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O conceito de insegurança alimentar engloba disponibilidade, instabilidade, acesso e utilização de alimentos

A insegurança alimentar é uma situação em que a população de um país ou região não tem acesso físico, social e econômico a recursos e alimentos nutritivos que atendam às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável.

O conceito de insegurança alimentar tem base na ideia de segurança alimentar. Esta última teve origem a partir da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, a Europa estava devastada e sem condições de produtividade alimentar. Entretanto, as definições de segurança alimentar podem variar.

Entenda o que é segurança alimentar
Entenda o que é Soberania Alimentar

De acordo com documento aprovado na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e incorporado na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) (Lei nº 11.346, de 15 de julho de 2006), a segurança alimentar é definida da seguinte maneira:

A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.”

Qual a diferença entre fome e insegurança alimentar?

É comum confundir os conceitos de fome e insegurança alimentar. Isso porque ambos violam o direito humano de ter acesso a uma alimentação adequada. Passar fome por falta de acesso regular é se encontrar em situação de insegurança alimentar. No entanto, uma pessoa que se encontra em estado de insegurança alimentar não necessariamente passa fome. 

A fome, de acordo com a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), é uma sensação física dolorosa ou desconfortável causada pelo consumo insuficiente de alimentos. Esta sensação se torna crônica quando a pessoa não consome de forma regular a quantidade de calorias suficiente para levar uma vida normal, ativa e saudável.

Ainda que a pessoa não passe fome, ela ainda pode se encontrar em situação de insegurança alimentar, pois existem diferentes graus de intensidade desta situação assim como existem diversas dimensões para o problema.

Dimensões e causas da insegurança alimentar

Dentro da definição de segurança alimentar da FAO, é possível interpretar quatro dimensões que podem gerar insegurança alimentar: disponibilidade, estabilidade, acesso e utilização. Entenda.

Disponibilidade

A primeira dimensão refere-se à disponibilidade de alimentos suficiente. Ou seja, à capacidade geral do sistema agrícola de atender à demanda de alimentos.

Essa disponibilidade depende de condições agroclimáticas e de toda a gama de fatores socioeconômicos e culturais que determinam onde e como os agricultores atuam.

Instabilidade

Já a instabilidade se refere à possibilidade de haver risco de perda temporária ou permanente de acesso aos recursos necessários para a alimentação. Sejam estes riscos renda insuficiente ou falta de reservas. A gentrificação climática pode ser uma das causas da insegurança alimentar.

Trabalhadores agrícolas sem terra, por exemplo, podem ficar sem salário em casos de variabilidade climática. Situações de escassez de chuvas ou quando há aumento do custo de vida em decorrência de mudanças climáticas são alguns exemplos.

A instabilidade também é presente em casos de trabalhadores sem terra precarizados. Aqueles que não contam com seguro contra doença, por exemplo, podem ficar sem salário quando não estão aptos a trabalhar.

Acesso

O acesso diz respeito à distribuição de recursos e direitos para aquisição adequada de alimentos para uma dieta nutritiva.

Os alimentos podem estar disponíveis, mas as populações pobres podem não ter acesso a eles. Esta falta de acesso pode ser por problemas de renda ou devido a outros fatores como conflitos internos, ação de monopólios ou mesmo desvios de dinheiro público.

Nesse contexto, os direitos são definidos como o conjunto de mercadorias sobre as quais uma pessoa pode ter, dados os arranjos legais, políticos, econômicos e sociais da comunidade da qual ela é membro.

Portanto, uma chave é o poder de compra dos consumidores e a evolução dos rendimentos reais e preços dos alimentos. No entanto, esses recursos não precisam ser exclusivamente monetários, também podem incluir direitos tradicionais, por exemplo.

Utilização

A utilização abrange todos aspectos de segurança alimentar e qualidade da nutrição. Suas subdimensões são, portanto, relacionadas à saúde, incluindo as condições sanitárias em toda toda a cadeia alimentar.

Não é suficiente que alguém esteja recebendo o que parece ser uma quantidade adequada de comida se essa pessoa for incapaz de fazer uso da comida porque está sempre adoecendo, por exemplo.

Quais são os tipos de insegurança alimentar?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica o problema, a partir da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). A EBIA mensura a percepção das famílias quanto ao seu acesso aos alimentos em três tipos ou níveis: insegurança alimentar leve, moderada ou grave.

Quando leve, existe o receio com a quantidade e/ou qualidade dos alimentos disponíveis, refletindo uma preocupação em passar fome em um futuro próximo. Se moderada, a quantidade de comida para a família é restrita em qualidade e/ou quantidade. A insegurança alimentar grave representa a falta de alimento e consequente fome.

O que é segurança alimentar na agricultura?

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Foto: Monocultura de soja | Por James Baltz na Unsplash

A agricultura não pode ser somente voltada à produção de commodities, ela também deve servir para alimentar e gerar renda compartilhada.

E não basta que os produtos sejam vendidos a um preço baixo. Esses preços precisam incluir o pagamento decente a todos envolvidos na produção de alimentos.

Já existem esforços internacionais quanto a essa temática. A ODS 2 da Organização das Nações Unidas (ONU) busca erradicar a fome, assegurar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e fomentar a prática de agricultura sustentável. Essas ações conjuntas têm o potencial de adaptar as práticas agrícolas a uma realidade onde a segurança alimentar seja levada a sério.

Como as mudanças climáticas afetam a insegurança alimentar?

As mudanças climáticas afetam a agricultura e a produção de alimentos de formas complexas. Alterações nas condições agroecológicas afetam a produção e a distribuição de receitas financeiras. Portanto, a demanda por produtos agrícolas também é afetada.

Já mudanças na temperatura e na precipitação associadas com as emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, afetam a fertilidade do solo e o rendimento das colheitas.

Em áreas mais secas, por exemplo, os modelos climáticos preveem aumento da evapotranspiração e menor umidade do solo. Como resultado, algumas áreas cultiváveis podem se tornar inadequadas para o plantio e algumas pastagens tropicais podem se tornar cada vez mais áridas.

O aumento da temperatura também aumenta os tipos de pragas agrícolas e a capacidade dessas pragas sobreviverem ao inverno e atacar as colheitas da primavera.

Outra mudança importante para a agricultura é o aumento de concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2). Esse aumento pode ter efeitos positivos e/ou negativos em algumas culturas, como aumentar o acúmulo de biomassa e o rendimento final, por exemplo, ou diminuir a quantidade de nutrientes de determinado cultivo.

Um ciclo vicioso

A principal preocupação com as mudanças climáticas e a insegurança alimentar é que mudanças nas condições climáticas podem iniciar um ciclo vicioso onde doenças infecciosas causam ou agravam a fome, que, por sua vez, torna as populações afetadas mais suscetíveis a infecções e doenças. O resultado pode ser um declínio substancial na produtividade do trabalho e um aumento da pobreza e até da mortalidade.

Essencialmente, todas formas de manifestações das mudanças climáticas, sejam secas, temperaturas elevadas ou chuvas intensas, influenciam o aparecimento de doenças. E há evidências de que essas mudanças causem insegurança alimentar. Um relatório do IPCC enfatiza que elevadas temperaturas aumentarão a frequência de intoxicações alimentares, principalmente nas regiões temperadas.

Oceanos mais quentes podem contribuir para aumento de casos de intoxicação humana por moluscos, por exemplo. E também há evidências de que a variabilidade da temperatura afeta a incidência de doenças diarreicas.

Uma série de estudos descobriu que o aumento da temperatura está fortemente associado ao aumento de episódios de doença diarreica em adultos e crianças.

Da mesma forma, os impactos das inundações serão sentidos mais fortemente em áreas degradadas ambientalmente. Outras áreas vulneráveis são onde faltam infraestruturas públicas básicas, incluindo saneamento e higiene.

Isso vai aumentar o número de pessoas expostas a doenças transmitidas pela água (por exemplo, cólera). Assim, a capacidade de usufruir dos alimentos de maneira adequada diminui.

Insegurança alimentar no Brasil

De acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Agência Brasil, somente nos anos de 2017 e 2018 a insegurança alimentar atingiu atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros.

Nesses últimos anos, esse número equivale a 10,3 milhões de pessoas em situação de fome ou subnutrição, sendo 7,7 milhões moradores na área urbana e 2,6 milhões na rural.

Em 2022, foi publicado o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN). 

O inquérito mostrou que o segundo ano da pandemia de Covid-19 levou ao aumento das desigualdades sociais. Isso aconteceu devido a piora na crise econômica e do desmonte de políticas públicas. Com isso, em 2021, 58,7% da população brasileira (125,2 milhões de pessoas) se encontravam em algum grau de insegurança alimentar.

Estes dados refletem um retrocesso histórico. Isso porque o Brasil, entre os anos de 2004 a 2013 foi referência internacional no combate à fome. Em 2004 a porcentagem da população brasileira em situação de insegurança alimentar grave era de 9,5%. Esse número caiu para 6,6% em 2009 e 4,2% em 2013, mas em 2021 a porcentagem saltou para 15,5%.

Cor, gênero e posição geográfica da fome

A pesquisa revelou ainda que as regiões Norte e Nordeste apresentaram os maiores percentuais de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. O percentual foi de, respectivamente, 45,2% e 38,4%. Já o percentual da região Sul foi o menor, com 21,7% nesta situação. Além disso, pessoas que vivem na área rural são mais afetadas, com 18,6% dessas famílias em situação grave de insegurança alimentar.

Quando analisada a cor das famílias participantes da pesquisa, 65% dos lares chefiados por pessoas negras se encontravam em algum grau de restrição de alimentos. Nesta situação se encontravam 46,8% dos lares comandados por pessoas brancas.

O gênero também influencia no grau de insegurança alimentar, com situações piores em lares chefiados por mulheres: 19,3% destes convivem com a fome. Quanto às famílias que possuem homens como responsáveis, a fome afeta 11,9% destas.

O inquérito também mostrou que:

  • 18,1% dos lares com crianças menores de 10 anos passam fome
  • 33% das famílias com renda maior que um salário mínimo possuem algum nível de restrição de alimento
  • 36,1% das casas em que o chefe da família está em situação de desemprego passam fome
  • 53,8% das casas chefiadas por alguém com carteira de trabalho assinada possuem segurança alimentar
  • Dos 12% da população brasileira que vive em situação de insegurança hídrica, 42% passam fome.

Desta forma, fica claro que a insegurança alimentar e a fome não existem de forma isolada, mas são consequências da sobreposição de questões de desigualdades econômicas e sociais, além de questões raciais e de gênero.


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