Nesta entrevista em vídeo duas semanas antes da crise sanitária na Terra Indígena Yanomami, Joenia Wapichana afirma que uma de suas prioridades na instituição é a expulsão de 20 mil garimpeiros ilegais da área
- Nesta entrevista em vídeo duas semanas antes da crise sanitária na Terra Indígena Yanomami, Joenia Wapichana, primeira mulher indígena nomeada presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), afirma que uma de suas prioridades na instituição é a expulsão de 20 mil garimpeiros ilegais da área.
- “A questão da saúde indígena está um caos lá. Crianças morrendo de malária e de desnutrição. Então, assim, não é simplesmente retirada de garimpeiro, mas você tem que ter logo uma ação de manter a segurança ali”, diz Joenia Wapichana à Mongabay, na sede da Funai em Brasília.
- Joenia Wapichana diz que são necessárias ações coordenadas entre várias entidades governamentais com “fiscalização permanente” para pôr um fim a essa crise: “Não é simplesmente retirar e não deixar ninguém lá para proteger”.
- Dado o orçamento precário da Funai de R$ 600 milhões de reais por ano, ela diz que acordos de cooperação com outros países, uma estratégia bem sucedida no passado, será fundamental para realizar a demarcação de terras indígenas, processo que ficou totalmente paraslisado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Por Karla Mendes em Mongabay | “Eu quero ver a Terra Indígena Yanomami e Raposa Serra do Sol livres de invasões,” Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena nomeada presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), diz à Mongabay, descrevendo um de seus sonhos para o estado de Roraima.
Como uma premonição, Joenia Wapichana diz que o proeminente líder indígena e xamã Davi Kopenawa teve um sonho em que ela liderava a expulsão dos garimpeiros das terras indígenas. “O Davi Kopenawa falou para mim que teve um sonho que eu estava na frente da desintrusão”, disse Joenia Wapichana à Mongabay em uma entrevista na sede da Funai duas semanas da eclosão da crise sanitária na Terra Indígena (TI) Yanomami.
Em 21 de janeiro, Joenia Wapichana foi para a TI Yanomami com o presidente Lula e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, após denúncias do site Sumaúma de que 570 crianças haviam morrido por desnutrição e outras doenças desencadeadas pela invasão de 20 mil garimpeiros na área; foi declarado estado de emergência em saúde pública.
Nesta entrevista em vídeo com a Mongabay, em 5 de janeiro, Joenia Wapichana destacou as questões “urgentes e humanitárias” no território Yanomami. “A questão da saúde indígena está um caos lá. Crianças morrendo de malária e de desnutrição. Então, assim, não é simplesmente retirada de garimpeiro, mas você tem que ter logo uma ação de manter a segurança ali”.
Joenia Wapichana diz que para pôr um fim a essa crise, são necessárias ações com “fiscalização permanente” coordenadas entre várias entidades governamentais, como o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI). “Não é simplesmente retirar [os garimpeiros] e não deixar ninguém lá para proteger”, diz ela. “É [também] fazer o estudo do que foi deixado pelo garimpo”.
De fato, o governo brasileiro está preparando uma força tarefa para expulsar os garimpeiros da TI Yanomami, disse Joenia Wapichana em uma coletiva de imprensa em 31 de janeiro, promovida pela Sumaúma acompanhada pela Mongabay. O presidente Lula também determinou o bloqueio do tráfego aéreo e fluvial de garimpeiros na TI Yanomami e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que recursos do Fundo Amazônia serão alocados para combater a crise Yanomami.
Joenia Wapichana também destaca a necessidade de responsabilizar “absurdos de alguns políticos defendendo garimpos ilegais em terras indígenas”. “Ali, não é um posicionamento político ideológico. Se trata de um crime que está acontecendo e para isso você precisa tomar posicionamentos”, diz Joenia Wapichana, destacando que a legislação brasileira proíbe garimpos em terras indígenas.
Nascida em Roraima, Joenia Wapichana foi a primeira mulher indígena eleita deputada federal em 2018 e desempenhou um papel crucial para impedir as ações do ex-presidente Jair Bolsonaro para minar a Funai.
No primeiro dia de seu mandato em 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro emitiu uma medida provisória transferindo a Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura.
Mas a ação coordenada de Joenia Wapichana com outros partidos políticos barrou sua aprovação no Congresso. “Apesar de receber muitas ameaças pelos meus posicionamentos, desde o primeiro momento que eu cheguei, em nenhum momento eu tive vontade de desistir”, diz ela, destacando as adversidades que enfrentou como única representante indígena durante um governo contrário ao meio ambiente e aos direitos indígenas. “Tudo é um desafio em minha vida”. Ela tomará posse como presidenta da Funai em 3 de fevereiro.
Assista a entrevista no vídeo abaixo.
‘Não é terra de ninguém. É terra indígena!’
Após quatro anos de consistente desmantelamento da Funai e das políticas indigenistas no governo Bolsonaro, Joenia Wapichana diz estar ciente dos desafios que ele enfrentará na instituição. “Eu sei que vai ser difícil. Não vai ser de uma hora para outra que a gente vai tirar a Funai do buraco, resgatar esses anos todos de falta de investimento, falta de atenção, falta de respeito”, diz ela. “Mas a gente vai fazer o possível para resgatar tudo o que foi tirado, tanto de direito, como de princípios”.
Retomar o processo de demarcação de terras indígenas — 13 TIs estão com os processos prontos para serem finalizados — e expulsar invasores das terras indígenas, diz Joenia Wapichana, são as prioridades da Funai. “Os povos indígenas sempre têm esse conceito de que, primeiramente, a minha terra. Então, isso para mim é muito importante no sentido de eu estar na frente dessa defesa, na responsabilidade de buscar qualquer visibilidade e viabilidade de cumprimento de uma obrigação que a Funai tem”.
Um dos principais pilares para cumprir esta missão, diz ela, são os servidores da Funai que “ têm que ser valorizados e têm que ter boas condições de trabalho”. Para ela, é “absurdo” funcionários públicos que “doam sua vida, deixando sua família” para ir a campo enfrentar madeireiros e narcotraficantes em áreas indígenas para proteger a vida dos povos indígenas que cuidam de 14% do território brasileiro receberem salários de R$ 2 mil. “Eles dão sua vida, deixando sua família, [assumindo] o risco”.
Joenia Wapichana destaca o caso do indigenista Bruno Pereira, brutalmente assassinado com o jornalista britânico Dom Phillips em junho de 2022 no Vale do Javari, no Amazonas. Ela diz que pretende “justamente fortalecer essa missão que ele teve de fiscalização”.
Segundo Joenia Wapichana, um dos principais desafios é o orçamento precário da Funai de R$ 600 milhões por ano, dos quais R$ 400 milhões são apenas para mantê-la funcionando. Ela diz que está estudando como maximizar os recursos existentes, incluindo a solicitação de um prédio do governo para a sede própria da autarquia para liberar R$ 1,5 milhão gastos por ano com aluguel “totalmente incoerente com a realidade da Funai hoje”.
Segundo Joenia Wapichana, também será necessário captar recursos por meio de acordos de cooperação com outros países e órgãos governamentais, estratégia bem-sucedida em 2004. “Foi graças a essas cooperações internacionais que avançou a demarcação de terras indígenas na Amazônia. Eu acompanhei várias demarcações relacionadas a esses termos de cooperação”.
Ela diz que uma alternativa é o Fundo Amazônia, cujos recursos foram desbloqueados imediatamente após a posse do presidente Lula. Segundo ela, várias instituições e países também querem ajudar a Funai.
Joenia Wapichaba destaca o encontro com a secretária do Departamento do Interior dos Estados Unidos, Deb Haaland, que, segundo ela, disse que o Brasil “tem todo apoio do governo Biden para o que for preciso para ajudar os povos indígenas”. Primeira americana nativa empossada em um cargo de alto escalão na presidência dos EUA, Haaland liderou a delegação dos EUA na posse do presidente Lula. “Há muito que podemos fazer juntos para dar aos povos indígenas um lugar à mesa e proteger o ecossistema da Amazônia brasileira, que muitos chamam de lar”, Haaland publicou no Twitter em 1º de janeiro.
Joenia Wapichana destaca a longa história de cooperação Brasil-EUA na área ambiental, ressaltando a investigação liderada por um departamento da secretaria de Haaland que levou à demissão do controverso ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles por acusações em uma investigação sobre exportações ilegais de madeira da Amazônia.
Ela destaca a importância de rastrear as exportações do Brasil e afirma que um de seus projetos é rastrear a compra, venda e transporte de ouro.
Para os próximos anos, Joenia Wapichana diz almejar ser reeleita deputada e ver cada vez mais representantes indígenas no Congresso. “Eu trago na minha trajetória justamente, a questão do pioneirismo. De ser a primeira a abrir portas para as outras, para os outros”. Primeira mulher indígena a se tornar advogada no Brasil, ela diz sonhar em ser nomeada ministra do Supremo Tribunal Federal no futuro.
“O meu sonho é ver os povos indígenas com seus direitos resguardados, respeitados, exercidos”, diz Joenia Wapichana. Ela diz que deseja realizar o sonho de Davi Kopenawa de liderar a expulsão dos invasores das terras indígenas.
“Muitos brasileiros não sabem da questão da garantia das terras indígenas. Não sabem que ali é usufruto exclusivo indígena”, diz Joenia Wapichana. Ela destaca que, muitas vezes, as pessoas pensam que “é terra de ninguém”. “Não, é terra indígena!”.
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.