Indígenas norte-americanos: quem são e de onde vieram

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Os indígenas norte-americanos fazem parte dos povos originários descendentes dos primeiros habitantes que já viviam na América do Norte, muito antes da chegada dos colonizadores.

A América do Norte, composta por México, Estados Unidos e Canadá, soma mais de 600 etnias indígenas que ainda resistem nos tempos atuais. Isso porque grande parte dos povos nativos foi dizimada com os processos de colonização, e com os indígenas norte-americanos não foi diferente. 

São milhares de etnias espalhadas pelo mundo. Cada povo tem sua própria cultura, além de sua história e experiências acumuladas ao longo de milênios. Por outro lado, todos esses povos têm em comum a forte repressão que sofreram ao longo dos séculos. Seus representantes ainda resistem, apesar de sofrerem uma série de questões sociais associadas à falta de políticas públicas, além da discriminação e intolerância, por parte da sociedade. Outro agravante está relacionado aos conflitos envolvendo, principalmente, a invasão e degradação de seus territórios. 

Quais são os povos indígenas norte-americanos?

Canadá

O Canadá, extremo norte do continente americano, reconhece a existência de três povos indígenas: os Inuit, os Métis e as “Primeiras Nações” (também referidos, no país, como Indians). 

Em sua língua Inuktut, Inuit significa “as pessoas”. Já os Métis são comunidades indígenas miscigenadas. Esses povos surgiram por volta de 1600, no leste canadense, com a chegada dos exploradores europeus. Os Métis surgiram, de modo geral, da união de mulheres indígenas e homens europeus.

Crianças Inuit, Canadá, 1925 / Foto de Captain George E. Mack, sob domínio público no Picryl

As Primeiras Nações remetem aos primeiros povos, aqueles que chegaram ao continente americano por volta de 15 mil anos atrás. 

Apesar de representarem os povos originários das terras canadenses, o país, assim como tanto outros, tem um passado sombrio, de tortura e forte repressão com os povos indígenas.

Em maio de 2021, veio a público a descoberta dos restos mortais de 215 crianças indígenas, no local onde funcionava um antigo internato, na Colúmbia Britânica. Esse tipo de escola existia em várias partes do país. Eram coordenadas por igrejas e financiadas pelo governo canadense. Seu principal objetivo era suprimir a cultura e erradicar as línguas indígenas.

Ao longo do século 20, existiam, pelo menos, 139 internatos no Canadá. A estimativa é de que 150 mil crianças indígenas foram obrigadas a frequentar esses recintos. 

Estados Unidos

Os Estados Unidos contam com 574 povos originários reconhecidos nacionalmente. Esses povos são denominados tribos, nações, bandos, pueblos, comunidades e aldeias nativas. Cerca de 229 etnias estão situadas no Alasca, o restante está espalhado por 35 estados norte-americanos. 

Os povos indígenas Apache, por exemplo, foram os povos que resistiram aos ataques de colonizadores por mais tempo. Já os povos Comanche são famosos na história (e até no cinema) pelo uso de cavalos em batalhas.

Povos Comanche / Imagem de Benjamin A. Gifford, sob domínio público, no Wikimedia Commons

México

O México tem cerca de 68 comunidades de povos indígenas. Uma estimativa, divulgada pela Comisión Nacional para el Desarrollo de los Pueblos Indígenas, mostrou que pouco mais de 20% da população nacional se identifica como indígena. 

Duas de suas etnias, conhecidas mundialmente, são relacionadas aos povos Maia e Asteca. Suas ricas culturas atraem turistas e fomentam a economia local. 

Os Astecas formaram uma sociedade organizada e desenvolvida. Praticavam a policultura, eram ótimos arquitetos, confeccionavam tecidos e objetos em ouro. Desenvolviam a matemática e a astronomia. 

No início do século XVI, esses povos tinham cerca de 500 cidades, que juntas formavam o Império Asteca. Dentre os povos originários das Américas, os Astecas figuram como os povos mais desenvolvidos dentre os ameríndios (povos originários das Américas).

Entretanto, o início do século também foi marcado pelo fim do Império Asteca, graças à invasão espanhola.

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Como os indígenas chegaram à América do Norte?

Uma série de estudos, coordenados pela bióloga e geneticista brasileira Tábita Hünemeier, mostra que os primeiros povos chegaram às Américas em mais de um fluxo migratório.

Homo Sapiens

A história é longa e aconteceu muito tempo atrás. No início de tudo, os Homo sapiens (H. sapiens) teriam convivido com os Homo erectus (extintos há 100 mil anos) no continente africano e também com os neandertais (H. neanderthalensis), no continente europeu. 

É provável que os sapiens e os neandertais dividiam o mesmo ancestral, mas passaram a se diferenciar há 400 mil anos e os neandertais foram extintos por volta de 30 mil anos atrás. Há cerca de 70 mil anos, os sapiens teriam começado a explorar novos continentes, saindo da África. 

Sendo assim, os H. sapiens teriam chegado à Ásia por volta dessa época. Dali, parte se dissipou para a Austrália há 50 mil anos e outra parcela migrou para a Europa cerca de 10 mil anos depois, inclusive povoando suas zonas polares. 

Algumas ilhas do sul da Indonésia até Nova Caledônia, Fiji e as redondezas, no oceano Pacífico, foram povoadas há 30 mil anos.

A região da Eurásia passou a ser habitada pelos H. sapiens há cerca de 25 mil anos. Depois disso, veio a vez das Américas. 

Beríngia

Cerca de 15 mil anos atrás, esses povos atravessaram da Sibéria para o Alasca, pela Beríngia. A Beríngia era uma passagem de terra, onde hoje é o Estreito de Bering

Estreito de Bering / Imagem do Google Earth, ©2024 Data SIO, NOAA, U.S. Navy, NGA, GEBCO IBCAO, Data LDEO-Columbia, NSF, Landsat & Copernicus

Pesquisadores sugerem que a Beríngia passou a ser ocupada entre 15 mil e 13.6 mil AP (antes do presente). “Antes do presente” é uma forma de marcar o tempo, utilizada na arqueologia e geologia, por exemplo, e considera o ano 1950 como referência para o cálculo. 

Essa ocupação teria ocorrido por povos conhecidos como Siberianos Antigos do Norte (ANS, da sigla em inglês). Geneticamente, os ANS apresentam semelhanças com os povos atuais do norte da Europa e também com os povos originários das Américas. Isso não acontece com outros povos euroasiáticos.  

Sendo assim, a mistura genética dos ANS e de um povo do leste da Ásia pode ter formado, no mínimo, duas linhagens diferentes. Uma delas gerou os Paleo Siberianos antigos, ancestrais dos habitantes atuais da região nordeste da Sibéria. A outra linhagem gerou os ancestrais dos povos nativos das Américas, os ameríndios. 

Rotas alternativas

No entanto, durante o Último Máximo Glacial (UMG), que é o período glacial que ocorreu por volta de 20 mil anos atrás, a Beríngia não dava acesso às terras americanas, por conta de grandes geleiras continentais. Isso traz a possibilidade de migrações por rotas alternativas. 

Uma das possibilidades é a travessia do oceano Pacífico. A outra, seria por meio de um corredor, livre de gelo, nas Montanhas Rochosas, na América do Norte, em diferentes períodos da história.

Além disso, após o período do UMG, por volta de 12 mil anos atrás, os primeiros povos americanos se dispersaram pelo continente, chegando à América do Sul.

Novas descobertas sobre os indígenas norte-americanos

A genética é uma ferramenta importante para ajudar a revelar um pouco mais da história dos povos antigos. Uma pesquisa, publicada pela Science, mostrou o resultado de um estudo genético, que buscou rastrear a linhagem dos povos indígenas, nativos da América do Norte, conhecidos popularmente como Blackfoot (pé preto, em livre tradução).

Povos Blackfoot

De acordo com a Confederação SiksikaitsitapiBlackfoot, as etnias Kainai-Blood, Siksika, Peigan-Piikani e Aamskapi Pikuni são as quatro nações que participam do que os indígenas chamam de Conselho Tribal, que tem como objetivo lutar por direitos e buscar por melhorias na qualidade de vida da população indígena Blackfoot

Os Blackfeet (pés pretos, no plural), como são chamados os indígenas, são conhecido como “filhos da planície”, caçadores de bisão, que habitavam o território que se iniciava no rio North Saskatchewan, que cruza as províncias de Alberta e Saskatchewan, no Canadá, se estendendo até o rio Yellowstone, em Montana, nos Estados Unidos.

Território Blackfoot / Imagem do Google Earth, ©2024 Data SIO, NOAA, U.S. Navy, NGA, GEBCO IBCAO, Data LDEO-Columbia, NSF, INEGI, Landsat & Copernicus

Origem no nome

De acordo com a Universidade de Montana, nos Estados Unidos, esses povos foram batizados como “pé preto”, pela cor de seus mocassins, que acabaram enegrecidos por conta do longo caminho que os indígenas percorreram quando, forçados pela invasão dos colonizadores, precisaram abandonar suas terras ancestrais. 

O livro The Old North Trail – Life, Legends and Religion of the Blackfeet Indian, publicado em 1910, pelo fotógrafo e pesquisador da cultura Blackfoot, Walter McClintock, reforça a história. Desse modo, os mocassins eram “tingidos” pelo solo, que era de terra escura e fértil, durante o deslocamento dos indígenas para o Sul.

Tipis (tendas) do povo Blackfoot / Fotografia tirada no início do século 20 por Walter McClintock, colorida à mão por Charlotte Pinkerton, publicada pela Beinecke Library sob CC BY 2.0, no Flickr 

No entanto, essa não é a única versão. A pesquisadora Petra Tůmová, em sua tese The Blackfoot Tribe: The Past and the Present of American Indian Tribe, sugere que o termo tenha sido atribuído por comerciantes franceses, que atravessavam as pradarias norte-americanas quando avistaram, pela primeira vez, os Blackfoot, que tinham as barras das calçadas escurecidas. Assim, os franceses passaram a se referir aos indígenas como “black feet”.

A terceira versão, também apontada por Tůmová, é de que a origem da expressão vem dos cascos pretos dos bisões, adorados por esses povos nativos.

Homem e mulher do povo Blackfoot / Fotografia tirada no início do século 20 por Walter McClintock, colorida à mão por Charlotte Pinkerton, publicada pela Beinecke Library sob CC BY 2.0, no Flickr

Direitos históricos dos indígenas norte-americanos

Assim como ocorre em outras partes do mundo, com diversas comunidades indígenas, a invasão de suas terras e os atritos gerados pelo avanço de práticas de degradação ambiental, em prol do lucro, também atinge os Blackfoot. No caso desses povos, suas terras são alvo da indústria petrolífera.

Segundo a publicação da Science, provar a herança genética dos atuais descendentes dos Blackfoot ajuda a compreender melhor a história dos indígenas norte-americanos e, mais ainda, é uma forma de buscar a reparação dos direitos históricos dos nativos, principalmente no que diz respeito às suas terras.

O estudo realizou a sequência dos genomas de sete ancestrais e seis descendentes vivos. O material dos ancestrais foi coletado de materiais recuperados em sítios arqueológicos, localizados nos antigos territórios indígenas, conhecidos pela história. 

O resultado dos testes apontou a continuidade genética dos povos nativos com os atuais representantes dos Blackfoot. Ainda, o estudo mostrou que os indígenas pertencem a uma linhagem de aproximadamente 18 mil anos, reforçando a localização das terras tradicionais dos Blackfoot, antes da invasão européia. 

De acordo com os pesquisadores, estudos genômicos acerca dos povos indígenas vão além do fornecimento de informações históricas, sendo uma ferramenta para que essas comunidades possam ter seus direitos históricos garantidos, sejam eles sociais, educacionais, jurídicos ou políticos.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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