A palavra kotodama, do japonês, significa “o espírito da linguagem”
Kotodama é uma crença japonesa de que algum poder divino reside na língua japonesa — o que faz com que todas as palavras tenham um poder espiritual. Ela possui origem nos tempos antigos, quando se estabeleceu como parte do ritual xintoísta. No entanto, até hoje é valorizada e continua presente dentro da cultura japonesa.
O termo kotodama junta dois caracteres em kanji: 言霊. O primeiro, “koto”, significa “fala” ou “palavra”, e o segundo, “tama”, significa “espírito” ou “alma”. Ou seja, a palavra como um todo, por sua vez, significa “espírito da linguagem”.
A noção de kotodama está intimamente ligada à identidade linguística japonesa, e a narrativa sobre a crença tem sido reinterpretada de acordo com fatores não linguísticos ao longo do tempo, bem como a ideia mutável de “pureza” da linguagem no Japão.
Em geral, a crença da kotodama é de que palavras positivas têm poder positivo, enquanto palavras negativas têm poder negativo, podendo, assim, influenciar acontecimentos, o ambiente, e até mesmo, a mente das pessoas.
Origem
Acredita-se que a crença tenha origem durante o Período Nato do Japão, que ocorreu entre 710 a 794. Durante esse período, a palavra apareceu na coleção de poemas Manyoshu, em que a expressão “a terra onde kotodama traz felicidade” é usada para descrever o país.
Como já mencionado, a palavra faz parte de tradições do xintoísmo, uma religião tradicional japonesa. No Shinto, acredita-se que não apenas as pessoas, mas também os animais e todos os objetos têm alma — o que reflete a crença de que as palavras também teriam algum poder espiritual sobre as pessoas e acontecimentos.
Desde a sua criação, durante o Período Nato, a crença continua como parte fundamental da história japonesa. De fato, anos depois, durante a Segunda Guerra Mundial, o conceito de kotodama foi resgatado por japoneses a fim de fortalecer a solidariedade nacional.
Durante a guerra, o governo japonês uniu a crença com um conceito chamado de kokutai (国体, こくたい, koku = país ou nação, tai = corpo). O governo promoveu a ideia de que o uso da língua japonesa “pura” e tradicional estava no cerne da unidade nacional e da virtude social que é única no Japão, enquanto deixar de usar a língua correta levaria à violação da política nacional.
A partir dessa ideia, o uso de kanji, caracteres chineses, que foram introduzidos desde a modernização do país na segunda metade do século XIX, foram rejeitados. Em vez disso, o uso de kanji, bem como o estilo ortográfico tradicional não vernáculo, foi encorajado.
Além disso, com base no kotodama, o uso de palavras emprestadas ocidentais foi estritamente proibido, pois pertenciam à língua do inimigo — o que levou à substituição dessas palavras por palavras sino-japonesas.
Como funciona o kotodama?
Embora o conceito tenha nascido há muito tempo, o kotodama ainda influencia a linguagem japonesa. Atualmente, ainda é possível encontrar a crença em diversas tradições no Japão, como em cerimônias de casamento.
Durante essas celebrações, os convidados devem evitar usar as palavras “cortar”, “quebrar”, “dividir”, “voltar”, “terminar” ou quaisquer palavras que sugiram separação na cerimônia.
O medo de uma palavra, pois ela soa como outra, também é comum para quem acredita no kotodama. A palavra shisan, por exemplo, pode se referir ao número 43, mas também pode significar “natimorto”, e isso faz do 43 um número de azar.
Por outro lado, o número 17 é dito como junana, que também significa “grande riqueza” e isso o torna um número da sorte. Em japonês, esse tipo de coincidência é chamado de doonigigo (同音異議語)ou “palavras que soam iguais, mas têm significados diferentes”.
Assim, é possível concluir que, mesmo com adaptações ao longo do tempo, o kotodama permanece intrínseco à cultura japonesa, moldando como o Japão se comunica e se expressa através da continuidade dessa tradição.