Estudo compara ferramentas digitais usadas em testes e identifica as mais eficazes. Desenvolvimento da tecnologia é esperança para aperfeiçoar precisão no diagnóstico e no reconhecimento do estágio da patologia
Por Malena Stariolo, do Jornal da USP | A doença de Parkinson é conhecida por causar deficiências nas funções motoras, que se revelam em sintomas como tremores, movimentos lentos, dificuldades para caminhar e desequilíbrio. Mas a patologia também prejudica diversas funções não-motoras, ocasionando problemas para dormir ou ficar acordado, dores no corpo e distúrbios sensoriais. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, mais de 8,5 milhões de pessoas sofriam com essa condição no mundo inteiro. E, de forma preocupante, as incapacidades funcionais e mortes devido à doença de Parkinson têm aumentado mais rapidamente do que as causadas por outras doenças neurológicas, segundo a própria OMS.
Apesar do alcance global da doença, não existem dados precisos sobre a quantidade de pessoas que sofrem dessa condição no Brasil. A falta de dados dificulta uma análise do seu real impacto.
Uma das prováveis causas para a falta de dados está na dificuldade de diagnóstico. Ainda hoje, o método mais comum consiste na avaliação clínica do paciente, por meio da análise dos sintomas que afetam sua habilidade motora, e pelo emprego de exames de ressonância magnética. Esta abordagem, porém, dificulta a distinção entre a doença de Parkinson e outras condições neurológicas degenerativas que gerem sintomas semelhantes, e muitas vezes resulta em erros de diagnóstico.
Segundo Fabio Augusto Barbieri, professor e pesquisador do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da Unesp, câmpus de Bauru, e coordenador do Laboratório de Pesquisa em Movimento Humano (MOVI-LAB), a taxa de erro de diagnóstico é cerca de 15%, um número considerado alto para uma doença cada vez mais comum. “O índice de erro é alto porque envolve uma avaliação clínica. Ainda que os neurologistas usem critérios validados e sigam um check-list para estabelecer o diagnóstico, o processo envolve um componente subjetivo”, diz Barbieri.
Além disso, nos casos em que o diagnóstico é positivo, os métodos atuais também são pouco precisos para identificar qual o estágio de desenvolvimento da doença de Parkinson. E isso se reflete na indicação do tratamento. “Se a ressonância não for direcionada para o ponto onde está ocorrendo a degeneração da doença, ela também vai apresentar um erro. Normalmente, acredita-se que o processo degenerativo causado pela doença de Parkinson aconteça nos gânglios da base, mas ele pode afetar outras regiões também”, diz.
Pensando na necessidade de encontrar métodos mais precisos de diagnóstico e acompanhamento da condição, pesquisadores do mundo inteiro têm voltado sua atenção para o uso das técnicas de machine learning.
Também conhecido como Aprendizado de Máquina, o machine learning é um ramo da aplicação de Inteligência Artificial (IA). Nestes sistemas, algoritmos são alimentados com dados de observações, com quantidades e características variadas. Os algoritmos empregam métodos estatísticos para classificar e analisar os dados recebidos, com o objetivo de encontrar padrões e identificar novas informações. Aplicado à medicina, o uso de machine learning pode significar diagnósticos mais precisos, possibilitando tratamentos mais efetivos.
Em agosto deste ano, Barbieri foi um dos autores do artigo “Machine learning models for Parkinson’s disease detection and stage classification based on spatial-temporal gait parameters”, publicado na revista Gait and Posture. O objetivo do estudo foi testar diversas linguagens algorítmicas para identificar maior precisão no diagnóstico da doença de Parkinson e na identificação dos seus estágios. A pesquisa foi realizada com pesquisadores da Universidade do Porto, em Portugal, e alunos de pós-graduação do Programa de Ciências do Movimento que participam do MOVI-LAB, coordenado por Barbieri.
“Nosso principal objetivo foi usar variáveis do andar do paciente para tentar determinar mais precisamente o diagnóstico da doença de Parkinson, ou seja, diferenciar quem tem a doença de quem não tem. Além disso, também queríamos verificar a progressão da doença”, diz o pesquisador.
Sete anos de dados para avaliar
O diferencial do novo estudo está na observação de variáveis mais relacionadas ao chamado déficit da marcha, como a variabilidade do andar e a chamada assimetria. A variabilidade do andar diz respeito às diferenças na largura da passada. Já a assimetria está relacionada ao espalhamento da doença. Estima-se que, em 95% dos casos, o problema surge apenas em um dos lados do corpo, que começa então a apresentar sintomas.
Os dados que embasaram o estudo foram coletados em um banco de dados do laboratório montado ao longo de sete anos com pesquisas realizadas com pacientes voluntários. Estas pessoas foram atendidas no projeto de extensão Ativa Parkinson, também coordenado por Babieri. Para o artigo, foram agrupadas as variáveis de interesse dos diferentes estudos com o objetivo de conseguir uma amostra grande.
Foram analisadas 126 pessoas, tanto pacientes diagnosticados com Parkinson como indivíduos neurologicamente sadios. Estes formaram o grupo de controle. “Através do grupo controle podemos verificar o que se espera para aquela idade em termos do desempenho do andar, a chamada linha de base. Assim, podemos comparar os pacientes doentes com aqueles do grupo controle e verificar os efeitos, tanto da doença, quanto das intervenções”, diz o professor.
Outros dados medidos envolviam a largura, o comprimento, a duração, a velocidade e a cadência dos passos de cada indivíduo, além de informações como o tempo em que cada pessoa ficou com um pé no chão, e o tempo em que os indivíduos ficavam com ambos os pés no chão. As informações foram, então, aplicadas em dois modelos diferentes de machine learning: o primeiro voltado para o diagnóstico da doença de Parkinson e o segundo para a identificação do estágio da doença.
A partir desses dois modelos, foram analisados cinco algoritmos, intitulados Naïve Baise (NB), Support Vector Machine (SVM), Decision Tree (DT), Random Forest (RF), Logistic Regression (LR) e Multilayer Perceptron (MLP), que foram os mais empregados em testes semelhantes anteriores.
Cada algoritmo era capaz de selecionar, entre os diversos parâmetros selecionados, quais podem proporcionar uma análise mais precisa. O algoritmo Naïve Bayes selecionou apenas quatro informações: comprimento do passo, velocidade, largura e variação da largura do passo. Com esses dados, a linguagem algorítmica alcançou uma precisão de 84,6%, ao diagnosticar corretamente pessoas com a doença de Parkinson. Em comparação, o Random Forest escolheu doze informações, sendo o comprimento do passo, a variação de velocidade do passo e a velocidade do passo as mais importantes.
Já, ao identificar o estágio da doença, tanto o Naïve Bayes, como o Random Forest se destacaram por apresentarem o maior AUC, que indica a capacidade de classificação da linguagem, e a maior precisão, respectivamente. As duas informações mais importantes para a análise do estágio da doença foram a variabilidade da largura do passo e a variação no tempo em que as pessoas ficavam com os dois pés no chão.
Apesar dos bons índices, o uso de machine learning não vai implicar o abandono das técnicas de análises clínicas. Ele é uma ferramenta a mais para aumentar a precisão dos diagnósticos e facilitar a definição de um tratamento adequado. Para além do diagnóstico, espera-se que os recursos digitais proporcionem novas compreensões sobre os mecanismos da doença, e ajudem na identificação de padrões de caminhada até então desconhecidos.
Acesso a tratamentos de ponta na universidade
Barbieri também é coordenador do projeto de extensão da Unesp Ativa Parkinson, uma parceria com o departamento de Psicologia da Unesp, Bauru, sob responsabilidade da professora Marianne Ramos Feijó. No projeto, que além de Barbieri e Feijó envolve outros professores, pesquisadores e estudantes da Unesp, os participantes têm acesso a atividades físicas e acompanhamento psicológico, além de outras atividades concebidas para fomentar o bem-estar de pessoas com doença de Parkinson. A participação é gratuita e os encontros ocorrem nas terças e quintas-feiras, das 8h30 às 9h30. Barbieri destaca que todas as atividades realizadas com os pacientes são baseadas em estudos científicos atuais o que, somando-se ao caráter multidisciplinar do atendimento ofertado pela equipe, situa os tratamentos na vanguarda do conhecimento da doença de Parkinson.
“Muitos dos participantes dos estudos que nós desenvolvemos pertencem a esse projeto de extensão. Dessa forma eles também estão ajudando outros pacientes, porque os conhecimentos que nós produzimos ficam abertos para outros grupos usarem e, assim, melhorar a qualidade de vida”, diz Barbieri. “Também é uma forma da universidade dar um retorno para a sociedade. Nossos pacientes podem ter acesso a alguns dos melhores tratamentos, além da oportunidade de conhecer um pouco mais sobre pesquisa. Quem sabe, no futuro possamos encontrar uma cura para a doença ou, pelo menos, desenvolver tratamentos cada vez mais eficazes”, diz.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.