O setor turístico de cruzeiros marítimos gera poluição e contribui para a degradação ambiental, causando riscos à saúde
O impacto ambiental de cruzeiros marítimos é uma preocupação proporcional ao crescimento intensivo desse nicho da indústria do turismo. Os efeitos da atividade estão relacionados diretamente à poluição do ar, da água e do solo.
Nesse contexto, existem também impactos sociais, que incluem riscos à saúde humana, tanto para as pessoas a bordo das embarcações quanto para funcionários de estaleiros e a população local das cidades portuárias.
Indústria em crescimento
De acordo com o Cruise Market Watch, a indústria de cruzeiros cresceu, globalmente, 5,9% entre 1990 e 2024. Além disso, apesar da paralisação do setor durante dois anos, graças à pandemia de Covid-19, a pausa funcionou como um incentivo para a modernização de embarcações antigas.
Em 2024, a capacidade mundial para passageiros em cruzeiros marítimos alcançou 673 mil lugares disponíveis, distribuídos em cerca de 360 navios.
Existem navios que podem ser considerados verdadeiras cidades, tanto em escala, quanto em infraestrutura. Além destes, também existem cruzeiros de aventura ou de luxo, que funcionam em escalas reduzidas mas que atuam, principalmente, em locais mais remotos.
O aumento da demanda por esse setor do turismo traz à tona uma série de questionamentos e preocupações, relacionados ao impacto ambiental de cruzeiros marítimos, a degradação ambiental dos ambientes marinhos, suas contribuições para o agravamento das mudanças climáticas, além dos efeitos gerados na saúde humana.
Pegada ambiental
Uma revisão de estudos, divulgada pelo Marine Pollution Bulletin, analisou cerca de 222 pesquisas, publicadas entre 1980 e 2020, relacionadas ao crescente impacto ambiental de cruzeiros marítimos e suas implicações na saúde pública.
De acordo com os pesquisadores, os impactos ambientais e relacionados à saúde humana podem ser fracionados em três categorias principais, uma que integra as consequências ambientais e os efeitos à saúde e outras duas, que focam nesses problemas de forma individual.
Em relação ao meio ambiente, a água, o ar, o solo e os ecossistemas, incluindo fauna e flora terrestre e marinha, acabam afetados pela poluição gerada e consequente degeneração de habitats. Já as consequências de aspecto social, incluindo os problemas de saúde, são sentidas também pelas comunidades que vivem no entorno de portos e estaleiros, além dos funcionários em terra, tripulantes e inclusive, os próprios passageiros dos navios.
Poluição da água e impactos no ecossistema marinho
Resíduos sólidos
Resíduos sólidos incluem materiais orgânicos e recicláveis, que chegam aos oceanos também vindos de fontes terrestres. No entanto, navios, de modo geral, contribuem significativamente para o despejo incorreto desses dejetos, incluindo o plástico, o que contribui para a poluição marinha.
De acordo com a pesquisa, os cruzeiros marítimos representam menos de 1% de todo o setor naval. Por outro lado, cerca de 25% de todos os resíduos sólidos, produzidos em alto mar, são gerados por cruzeiros. Num setor em crescimento e com perspectivas de aumentar ainda mais sua atuação, a geração de resíduos se mostra uma tendência preocupante.
Apesar de existirem normas para a gestão de resíduos dentro dos navios, as condições nem sempre são cumpridas e resultam no descarte de substâncias perigosas, que impactam diretamente na fauna marinha. Alguns exemplos são as dioxinas, que são formadas a partir da queima de resíduos, por microplásticos, além de detritos em maior escala, que acabam flutuando nas águas oceânicas.
Águas residuais
Águas residuais, geradas pelo esgoto sanitário, em banhos, para lavar roupas e lavagens de todo tipo, dentro dos cruzeiros, também são uma questão problemática. Essas águas, quando liberadas no meio ambiente aquático, carregam substâncias nocivas, como resquícios de medicamentos e protetores solares, além de bactérias, vírus, entre outros.
Outro problema também envolve a água acumulada nos porões dos navios. Essa água é rica em contaminantes, como os fluidos do maquinário, combustível e resquícios dos sistemas internos de drenagem, se tornando uma fonte de hidrocarbonetos. Hidrocarbonetos são poluentes persistentes, compostos de carbono e hidrogênio, predominantes no petróleo, por exemplo.
O descarte dessa água, mesmo quando tratada para reduzir seu teor de óleo, ainda apresenta uma ameaça à vida marinha, como explicam os pesquisadores.
O estudo destaca também o que é chamado de ‘poluição crônica’. Segundo a pesquisa, o descarte das águas residuais, incluindo esgoto e combustível, liberadas nos oceanos rotineiramente, pode representar o triplo da poluição gerada por derramamentos pontuais de petróleo.
Água de lastro
Também existe a água de lastro, que pode conter inúmeras substâncias poluentes, inclusive águas residuais, hidrocarbonetos, micróbios, microplásticos e espécies invasoras. A água de lastro abastece tanques no fundo das embarcações e funciona como um contrapeso, garantindo que o navio siga estável. Por ser água do mar, carrega consigo sedimentos e matéria orgânica local. Quando esvaziados, os tanques liberam a água em outra região, o que representa um risco biológico, além da poluição gerada.
Aplicação de biocidas
Outro ponto relevante é a utilização de biocidas no revestimento dos navios. Substâncias nocivas fazem parte da tinta e do revestimento anti-incrustante, utilizado nos cascos das embarcações. O estudo aponta que até 2008 o principal biocida utilizava uma substância chamada tributilestanho (TBT), composto a base de estanho, um metal pesado e persistente, altamente tóxico ao ecossistema marinho. A partir de 2008, o composto foi proibido pela Organização Marítima Internacional (IMO, da sigla em inglês). No entanto, pesquisas mais recentes questionaram o cumprimento da norma, já que altas concentrações da substância ainda foram encontradas no ambiente marítimo.
O substituto é um biocida a base de cobre que, apesar de ser menos tóxico do que o TBT, ainda apresenta toxicidade, inibe a fotossíntese, é capaz de induzir mutações genéticas e alterar o ciclo reprodutivo de espécies.
Os pesquisadores destacam o risco levado a ambientes mais frágeis ou com áreas protegidas, uma vez que muitos navios de cruzeiro utilizam portos de cidades remotas.
Outro ponto alarmante está relacionado a combinação de biocidas e outros micropoluentes, como antibióticos, já que as tintas anti-incrustantes à base de metais pesados podem transformar os cascos dos navios em criadouros de bactérias resistentes aos medicamentos.
Transferência de espécies e doenças por vetores
Ainda relacionado aos riscos biológicos causados pelo trânsito marítimo, o estudo ressalta a transferência de espécies, de uma parte a outra do mundo, realizada pelos cruzeiros. Apesar do controle de doenças transmitidas por vetores, como a malária, a dengue, a febre amarela e o zika, ser regulamentada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os navios têm um papel importante na dispersão de insetos, resultando na disseminação dessas doenças.
Poluição do ar
As emissões de poluentes atmosféricos, geradas por navios, em geral, ficam concentradas nas rotas percorridas, mas seus efeitos são maiores quando perto de regiões costeiras povoadas e áreas portuárias, onde há um maior número de embarcações. Apesar disso, o tráfego de navios, que emite poluentes e atingem determinada região, também pode causar poluição atmosférica em escala global.
O principal combustível dos navios é proveniente de fontes fósseis. De acordo com o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a grande maioria dos navios de grande porte de todo o mundo utilizam o chamado bunker oil, uma mistura de diesel com óleos residuais pesados, originados na destilação do petróleo bruto. A queima desse combustível resulta em altos níveis de óxidos de enxofre e de nitrogênio, metais pesados e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs).
Emissões de óxidos de enxofre e de nitrogênio tem como consequência formação de chuvas ácidas, que não ficam concentradas em seus locais de origem, podendo atingir regiões costeiras a grandes distâncias. Além disso, essas emissões colaboram, de forma substancial, com a acidificação dos oceanos.
Ainda, pesquisadores também detectaram a presença de material particulado (MP), um resíduo tóxico, originado principalmente com a queima de combustíveis fósseis, no convés de embarcações comerciais. O poluente medido nos navios mostrou concentrações equivalentes a do ar em cidades como Beijing, na China, por exemplo, num estudo realizado pela Johns Hopkins University, nos Estados Unidos.
O dióxido de carbono, um dos principais gases de efeito estufa (GEE) que contribui diretamente para o aquecimento global, também é liberado com a queima do combustível utilizado nas embarcações. Segundo os pesquisadores, em comparação aos aviões comerciais em viagens internacionais, os cruzeiros marítimos apresentam índices de emissão de CO2, por sua vez, maiores.
Poluição sonora
A poluição sonora é outro fator relacionado ao impacto ambiental de cruzeiros marítimos. De acordo com os pesquisadores, os ruídos gerados pelas embarcações, em rotas movimentadas, é grave e a exposição da fauna, a longo prazo, pode causar uma mudança de comportamento e uso de habitats por diferentes espécies de peixes e mamíferos marinhos.
O estudo também mostrou que a poluição sonora é capaz de interferir no desenvolvimento dos peixes e espécies invertebradas, causando mudanças anatômicas e fisiológicas. Essas mudanças afetam a fauna de modo geral diminuindo, inclusive, os serviços ecossistêmicos disponíveis nas regiões atingidas. A pesca é um dos fatores prejudicados.
Além de atingir os ecossistemas marinhos, os ruídos também podem ser prejudiciais às pessoas expostas, como a tripulação, os funcionários portuários, os passageiros e as pessoas que vivem próximo ao litoral.
Outros problemas, como os acidentes envolvendo cruzeiros, o desmantelamento dos navios, as colisões com animais marinhos, a poluição luminosa, os efeitos das ondas geradas pelas embarcações (rastros) em áreas mais rasas, o consumo de milhões de litros de água doce para fornecimento interno, a deterioração de ambientes naturais para a construção de infraestrutura portuária, a ancoragem de navios em áreas de recifes de corais e o aumento do turismo em áreas polares também entram para a lista de impacto ambiental de cruzeiros marítimos, relacionada pelos pesquisadores.
Regulamentação e fiscalização
A conexão entre o impacto ambiental de cruzeiros marítimos, suas contribuições para a degradação ambiental e as consequências geradas à saúde, demonstra que diminuir a pegada ambiental desse nicho turístico deve ser uma prioridade.
Por outro lado, a atividade dos navios turísticos conta com uma regulamentação própria, a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL, da sigla em inglês). Criada em 1973, pela IMO, a MARPOL é responsável por atuar na prevenção da poluição e degradação dos ecossistemas marinhos, devido ao trânsito de embarcações.
Não conformidade com práticas ambientais
Apesar disso, dados do Cruise Ship Report Card, de 2022, um relatório anual gerado pela entidade Friends of the Earth (FOE), analisou e comparou a pegada ambiental de 18 grandes empresas e 213 navios de cruzeiro. As informações obtidas pela FOE sobre as práticas ambientais são fornecidas pelas próprias empresas.
Das 18 empresas analisadas, 14 delas pertencem a três grupos corporativos principais: Royal Caribbean Group, Carnival Corporation e Norwegian Cruise Line Holdings. As outras quatro empresas pertencem à Disney, MSC Cruises, Virgin Voyages e Viking Cruises.
O relatório avalia quatro fatores ambientais: o tratamento de esgoto, a redução da poluição do ar, a conformidade com a qualidade da água e a transparência nas informações, numa escala que varia de ‘A’ a ‘F’, sendo ‘A’ a melhor nota.
Em relação a transparência das informações, a FOE esclarece que apenas as empresas que fornecem os dados com os níveis de detalhe solicitados é que recebem a nota máxima. De todas as 18 empresas avaliadas, apenas seis receberam a nota A.
Por outro lado, a média geral variou entre ‘C’ e ‘F’. Apenas uma das empresas recebeu nota máxima pela conformidade com a qualidade da água, um quesito em que mais de 60% das empresas receberam a nota mínima.
Sobre o tratamento de esgoto, pouco mais de 65% das empresas consultadas receberam nota ‘C’, todo o restante variou entre ‘D’ e ‘F’. Em relação à redução da poluição do ar, cerca de 83% dos resultados ficaram entre as notas ‘D’ e ‘F’. Nenhuma empresa foi avaliada com nota ‘A’.
O resultado completo pode ser conferido no site da Friends of the Earth.
Pegada de carbono
Outro relatório, também publicado pela FOE, em 2023, alertou para a necessidade de reduzir as emissões dos navios de cruzeiro. De acordo com o documento, para um único passageiro num cruzeiro de sete dias, a pegada de carbono é de 300 kg por dia, considerando que duas pessoas ocupem uma cabine padrão. Em relação às emissões de GEE associadas, essa mesma pessoa é responsável pela emissão de 357.14 kg de CO2 por dia.
No entanto, no início de 2024 o maior cruzeiro marítimo, até então, foi inaugurado no porto de Miami, nos Estados Unidos. O destaque, além do tamanho, foi o uso de gás natural liquefeito (GNL) como combustível na embarcação. De acordo com a propaganda da empresa proprietária, o GNL é o “combustível marítimo de queima mais limpo disponível”.
Por outro lado, segundo a European Federation for Transport and Environment (T&E), o uso de GNL pode trazer problemas climáticos ainda maiores, já que o gás é composto essencialmente de metano. O metano também é um GEE, que em curto prazo se torna 80 vezes mais potente do que o CO2. Em longo prazo, é 30 vezes mais potente. De acordo com a T&E, a escolha mais ecológica para a substituição dos combustíveis fósseis em navios seria por meio da eletricidade originada por fontes renováveis, apontando que essa escolha, mesmo com seus desafios, seria uma forma mais promissora de descarbonizar o setor.