar estrategicamente os recursos brasileiros, já que não me parece ser suficiente afirmar politicamente o nosso potencial de riquezas minerais e biodiversidade em eventos internacionais como quem vende o país por um catálogo.
No âmbito normativo, o Brasil precisa refinar e detalhar suas políticas para a produção de minerais estratégicos. O governo anterior criou, através do decreto nº 10.657, a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos. No meu entender, esta política é parte das respostas que vêm sendo dadas em termos globais à enorme pressão do setor mineral, uma vez que para cumprir as metas climáticas, a exploração e a extração de matérias-primas precisam aumentar drasticamente. Com isto, muitos países estão revisando suas legislações e seus planos de ação, principalmente no que toca ao licenciamento, como no caso dos países da Europa onde o processo de abertura de uma mina pode chegar até 20 anos.
No Brasil, a política de apoio ao licenciamento ambiental intitulada, “Pró-Minerais Estratégicos”, aprovada em 2021, tinha como finalidade articular órgãos públicos e priorizar esforços para a implantação de projetos de produção de minerais estratégicos. Para agilizar os processos burocráticos produzindo licenciamentos simplificados para projetos estratégicos nacionais, foi criado o Comitê Interministerial de Análise de Projetos Minerais Estratégicos (CTAPME), cujo objetivo era garantir o suprimento interno de bens minerais dos quais o país hoje é fortemente dependente de importação, além de consolidar-se na posição de grande produtor e/ou exportador de determinados bens minerais, permitindo ao país atingir uma posição de liderança em novas cadeias minerais. A compreensão de quais são os minerais estratégicos possuem variações de acordo com a disponibilidade e necessidade de cada país e região. No caso brasileiro, a definição sobre quais são os minerais considerados estratégicos foi demarcada pelo Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030 e estabelecida pela Resolução CTAPME 2/2021, dividindo-se em três categorias apresentadas na tabela:
Bens minerais dos quais o país depende da importação em alto percentual para o suprimento de setores vitais da economia | Enxofre, fosfato, potássio; molibdênio. |
Bens minerais que tem importância pela sua aplicação em produtos de alta tecnologia | Cobalto; Cobre; Estanho; Grafita; Grupo da Platina; Lítio; Nióbio; Níquel; Silício; Tálio; Tântalo; Terras Raras; Titânio; Tungstênio; Urânio; Vanádio. |
Bens minerais que o Brasil detém vantagens comparativas e que são essenciais para a economia, pela geração de superávit da balança comercial do país | Alumínio; Cobre; Ferro; Grafita; Ouro; Manganês; Nióbio; Urânio. |
Elaboração própria a partir da Resolução CTAPME 2/2021
Em seu relatório referente ao ano de 2021, o comitê CTAPME divulgou que 21 projetos foram enquadrados na Política Pró-Minerais Estratégicos, dentre os quais, 15 teriam sido habilitados pelo Comitê. Em 2022 foram sete projetos habilitados na Política Pró-Minerais. Apesar do processo parecer exitoso e em consonância com que o que vem sendo realizado em outros países, no que tange a legislação voltada aos minerais estratégicos, a “Política Pró Minerais Estratégicos” tem sido criticada por não incluir no comitê de análise dos projetos qualquer órgão ou entidade relacionado a área ambiental. Logo, se a proposta foi formulada para viabilizar o desenvolvimento do país, como descrito na sua apresentação, além de fomentar a transparência, seria importante envolver outros órgãos, já que tornar mais célere os processos de licenciamento podem prejudicar uma análise minuciosa de projetos que possuem impactos sociais e ambientais importantes, como é o caso da mineração.
Em termos estratégicos e regionais tenho enfatizado nesta seção de articulistas como a definição das políticas internacionais relacionadas aos minerais críticos promovidas pela China, pelos Estados Unidos e pela União Europeia estão a decorrer. Em suma, estes blocos têm como preocupações fundantes o risco associado a ruptura da cadeia de suprimentos, seus projetos de reindustrialização e hegemonia. Ou seja, questões domésticas, geopolíticas e econômicas que, por sua vez, são também uma resposta às inovações tecnológicas. Isto significa que o aumento da demanda por matérias-primas para a transição energética poderá levar a novos conflitos comerciais e econômicos. E no Brasil, qual é o projeto? Seria interessante que o governo brasileiro englobasse em suas formulações políticas os diversos atores que representam a cadeia produtiva destes bens minerais, ponderando quais são as reais possibilidades de desenvolvimento desta cadeia em território nacional e sul-americano. Já que em relação ao lítio os nossos vizinhos parecem estar mais avançados, inclusive discutindo diversos acordos conjuntos. Sendo o Brasil um dos líderes no mercado global em relação a sua variedade de commodities minerais, o país precisa nortear melhor suas políticas de médio e longo prazo para este setor. Tendo em conta que a promoção de uma mineração estratégica em diferentes regiões do país, como tem sido a política dos últimos anos, poderá não resultar no tal desenvolvimento econômico que nos é sempre prometido.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.