Descubra como a adoção repentina do esquema de trabalho remoto ajudou a fortalecer laços entre colegas
Artigo recente publicado no The Conversation revela que o sistema home-office, adotado por empresas do mundo todo diante da pandemia do novo coronavírus, fortaleceu a confiança entre os colegas, em vez de afastá-los uns dos outros. A conclusão é resultado de pesquisas conduzidas por Roger Mayer, James Davis e David Schoorman, estudiosos de gestão e psicologia organizacional.
A crise de Covid-19 forçou diversas companhias, no Brasil e no exterior, a aderir ao trabalho remoto. Essa mudança abrupta na rotina das pessoas vem acompanhada de um questionamento: quais seriam as implicações dessa mudança para a confiança no local de trabalho? A confiança desempenha um papel crucial na forma como coordenamos, cooperamos, retribuímos e respondemos ao risco e à incerteza.
No entanto, tantas transformações em tão pouco tempo podem nos levar a acreditar que, assim como a necessidade de confiança no local de trabalho é intensificada pela enorme incerteza provocada pela pandemia, a mudança massiva em direção ao trabalho remoto seria capaz de minar essa confiança. E essa preocupação é compartilhada por muitas pessoas ao redor do mundo.
É comum supor que o sistema home-office possa ameaçar a confiança no local de trabalho. Mas há razões para acreditar que o trabalho remoto também pode ajudar a construir confiança. Evidências nesse sentido foram apontadas pelo artigo publicado no The Conversation.
Inicialmente, os especialistas identificaram três pilares que estabelecem como avaliamos o grau de confiabilidade das pessoas: 1) capacidade (habilidade de conduzir uma tarefa com sucesso em determinado domínio); 2) benevolência (ter boas intenções); e 3) integridade (ter princípios e valores aceitáveis). De acordo com a equipe, todos esses aspectos foram afetados pela mudança repentina do esquema de trabalho presencial para o sistema home-office.
Os resultados indicam que essa nova realidade possibilitou uma apreciação recém-descoberta da aquisição de habilidades, especialmente sob pressão. Além disso, esse sistema coloca as pessoas em uma situação que lhes permite mostrar melhor suas boas intenções. Finalmente, e mais importante, o esquema home-office possibilita a manifestação de valores compartilhados de forma mais transparente. Todos esses fatores contribuem para aumentar a confiança entre as pessoas.
Trabalho remoto e confiabilidade
Muitos de nós tivemos de migrar para a modalidade on-line de ensino, facilitação, consultoria, gerenciamento, treinamento e workshop. Essa mudança traz uma nova apreciação do esforço e dedicação necessários para aprender novas habilidades em tão pouco tempo e sob circunstâncias desafiadoras.
Algo tão simples como poder ver outras pessoas (embora virtualmente), lutando para executar um novo software em um dispositivo pela primeira vez, ao mesmo tempo que se tenta manter o fluxo de uma reunião, confere mais maleabilidade à nossa percepção sobre o que significa ter conhecimento específico do domínio. Assim, muitos de nós nos tornamos mais empáticos em relação a não acertar na primeira ou na segunda vez. E esse fator não necessariamente se opõe à nossa confiança na capacidade de nossos colegas.
Além disso, uma coisa que passamos a apreciar durante esses tempos difíceis é a necessidade de conexão – e o sentimento de que fazemos parte de algo. Com todos os obstáculos que surgiram durante os últimos meses, sinalizar que temos boas intenções tem sido mais simples do que nunca. Por meio de reuniões virtuais, colegas se fazem presentes em nossas casas, compartilhando nossos desafios pessoais (como cuidar de pais idosos, gerenciar as necessidades dos filhos, lidar com imprevistos domésticos, entre outros). Frequentemente, essa realidade promove empatia e a percepção de que há boas intenções mútuas, facilitando a identificação da benevolência apontada pelo artigo.
Por último, existe a questão da integridade. Lutamos para confiar em alguém quando não nos alinhamos com seus valores e princípios. Quando a interação com nossos colegas se torna limitada em escopo e domínio, é difícil avaliar e interpretar quais são seus valores e com que profundidade eles são mantidos. Mas as batalhas cotidianas para manter a sanidade profissional geram pontos de identificação e revelam que temos mais valores em comum com nossos colegas do que pensamos.
Oportunidade única
As circunstâncias atuais criaram uma oportunidade que, em outro contexto, talvez não existisse. Por exemplo, durante nossas reuniões virtuais – com as câmeras ligadas ou desligadas –, mostramos e testemunhamos vulnerabilidade, prioridades e valores essenciais que seriam pouco evidentes no espaço do escritório. Aproveitar esses valores compartilhados pode ter efeitos positivos e duradouros sobre a maneira como mantemos e desenvolvemos a confiança de nossos colegas em nossos locais de trabalho.
Em outras palavras, a pandemia do novo coronavírus certamente reduziu nossa confiança em instituições, organizações e governos. Contudo, na vida cotidiana, temos a oportunidade única de construir relacionamentos de confiança capazes, em última instância, de permear essas instituições. A Covid-19 pode ter representado uma ameaça à confiança no local de trabalho e nos órgãos públicos, mas também proporcionou uma chance inédita de estabelecer laços mais fortes com as pessoas – e não devemos perder isso de vista.