Por Kelly Levin, Sophie Boehm e Rebecca Carter em WRI Brasil – O novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) traça um cenário preocupante: as mudanças climáticas já afetam todas as partes do mundo, e impactos muito mais severos podem estar nos esperando se não reduzirmos as emissões de gases do efeito estufa pela metade ainda nesta década e não começarmos imediatamente a ampliar as medidas de adaptação.
Na sequência da primeira parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, a contribuição do Grupo de Trabalho II oferece uma análise profunda dos impactos cada vez mais intensos das mudanças no clima e dos riscos futuros, em particular para comunidades marginalizadas e países com poucos recursos. O relatório de 2022 do IPCC também detalha quais as abordagens de adaptação climática são mais efetivas e viáveis, bem como quais são os ecossistemas e grupos de pessoas mais vulneráveis.
A seguir, seis conclusões do relatório:
As mudanças climáticas já estão causando perturbações generalizadas em toda as partes do mundo com o aquecimento atual de 1,1°C.
Secas devastadoras, calor extremo e inundações recordes já ameaçam a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas. Desde 2008, inundações e tempestades catastróficas forçaram mais de 20 milhões de pessoas por ano a deixarem suas casas.
Hoje, metade da população mundial enfrenta insegurança hídrica em pelo menos um mês a cada ano. Incêndios florestais estão queimando áreas mais extensas do que antes em muitas regiões, levando a mudanças irreversíveis na paisagem. As temperaturas mais altas também facilitam a propagação de doenças transmitidas por vetores, como o vírus do Nilo Ocidental, a doença de Lyme e a malária, bem como doenças transmitidas pela água, como a cólera.
As mudanças climáticas também estão afetando espécies e ecossistemas inteiros. Animais como o sapo dourado e o melomys de Bramble Cay (um pequeno roedor) foram extintos pelo aquecimento global. Outras espécies, como a raposa voadora, as aves marinhas e os corais, estão morrendo em massa, enquanto outros milhares migraram para latitudes e altitudes mais altas.
Mesmo se o mundo passar por um rápido processo de descarbonização, os gases de efeito estufa que já estão na atmosfera e as atuais tendências de emissões ainda terão impactos climáticos inevitáveis significativos até 2040. O IPCC estima que, apenas ao longo da próxima década, as mudanças climáticas vão colocar entre 32 milhões e 132 milhões de pessoas na pobreza extrema. O aquecimento global colocará em risco a segurança alimentar e aumentará a incidência de doenças cardíacas, dificuldades com a saúde mental e de mortes relacionadas ao calor.
Em um cenário de altas emissões, por exemplo, os riscos também mais altos de inundações podem levar a um adicional de 48 mil mortes de crianças de até 15 anos em decorrência de diarreia em 2030. Espécies e ecossistemas passarão por mudanças dramáticas, como as áreas de mangue se tornando incapazes de conter o aumento do nível do mar, declínio das espécies dependentes do gelo marinho e mortes de árvores em larga escala.
O relatório mostra que cada décimo de grau de aquecimento aumenta as ameaças às pessoas, espécies e ecossistemas. Mesmo o limite de 1,5°C – uma meta global do Acordo de Paris – não é seguro para todos.
Por exemplo, com 1,5°C de aquecimento, muitas geleiras em todo o mundo vão desaparecer por completo ou perder a maior parte de sua massa; um adicional de 350 milhões de pessoas enfrentarão escassez de água até 2030; e até 14% das espécies terrestres estarão em risco de extinção.
De forma semelhante, se o aquecimento passar de 1,5°C, mesmo que temporariamente, efeitos muito mais severos e até irreversíveis vão acontecer, como tempestades mais fortes, secas e ondas de calor mais longas, níveis mais extremos de chuva, o rápido aumento do nível do mar, perda de gelo no mar Ártico e das camadas de gelo, derretimento do permafrost, entre outros. Ultrapassar o limite de 1,5°C também aumenta a probabilidade de eventos de alto impacto, como a morte massiva de florestas, o que transformaria sumidouros essenciais de carbono em fontes de emissão carbono.
O IPCC prevê que esses riscos se misturem uns aos outros à medida que diversas catástrofes ocorrerem ao mesmo tempo e nas mesmas áreas. Em regiões tropicais, por exemplo, os efeitos combinados do calor e da seca podem desencadear perdas repentinas e significativas nos rendimentos agrícolas. Ao mesmo tempo, a mortalidade relacionada ao calor aumentará ao passo que a produtividade diminuirá, de forma que as pessoas não estarão aptas a trabalhar mais para superar as perdas causadas pela seca. Juntos, esses impactos vão diminuir a renda das famílias ao mesmo tempo em que aumentam os preços dos alimentos – uma combinação devastadora que afeta a segurança alimentar e intensifica riscos de saúde como a desnutrição.
Atualmente, 3,3 bilhões de pessoas vivem em países altamente vulneráveis aos impactos climáticos, com hotspots globais concentrados nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, Ártico, Sul da Ásia, América Central, América do Sul e em grande parte da África Subsaariana.
Desigualdade, conflitos e desafios de desenvolvimento como a pobreza, governança ineficiente e acesso limitado a serviços básicos, como saúde, não apenas aumentam a exposição aos perigos como restringem a habilidade das comunidades de se adaptar às mudanças climáticas. Em nações altamente vulneráveis, por exemplo, a mortalidade em decorrência de secas, tempestades e inundações entre 2010 e 2020 foi 15 vezes maior do que em países de baixa vulnerabilidade.
A exposição aos impactos climáticos subiu drasticamente nas cidades desde a publicação do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, em 2014. Os aumentos mais rápidos na vulnerabilidade urbana se deram em assentamentos informais, nos quais condições precárias de habitação, acesso inadequado a serviços básicos e recursos limitados impedem esforços de resiliência. O desafio é especialmente acentuado na África Subsaariana, onde 60% da população urbana mora nesses assentamentos, e na Ásia, com 529 milhões de pessoas vivendo nas mesmas condições.
Muitas comunidades rurais também enfrentam riscos climáticos crescentes, em particular povos indígenas e as pessoas cujos meios de subsistência dependem de setores diretamente expostos aos riscos, como agricultura, pesca e turismo. À medida que os impactos climáticos se tornarem mais intensos, algumas famílias podem não ter outra escolha a não ser migrar para os centros urbanos. O IPCC prevê que, até 2030, secas extremas na região amazônica vão impulsionar a migração para as cidades, onde povos indígenas e comunidades tradicionais tendem a ser forçados a viver à margem.
Esses padrões de desenvolvimento urbano e rural não apenas moldam experiências desiguais aos riscos climáticos, mas também tornam os próprios ecossistemas mais vulneráveis. Mudanças no uso da terra, fragmentação de habitats, poluição e exploração de espécies estão enfraquecendo a resiliência ecológica. E a perda de ecossistemas, por sua vez, amplia a vulnerabilidade das pessoas.
Cidades que se expandem por zonas úmidas costeiras, por exemplo, promovem a degradação de ecossistemas que, de outra forma, ajudariam a proteger os bairros próximos a essas áreas da elevação do nível do mar, de tempestades e de inundações. Essas ameaças podem ter efeitos misturados e em cascata na saúde, na segurança alimentar, no acesso à agua potável e nos meios de subsistência dos moradores, o que os torna ainda mais vulneráveis a riscos futuros.
As políticas climáticas de pelo menos 170 países agora incluem a adaptação, mas muitos deles ainda precisam passar do planejamento para a implementação. O IPCC mostra que os esforços atuais ainda são, em grande parte, incrementais, reativos e de pequena escala, com a maioria focada apenas nos impactos atuais ou nos riscos de curto prazo. A lacuna entre os níveis de adaptação atuais e os necessários persiste, devido em grande parte ao apoio financeiro limitado. O IPCC estima que a adaptação necessária apenas nos países em desenvolvimento vai chegar a US$ 127 bilhões até 2030 e a US$ 295 bilhões até 2050. No momento, a adaptação representa apenas entre 4% e 8% do financiamento climático mensurado, que totalizou US$ 579 bilhões entre 2017 e 2018.
A boa notícia é que alternativas já existentes de adaptação podem reduzir os riscos climáticos se obtiverem recursos suficientes e forem implementadas mais rápido. O relatório do IPCC de 2022 inova ao analisar a viabilidade, eficácia e potencial de diversas medidas de adaptação de gerar cobenefícios, como melhores resultados de saúde ou redução da pobreza.
Três abordagens de adaptação avaliadas são:
Com o aquecimento de 1,1°C que o mundo já vive, algumas populações e ecossistemas altamente vulneráveis começam a chegar ao limite daquilo a que podem se adaptar. Em algumas regiões, esse limite é “suave” – medidas efetivas de adaptação existem, mas determinadas dificuldades políticas, econômicas e sociais entravam a implementação, como o acesso limitado a financiamento. Em outras, porém, pessoas e ecossistemas já enfrentam ou estão perto de chegar a limites mais “duros” para adaptação, em áreas onde os impactos climáticos já são tão severos que nenhuma medida de adaptação existente pode prevenir as perdas e danos. Por exemplo, algumas comunidades costeiras de regiões tropicais perderam ecossistemas inteiros de recifes de corais que ajudavam a manter sua segurança alimentar e meios de subsistência. Outras tiveram que abandonar áreas mais baixas e espaços culturais com o aumento do nível do mar.
Independentemente de enfrentar limites duros ou mais suaves, o resultado para essas comunidades é devastador e com frequência irreversível. As perdas e danos só vão aumentar à medida que as temperaturas subirem. Se o mundo aquecer para além de 1,5°C, por exemplo, comunidades que dependem do derretimento do gelo e das geleiras vão enfrentar uma escassez de água à qual não poderão se adaptar. A um aquecimento de 2°C, o risco de falhas simultâneas na produção de milho nas principais regiões de cultivo aumentará de forma significativa. E, acima de 3°C, o calor do verão em algumas áreas do sul da Europa será perigosamente alto.
A ciência não deixa margem para dúvidas: as mudanças climáticas colocam em perigo o bem-estar das pessoas e do planeta. Agir com atraso é um risco de deixar que aconteçam impactos tão catastróficos que tornarão nosso mundo irreconhecível.
Os próximos poucos anos ainda oferecem uma janela estreita para um futuro sustentável e habitável para todos. Mudar o rumo exige esforços imediatos, ambiciosos e coordenados para reduzir emissões, construir resiliência, conservar os ecossistemas e aumentar drasticamente o financiamento para adaptação e perdas e danos.
A COP27, que será realizada no Egito em novembro de 2022, é uma oportunidade crucial para os governos avançarem nessas frentes e para os países desenvolvidos demonstrarem solidariedade com as nações vulneráveis.
Enfrentar a crise climática não vai ser fácil. Os governos, a sociedade civil e o setor privado devem todos se comprometer. Como o relatório do IPCC deixa claro, não há outra opção.
Artigo publicado originalmente no WRI Insights.
Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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