Por Jennifer Ann Thomas em Mongabay Brasil —
Usinas hidrelétricas representam a maior fatia da matriz energética do Brasil – mais de 60% da geração de energia no país é por fonte hidráulica. A Amazônia representa grande parte dessa potência e mais de três centenas de novos projetos estão em fase de análise para serem construídos na região.
Um novo estudo, publicado na revista Science, mostrou que o uso de inteligência artificial pode ajudar a identificar os locais com as maiores vantagens e desvantagens para a construção de hidrelétricas. O diferencial é que o sistema considera o cenário geral de impacto tanto no contexto de novos empreendimentos quanto no dos já existentes, ao invés de pensar em cada obra individualmente.
Enquanto a energia hídrica é considerada limpa, com baixa emissão de gases de efeito estufa, a construção de usinas e os impactos ambientais e sociais causados no processo podem ser devastadores para o meio ambiente e comunidades tradicionais.
A pesquisa, conduzida pelo biólogo e professor da Universidade de Cornell (EUA), Alexander Flecker, desenvolveu um método para avaliar os prós e os contras relacionados à capacidade de uma hidrelétrica, ao impacto causado por ela e a um conjunto de critérios ambientais, como fluxo fluvial, transporte de sedimentos, conectividade fluvial e biodiversidade de peixes.
De acordo com Flecker, a principal diferença entre a abordagem proposta e o método de avaliação de barragem por barragem (quando cada obra é analisada separadamente) é que, no segundo caso, os estudos de impacto não consideram o quadro mais amplo de consequências que se acumulam ao longo do tempo com obras múltiplas, que podem se manifestar em escalas espaciais muito maiores do que as examinadas para barragens únicas.
“Às vezes, projetos podem aparentar ter menos impacto em pequena escala, mas raramente são vistos em soluções de escalas espaciais maiores”, disse. “Nossa abordagem é capaz de fazer uma análise retroativa e ilustrar os custos ambientais, ou os benefícios perdidos, do planejamento de barragem por barragem. Em alguns casos, a falta de planejamento coordenado revelou grandes benefícios perdidos.”
Atualmente, ao menos 158 hidrelétricas estão em funcionamento ou em construção nos cinco países que constituem 90% da Bacia Amazônica, e outros 351 projetos de novos empreendimentos estão em avaliação na mesma região.
Os autores do estudo destacaram que a distribuição existente e o potencial hidráulico são desiguais na distribuição do território amazônico: a maioria dos novos projetos está na região do Rio Tapajós, na Amazônia brasileira, ou na do Rio Marañón, na região dos Andes na Amazônia peruana.
Para o ecólogo e professor de Ciências Aquáticas e Pesqueiras da Universidade de Washington (EUA), Gordon Holtgrieve, que não participou do estudo conduzido por Flecker, a iniciativa oferece orientação para a formulação de políticas públicas. “As informações mostram qual configuração de barragens é a mais ou a menos impactante por uma perspectiva ambiental. Isso permite filtrar situações muito prejudiciais que deveriam ser evitadas”, disse.
Para Holtgrieve, uma das principais conclusões sobre o estudo é que nenhuma das configurações de barragem foi considerada boa dentro de todos os aspectos ambientais avaliados. “Isso significa que decisões difíceis precisam ser feitas, e essa pesquisa oferece novas informações sobre essas escolhas. Além disso, ficou evidente que atingir os melhores benefícios pelo menor custo demandará cooperação entre nações”, disse.
Ao mesmo tempo em que os resultados mostram que há maneiras de tomar decisões para que os impactos sejam os menores possíveis, a construção de hidrelétricas na Amazônia causou, e ainda causa, problemas ambientais e sociais históricos que colocam em xeque a continuidade desse modelo de desenvolvimento energético.
Para o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Philip Martin Fearnside, a ideia de criar brechas para barragens que, teoricamente, seriam boas tem consequências negativas que superam quaisquer benefícios que poderiam vir com as construções.
“Em vez de sugerir que barragens sejam construídas nos locais de menor impacto, defendo que deveríamos rejeitar qualquer usina amazônica com capacidade instalada acima de 10 megawatts”, disse.
Segundo Fearnside, a capacidade instalada de 10 megawatts é o limite mais comum na definição de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no mundo, aceito no Brasil até 2004. Nos anos seguintes, o padrão subiu para 50 megawatts, o que criou uma janela para a construção de barragens sem licenciamento federal, já que uma PCH pode ser licenciada pelos órgãos estaduais, que costumam ser menos rigorosos.
Em contrapartida, o fato é que há projetos sob análise, novas obras poderão ser aprovadas e, em princípio, serão realizadas em conformidade com a legislação atual. “Simplesmente não é possível que 8 bilhões de pessoas vivam no planeta com alta qualidade de vida sem significativa degradação ambiental”, disse Holtgrieve. “As verdadeiras questões são: ‘como minimizar o impacto ambiental enquanto provemos saúde para sociedades humanas estáveis?’ e ‘do que estamos dispostos a abrir mão para preservarmos os importantíssimos serviços ecossistêmicos prestados para as pessoas?’”.
Para a cientista da computação e diretora do Instituto de Sustentabilidade Computacional da Universidade de Cornell, Carla Gomes, que participou do estudo, há um certo nível de represamento que providencia altos ganhos, em temos de geração de energia e desenvolvimento econômico, a um custo aceitável de impactos ambientais.
Ao pensar em hidrelétricas na Amazônia, um dos exemplos mais emblemáticos da história recente é o caso de Belo Monte, instalada na bacia do rio Xingu, no Pará. As obras tiveram início em 2011 e foram concluídas em 2019.
“Belo Monte custou mais do que o dobro do que se pensava na hora da decisão. Esse problema é apenas financeiro, os impactos sociais e ambientais não entram nessa conta”, disse Fearnside. “Além disso, as mudanças climáticas previstas pioram muito o quadro para hidrelétricas na Amazônia, inclusive para as já existentes”, completou.
Fearnside destacou o potencial para as fontes solar e eólica no Brasil. “No caso dos ventos, há um enorme potencial com matrizes de torres altas na plataforma continental ao longo da costa. Com relação ao Sol, todos os telhados do país poderiam ser aproveitados.”
As dificuldades para a instalação de hidrelétricas no bioma amazônico vão além de questões que podem ser medidas por inteligência artificial. Há aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais que não são levados em consideração pela tecnologia.
“No fim, a proposta faz parte de um processo maior e que nós sentimos que deveria ser adotado para planejamento estratégico em grandes bacias hidrográficas”, disse Gomes. “A abordagem com inteligência artificial funciona como um primeiro filtro em estágios iniciais do processo. Nosso modelo tem um papel essencial para afunilar as opções de locais onde construir, mas ele não pode agir como substituto para o trabalho de campo com comunidades tradicionais.”
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.
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