Práticas tradicionais e inovações locais mostram que os povos originários são protagonistas na preservação da biodiversidade
A Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, abriga uma riqueza incalculável em biodiversidade e conhecimento. No entanto, a gestão de suas vastas terras e recursos frequentemente ignora a sabedoria acumulada por comunidades indígenas ao longo de milênios. Integrar sistemas de conhecimento indígenas e ciências ocidentais pode ser um caminho poderoso para enfrentar os desafios ambientais e climáticos atuais.
Os territórios indígenas cobrem cerca de 27% da Amazônia e são fundamentais para a conservação da biodiversidade e a prevenção do desmatamento. Estudos recentes revelam que essas áreas conservam mais de um terço das terras naturais remanescentes do planeta, oferecendo proteção crítica para espécies ameaçadas. Essa relação íntima entre comunidades indígenas e ecossistemas reflete uma visão holística do mundo, onde humanos, plantas, animais e elementos naturais coexistem como participantes interligados de um sistema vivo.
Ao contrário das práticas de conservação de base ocidental, que frequentemente tratam a biodiversidade como um conjunto de recursos a serem manejados, as comunidades indígenas enxergam a floresta como um tecido de relações sociais, ecológicas e espirituais. Por exemplo, entre os povos do alto Rio Negro, noções cosmopolíticas moldam práticas que garantem equilíbrio entre os domínios terrestre, aquático e aéreo. Tais visões contrastam com a perspectiva utilitarista predominante na política ambiental global, que tende a separar natureza e cultura.
Para além de proteger suas terras, as populações indígenas mantêm práticas que promovem a sustentabilidade, como a criação de solos de alta fertilidade, conhecidos como Terra Preta de Índio, e o manejo de sistemas agroflorestais. Essas inovações, aliadas à sua compreensão sobre dinâmicas ecológicas, desafiam a ideia colonial de que as florestas são “prístinas” ou intocadas. Arqueólogos, ecólogos e antropólogos agora reconhecem que muitas paisagens amazônicas foram moldadas por interações humanas ao longo de milênios.
Não é surpresa que cientistas estejam cada vez mais abertos à integração do conhecimento indígena em pesquisas e políticas de conservação. Iniciativas como o Painel Científico para a Amazônia (SPA) exemplificam esforços colaborativos entre acadêmicos e comunidades locais. Estruturado em três pilares – conservação e restauração de ecossistemas, desenvolvimento de uma bioeconomia inclusiva e fortalecimento da cidadania e governança amazônica – o SPA busca criar um futuro ecologicamente equilibrado e socialmente justo para a região.
Apesar desses avanços, muitas práticas de conservação continuam a marginalizar ou até deslocar povos indígenas de suas terras. Históricamente, estratégias como a criação de áreas estritamente protegidas ignoraram relações culturais e históricas entre humanos e outras espécies. Essa exclusão contrasta com a necessidade de um diálogo que respeite as bases epistemológicas dos conhecimentos tradicionais.
Indígenas possuem laboratórios únicos em suas comunidades, onde saberes são transmitidos e refinados. Esses espaços incluem festivais interculturais e cerimoniais que permitem trocas de conhecimento entre etnias. Especialistas locais, como xamãs, desempenham um papel vital, mediando relações entre seres humanos e os chamados “outros-humanos” – entidades que habitam aéreas, rios e florestas. Essas práticas revelam um profundo compromisso com a manutenção de redes complexas de interdependência.
Para avançar, é essencial adotar princípios que valorizem os saberes indígenas em seus próprios termos, sem subordiná-los à validação científica ocidental. Reconhecer que esses sistemas de conhecimento são empíricos, dinâmicos e altamente experimentais é um passo vital para construir uma ciência de conservação verdadeiramente interdisciplinar e inclusiva.
A urgência climática exige colaborações que transcendam fronteiras culturais e acadêmicas. Integrar perspectivas indígenas não é apenas uma questão de justiça histórica; é também um caminho eficaz para garantir que a Amazônia continue a ser um sistema vital para o equilíbrio ecológico do planeta.
Fonte: Science