“Acampamento Luta pela Vida” mobiliza povos originários de diversas partes do país, que voltam à capital federal para fazer valer a Constituição
Povos originários de diversas partes do país ocupam novamente Brasília. Desta vez, no “Acampamento Luta pela Vida”, que ocorre entre 22 e 28 de agosto. “A expectativa está grande. Até agora, a confirmação para essa mobilização está próxima de 4.700 indígenas”, afirma Kretã Kaingang, um dos coordenadores regionais da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para quarta-feira (25) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata de demarcações de terras e teve repercussão geral reconhecida pela Corte. Sendo assim, o que ficar decidido agora influenciará as próximas decisões judiciais sobre o tema.
Nesse recurso está embutido o marco temporal, argumento defendido por ruralistas, segundo o qual somente teriam direito a terras os povos que as ocupavam ou disputavam antes de 5 de outubro de 1.988, data da promulgação da Constituição Federal.
Mas, no capítulo VIII, a Constituição garante aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e o usufruto das terras que tradicionalmente ocupam. Por esse motivo, as organizações indígenas ressaltam que o marco temporal, como querem os ruralistas, é inconstitucional.
“O Supremo tem empurrado a decisão sobre o marco temporal e nos deixado inseguros sobre a demarcação de nossas terras”, reclama Kretã Kaingang. O julgamento do RE 1.017.365 chegou a ser iniciado no dia 11 de junho, mas foi suspenso. “Todos os processos fundiários de terras indígenas no Brasil estão paralisados desde 2019”, acrescenta o coordenador regional da Apib, pontuando que as exceções nesse período foram resultado de ordens judiciais.
Se forem confirmadas as expectativas de Kretã Kaingang, o movimento de agosto será maior do que o “Levante pela Terra”, realizado de 8 a 28 de junho, quando cerca de 3.500 indígenas passaram por Brasília, conforme estimativas da Apib. Naquela ocasião, os indígenas foram rechaçados por bombas de efeito moral e gás de pimenta, na sede da Funai, e na Câmara dos Deputados. Pelo menos cinco indígenas e policiais ficaram feridos.
“Estamos em um momento bastante difícil. Enfrentamos o Projeto de Lei 490/07, que passou na Comissão de Constituição e Justiça em junho e agora está no Senado, além do PL 191/2020, que permite mineração em terras indígenas, e do PL da Grilagem”, destaca Kretã Kaingang.
O PL 490/07 transfere a demarcação de territórios do Executivo para o Legislativo. Já o PL 191/2020 regulamenta a mineração em terras indígenas. O PL da Grilagem é o PL 2633/2020, criticado por enfraquecer controles sobre a ocupação de terras públicas, abrindo caminho para anistiar grileiros e criminosos ambientais, que invadem territórios tradicionais. Enquanto isso, avançam as contaminações por mercúrio, assassinatos de indígenas e queimadas e o desmatamento bate recordes sucessivos.
Se os projetos forem aprovados na Câmara e Senado, os indígenas deverão ingressar com ações de inconstitucionalidade no STF, pois serão violadas cláusulas pétreas da Constituição. Mudanças nesse sentido só seriam possíveis caso fosse promulgada uma nova Constituição.