O software “Linklado” dá suporte para a escrita e contribui para a transmissão e sobrevivência de mais de 40 línguas nativas da Amazônia. Além de proteger as culturas indígenas do glotocídio, que resulta no desaparecimento de uma língua, a iniciativa facilita a produção e a disseminação de conhecimento por cientistas indígenas e não-indígenas
Por Página 22 | Diversas línguas indígenas da Amazônia foram excluídas da revolução digital por terem em seu vocabulário caracteres especiais, como u, i, ñ, ç̀, g̃, por exemplo, além da combinação de diacríticos (sinais gráficos `,´, ~, ^, ¨) que não estão presentes na maioria dos teclados físicos e virtuais.Isso faz com que os indígenas se comuniquem por meio de áudios ou usando substitutos para esses caracteres, o que representa uma ameaça à continuidade das línguas nativas. Para resolver esse desafio, um grupo de pesquisadores do Amazonas lançou o teclado digital Linklado, software que reúne caracteres especiais e diacríticos de mais de 40 línguas indígenas da Amazônia.
Os idealizadores são o estudante da Universidade Stanford, Samuel Benzecry, e o estudante do ensino médio em Manaus, Juliano Portela. Juntos, eles desenharam o layout e desenvolveram o protótipo do teclado digital para Windows e Android.
Benzecry é um dos jovens selecionados pela rede Ashoka, organização mundial de empreendedorismo social, que apoia o fortalecimento de habilidades para transformações que sejam positivas para a sociedade, de maneira geral.
Teclado adaptado
De acordo com Benzecry, o teclado Linklado é inédito. “Aparelhos Android podem ser postos na língua Kaingang ou Nheengatu, mas isso não resolve o problema de línguas que utilizam sinais diacríticos como ü̃ (letra u com trema e til), muito usado na Tikuna, que é a língua indígena mais falada no Brasil”, exemplifica.
O estudante acrescenta que já existiam teclados adaptados para línguas indígenas mexicanas, contudo eles não contemplam os caracteres usados pelas línguas indígenas da Amazônia.
O Linklado cobre mais de 40 línguas indígenas que possuem caracteres ou usos de acento gráfico “não-convencionais”, inclusive línguas de países vizinhos.
Os estudantes Portela e Benzecry participaram das Olimpíadas Internacional de Linguística e umas das atividades da competição era escrever um artigo numa língua indígena. “Foi quando eu percebi a dificuldade de transcrever alguns caracteres do papel para o Word. Só depois que criamos o Linklado que consegui escrever o artigo direito”, comentou o estudante.
Portela afirmou que em apenas um dia conseguiu desenvolver o protótipo para o sistema Android. “O Samuel já tinha enviado como ficaria o layout, eu fiz uns pequenos ajustes e já enviei para ele o artigo com os caracteres. Ele ficou super animado e disse que ia apresentar para a professora”, relembrou .
Conexões para uma educação transformadora
A professora em questão é a bióloga e doutora em Recursos Naturais, Noemia Kazue Ishikawa, que coordena o projeto “Redes de mulheres indígenas tradutoras e cientistas: conexões para uma educação transformadora em ciências no Amazonas”.
A pesquisa é executada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). “Em 2008, quando coordenei um projeto na região do Alto Rio Solimões, organizei uma cartilha bilíngue Português/Tikuna. Foi a primeira vez que me deparei com a dificuldade de transcrever a escrita indígena para o computador. Desde então, eu venho reclamando que era necessário um teclado para as línguas indígenas”, conta a pesquisadora.
Com o atual projeto de Ishikawa, em parceria com a antropóloga e linguista, Ana Carla Bruno, está sendo desenvolvido a criação de uma rede de tradutoras de línguas indígenas. Essa ferramenta era essencial para solucionar a falta de caracteres em teclados de computador e/ou celular, um dos grandes desafios do projeto.
“Atualmente, o Linklado pode ser um instrumento de poder nas mãos dos povos indígenas, tendo em vista que agora eles poderão utilizar os símbolos, os diacríticos, enfim os grafemas que melhor representam os sons e fonemas de suas línguas através da produção de seus próprios textos, histórias e narrativas. Neste sentido, penso que esta ferramenta pode contribuir com as ações das línguas indígenas”, argumenta a antropóloga.
Linklado
O nome do software é uma combinação das sílabas ‘lin’ = línguas indígenas e ‘klado’, que faz um trocadilho com a palavra ‘teclado’. Forma ainda a palavra ‘link’, que significa conexão.
Conectar os falantes das línguas indígenas a um teclado que contempla o seu vocabulário é uma das formas de ajudar na transmissão e sobrevivência das línguas indígenas sul-americanas na era digital, argumentam os idealizadores.
“No Amazonas temos mais de 52 línguas vivas e muitos desconhecem essa riqueza linguística. Muitas dessas línguas contam com poucos falantes, algumas centenas ou milhares, e possuem aspectos interessantíssimos. A lenta morte de várias dessas línguas causada por glotocídio, que é a marginalização de uma língua em favor de outra. O Linklado seria uma forma de manter essas línguas vivas”, alerta Benzecry.
“O Linklado ainda facilitará outros cientistas indígenas e não-indígenas a publicarem mais livros, cartilhas e informativos bilíngues em línguas indígenas e não-indígenas. O que será uma grande inovação de fomento à leitura e a popularização da ciência. Aos falantes da língua, vejo que o Linklado facilitará a escrita casual e rotineira nas línguas indígenas, o que promoverá o fortalecimento da manutenção da língua”, avalia Ishikawa.
Como funciona
Nos aparelhos Android, o Linklado substitui o teclado padrão do dispositivo com uma versão alterada que inclui os caracteres especiais, além de uma tecla que contém todos os diacríticos, que podem ser adicionados à letra anterior. Por exemplo, primeiro digita-se a letra u, depois clica-se sobre a tecla com o diacrítico, produzindo, então, ʉ̀.
Já no Windows, o sistema introduz uma pequena janela que permanece sobre a tela, somente com os caracteres especiais e os diacríticos. Desse modo, o usuário pode utilizar o teclado comum junto com o software do ‘Linklado’.
Onde baixar
O aplicativo Linklado já está disponível gratuitamente na Play Store e na Windows Store, em uma versão adaptada para computadores.
Membros do projeto ‘Linklado’
O Linklado é formado pelos estudantes Samuel Minev Benzecry e Juliano Dantas Portela, e as pesquisadoras do Inpa, Ana Carla Bruno, Ruby Vargas Isla Gordiano, e Noemia Kazue Ishikawa. O projeto também conta com a participação de: Marinete Almeida Costa (Tukano/Ye’pâ-masa), Josmar Pinheiro Lima (Tuyuka/Utãpinopona), Kaina Bruno Brazão, Rafael Estrela Freitas, Laura Corrêa Cavalcante, Odalis Ramos, Rosilene Fonseca Pereira (Piratapuia/Waíkhana), Rosilda Maria Cordeiro da Silva (Tukano/Ye’pâ-masa), Dagoberto Azevedo (Tukano/Ye’pâ-masa), Cristina Quirino Mariano (Tikuna/Magüta) e Dulce Maria Barreto Tenório (Tuyuka/Utãpinopona).
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