A crescente intensidade e frequência dos incêndios florestais no Brasil – especialmente na última quinzena – e no mundo, consequência de atos criminosos, das mudanças climáticas e da má gestão ambiental, têm evidenciado a necessidade de abordagens inovadoras para mitigar seus impactos devastadores. Nesse contexto, especialistas sugerem que povos que vivem modos de vida indígenas são os mais bem preparadas para liderar o manejo sustentável do fogo.
De acordo com cientistas florestais e profissionais de combate a incêndios, em artigo publicado na revista Nature, duas fontes de conhecimento que são frequentemente negligenciadas são essenciais para o manejo do fogo: a administração do fogo liderada por indígenas e os avanços tecnológicos na aquisição de dados.
Segundo os pesquisadores, a supressão total do fogo, como forma de gerenciar ecossistemas, é ineficaz. O exemplo do Parque Nacional Jasper, no Canadá, atingido por um dos maiores incêndios florestais de sua história em julho deste ano, evidencia a fragilidade de políticas tradicionais que visam apenas extinguir o fogo. Cientistas florestais argumentam que, em vez de suprimir o fogo, é necessário integrá-lo de forma controlada e planejada, em um processo chamado queima controlada. Nessa abordagem, a inclusão do conhecimento ancestral indígena, especialmente no contexto brasileiro, pode ser uma ferramenta importante.
Os povos indígenas no Brasil, assim como em outras partes do mundo, há séculos utilizam o fogo como ferramenta de manejo florestal, de forma equilibrada e em harmonia com a natureza. Essas práticas culturais de queima são usadas para diversos fins, como limpar áreas para plantio, estimular a germinação de certas espécies vegetais e prevenir incêndios de grande escala por meio da redução de material combustível no sub-bosque. A queima prescrita também promove a biodiversidade, uma vez que muitas espécies vegetais dependem do calor do fogo para liberar suas sementes e florescer.
No Brasil, a devastação provocada por incêndios florestais tem afetado drasticamente a biodiversidade, além de ameaçar comunidades indígenas que vivem nessas regiões. Em muitos casos, essas comunidades são as primeiras a enfrentar os impactos dos incêndios, com a destruição de seus territórios e mudanças em seus modos de vida. Ao mesmo tempo, são elas que possuem o conhecimento necessário para controlar e prevenir esses eventos.
O manejo do fogo, quando liderado por indígenas, é capaz de aliar práticas tradicionais à sustentabilidade, respeitando o ciclo natural dos ecossistemas e as necessidades das populações locais. Essas práticas, no entanto, não devem ser apenas apropriadas pelas políticas públicas sem a devida participação ativa das comunidades indígenas. É essencial que esses povos estejam à frente do processo decisório e que suas práticas sejam incorporadas de maneira respeitosa e contextualizada.
Apesar das evidências de que o manejo indígena do fogo pode ser uma solução eficaz para reduzir o risco de incêndios descontrolados, há resistências. Críticos apontam os riscos de “fugas” de incêndios controlados que possam atingir áreas além do previsto, principalmente em um contexto de mudanças climáticas que tornam o clima mais quente e seco. Além disso, questões sobre quem deve liderar e supervisionar essas práticas ainda são fonte de debate.
Contudo, especialistas defendem que os benefícios do manejo proativo do fogo superam os riscos, especialmente quando combinado com tecnologias modernas, como drones e satélites. O uso dessas ferramentas tecnológicas permite monitorar áreas de risco e aumentar a segurança nas operações de queima controlada.
Para que o Brasil avance na integração das práticas indígenas de manejo do fogo, é necessário fortalecer a capacidade dessas comunidades de participar ativamente na gestão florestal. Isso requer não apenas maior comunicação entre os profissionais indígenas e as agências de combate a incêndios, mas também investimentos contínuos em treinamento conjunto e cooperação.
A liderança indígena no manejo do fogo é uma oportunidade de reverter os danos provocados por séculos de políticas florestais baseadas na supressão total dos incêndios. Ao reconhecer o valor do conhecimento ancestral e combiná-lo com tecnologias modernas, o Brasil pode reduzir os impactos dos incêndios florestais e fortalecer a resiliência de seus ecossistemas e comunidades locais.
A gestão dos incêndios florestais no Brasil precisa de uma abordagem holística e inclusiva, que reconheça a importância das práticas indígenas de manejo do fogo. O conhecimento ancestral dessas comunidades, combinado com o uso de tecnologias avançadas, pode ser a chave para proteger as florestas e seus habitantes, garantindo a preservação de ecossistemas valiosos e o sustento cultural e ecológico das populações indígenas.