Uma investigação profunda sobre a exploração global de areia, seus impactos ambientais e os desafios para conter essa prática criminosa
O pesquisador de segurança internacional, Abdelkader Abderrahmane, embarcou em uma jornada de investigação nas margens do Oceano Atlântico, partindo da cidade marroquina de Kenitra. A sua missão era inspecionar locais de mineração de areia, uma tarefa que se revelou desafiadora desde o início. A paisagem árida se estendia por quilômetros, e a estrada de terra esburacada o levou a um encontro tenso com um homem usando um boné de policial, questionando suas intenções. O cenário, porém, estava longe de ser o que Abderrahmane esperava.
Ao se aproximar das dunas, ele se deparou com uma visão chocante: caminhões basculantes espalhados por uma paisagem lunar, carregados de areia marrom. A desfiguração das dunas o deixou atordoado, especialmente ao perceber que essa extração ilegal ocorria à luz do dia, indicando cumplicidade em níveis mais altos. “Não é possível extrair areia ilegalmente à luz do dia se não houver pessoas ajudando”, afirma Abderrahmane, à Scientific American, apontando para um sistema que beneficia grandes empresas protegidas por figuras influentes.
Apesar de ser uma das maiores indústrias extrativas do mundo, o tráfico de areia é muitas vezes ignorado. No entanto, a areia é essencial para a produção de concreto, impulsionando uma indústria global da construção que consome até 50 bilhões de toneladas métricas de areia anualmente, conforme relatório do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Essa exploração insustentável tem levado à previsão de esgotamento de areia para construção até 2050, segundo um estudo de 2022.
A China lidera a demanda, utilizando mais cimento em três anos do que os EUA em todo o século XX. Grandes e pequenas empresas, muitas envolvidas em mineração ilegal, alimentam esse mercado. Luis Fernando Ramadon, especialista da Polícia Federal no Brasil, estima que o comércio ilegal de areia movimenta entre 200 e 350 bilhões de dólares anualmente, superando setores como exploração madeireira, mineração de ouro e pesca combinados.
Os impactos ambientais são devastadores, destruindo estuários, habitats, causando inundações e perturbando ecossistemas costeiros. A mineração ilegal, frequentemente mais prejudicial do que a legal, é responsável por danos significativos em diversas partes do mundo, como no Delta do Mekong e em Moçambique, onde operações ilegais exacerbaram inundações.
A resistência contra esse crime ambiental, no entanto, é dificultada pela falta de conscientização e pela semelhança entre areia legal e ilegal. É necessária uma abordagem internacional para pressionar governos a regulamentar e fiscalizar essa indústria. Certificações internacionais, como as aplicadas pela Convenção sobre Zonas Húmidas, podem ser uma solução, assim como tecnologias de rastreamento que permitam distinguir a origem da areia.
À medida que o mundo enfrenta o esgotamento iminente de um recurso outrora considerado abundante, é importante que a sociedade e os governos se unam para combater o tráfico de areia, protegendo os ecossistemas e garantindo um futuro sustentável para todos.