Incorporando materiais naturais na engenharia costeira

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Por Elisa Mitsue Yokemura e Eduardo Puhl, do Jornal da Universidade – UFRGS | O desenvolvimento sustentável reconhece que os recursos naturais são finitos e que é dever dos estados articularem formas de garantir que o consumo desses materiais hoje não comprometa os recursos para as necessidades futuras. Sendo assim, ao optar por um desenvolvimento sustentável, o país precisa buscar soluções que prezem pela qualidade, e não pela quantidade, garantindo que haja economia no uso da matéria-prima e aumento da reutilização. 

É nesse contexto que surge o conceito de Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Quando SBNs são utilizadas na engenharia, promovem a incorporação de materiais naturais nas soluções já conhecidas. Dessa forma, agregam-se vantagens como, por exemplo, maior facilidade de adaptação do ambiente à estrutura, reciclagem de materiais locais, menor consumo de materiais e consequentemente menores custos. 

Foi com o objetivo de estudar uma SBN que a aluna de engenharia civil, hoje mestranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, Elisa Yokemura e seu professor orientador, Eduardo Puhl, iniciaram uma pesquisa no Núcleo de Estudos de Correntes de Densidade (NECOD) do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), utilizando uma estrutura costeira feita de resíduos de conchas de ostras. 

A pesquisa estuda o desempenho de estruturas armadas em telas flexíveis e vazadas (chamadas gabiões) de 50 centímetros de diâmetro, feitas com tela plástica e preenchidas com conchas de ostras recicladas. Os gabiões, quando empilhados numa estrutura, possuem a função de reduzir a energia das ondas, como os tradicionais quebra-mares. Essas estruturas podem servir para projetos de recuperação de áreas costeiras degradadas por ocupação irregular ou pelo desmatamento da vegetação costeira. A solução evita que os sedimentos (areia ou argila) sejam carregados para longe da costa, e a redução da agitação das ondas ajuda a vegetação local a se reestabelecer. 

Quando comparada à estrutura costeira tradicional (geralmente feita de rochas ou concreto), o gabião de conchas tem a vantagem de também servir como recifes artificiais, permitindo que moluscos vivos se prendam à estrutura de conchas. Além de formar, assim, um habitat favorável à diversidade aquática do local, com o passar do tempo a estrutura tenderá a ser cada vez mais eficiente na proteção do ambiente.

Finalmente, em um cenário em que o nível médio dos oceanos está aumentando, a estrutura é vantajosa, uma vez que é adaptável a essa mudança de nível por possuir organismos vivos se desenvolvendo sobre ela. As estruturas tradicionais rígidas, ao contrário, acabam por se tornarem obsoletas nesse cenário.

A ideia de utilizar as conchas surgiu da necessidade de encontrar um novo uso para esse resíduo, uma vez que o estado de Santa Catarina é o maior produtor de ostras, mexilhões e vieiras do país, num volume de cerca de 15 mil toneladas/ano. Juntamente com o grande consumo desses produtos, vem a grande geração do resíduo, que é indevidamente lançado de volta ao mar. 

Os gabiões vêm sendo testados no laboratório desde então e já possuem bons resultados para a atenuação de ondas menores (com exceção de praias de mar aberto), ou seja, poderiam ser utilizados em locais protegidos, como lagunas, estuários, enseadas ou baías. A Baía da Babitonga (litoral norte de Santa Catarina) vem sendo bastante estudada por pesquisadores, devido a sua importância ambiental, pois possui hoje 80% da área total de mangue do estado. O problema é que, com as mudanças climáticas e a consequente subida do nível do mar, os manguezais necessitam migrar em direção ao continente, entretanto são barrados pelas construções antrópicas.  

O desempenho do trabalho e a sua relevância foram recentemente reconhecidos no XXXIV Salão de Iniciação Científica da Universidade, garantindo o Prêmio de Jovem Pesquisador à aluna Elisa. Além disso, está concorrendo também ao prêmio Maccaferri, que ocorrerá no XXX Congresso Latino-Americano de Hidráulica, em novembro em Foz do Iguaçu.

A pesquisa segue em andamento com o objetivo de aprimorar a estrutura para que ela possa futuramente ser utilizada em escala real como uma Solução Baseada na Natureza. Para tanto, o trabalho conta com a contribuição de pesquisadores da UFSC (Laboratório de Moluscos e do Laboratório de Oceanografia Costeira) e da Univille (Departamento de Biologia Marinha).

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Universidade de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

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