Por Jornal da USP – Os tradicionais processos de captura e transformação de dióxido de carbono (CO2), principal causador do aquecimento global e das mudanças climáticas, precisam ser atualizados. É o que defende Claudio Oller, professor titular do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica (Poli) da USP e coordenador do recém-inaugurado Laboratório de Alta Pressão, que funciona naquele espaço. Um dos focos do laboratório, que integra o Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), é criar alternativas com esse fim, porém mais sustentáveis e econômicas graças à utilização de processos químicos e biológicos por meio de alta pressão.
Entre as iniciativas em curso está o projeto Bioconversão de CO2 no estado supercrítico por bactérias da Antártica, comandado por Oller. “No laboratório trabalhamos com sedimentos do fundo do mar antártico, provenientes da abrasão das geleiras com rochas do continente, que são ricos em microrganismos, como bactérias, alguns deles com até 20 mil anos de idade”, conta Oller. Esse material foi coletado por um dos pesquisadores do projeto, Arthur Ayres, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e participante do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) da Marinha do Brasil.
No laboratório, tais sedimentos passarão por uma série de testes, alguns deles em reatores especialmente desenvolvidos para o projeto. “A ideia é verificar como esses microrganismos se comportam em condições extremas, com grande variação de pressão, sem luminosidade e na presença de um CO2 em estado supercrítico, uma condição especial entre o líquido e o gasoso, obtida por meio de alta pressão”, prossegue Oller.
Essas condições extremas também são encontradas em cavernas marítimas subterrâneas que serão construídas na área do pré-sal brasileiro e utilizadas para armazenar o CO2 oriundo da produção de petróleo. No caso, o CO2 é estocado em estado supercrítico para ocupar menor volume nas cavernas de sal. “Trata-se de uma das maneiras mais eficazes de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, mas não se sabe os efeitos que esses reservatórios de CO2 podem provocar ao meio ambiente a longo prazo, sem contar os riscos de vazamento”, diz Oller.
De acordo com o pesquisador, a prospecção desses microrganismos no laboratório pode contribuir para a solução de armazenamento de CO2 em cavernas profundas. “Futuramente esses microrganismos com grande capacidade de metabolizar CO2 poderão ser injetados nesses reservatórios. A meta é que transformem o CO2 de estado supercrítico para o estado sólido, o que evitaria vazamentos. Além disso, poderiam gerar outros produtos a partir do CO2, como hidrocarboneto e álcool. O que estamos investigando em laboratório é a viabilidade não apenas científica, como também econômica desse processo”, aponta Oller.
Outro projeto que será desenvolvido no laboratório é Novas tecnologias para captura de CO2: solventes eutéticos profundos (DES) para captura de CO2 e materiais nanoestruturados para separação de gás (materiais avançados para membranas). “A palavra-chave do projeto é seletividade: nosso objetivo é tentar melhorar os filtros de captura de CO2 que já estão sendo utilizados pelas indústrias. Isso porque para transformar o CO2 em outros insumos, como o álcool, o carbono precisa estar puro”, explica Caetano Rodrigues Miranda, professor do Instituto de Física (IF) da USP e um dos coordenadores do projeto.
O projeto atua em duas frentes. “Elas atacam de forma distinta o mesmo problema”, prossegue Miranda. Uma delas diz respeito ao desenvolvimento de solventes eutéticos profundos (ou DES, na sigla em inglês). “Hoje a principal tecnologia de captura de CO2 utiliza aminas. Entretanto, esse processo envolve o uso de grande quantidade de energia elétrica. Outra opção é o uso de líquidos iônicos, mas a sintetização do carbono é relativamente cara e nem sempre funciona para todos os casos. Daí a necessidade de buscar alternativas para aprimorar esse processo, inclusive do ponto de vista econômico”, diz Reinaldo Camino Bazito, professor do Instituto de Química (IQ) da USP e também um dos coordenadores do projeto.
De acordo com Bazito, a proposta do projeto é fazer com que os DES consigam capturar preferencialmente o CO2 por meio de alta pressão. “Para tanto, vamos utilizar polímeros pequenos, de menor escala, e também os hiper-ramificados. Ambos são capazes de efetivar grande interação com o carbono”, prossegue o especialista, que integra o Grupo de Química Verde e Ambiental da USP. “Trata-se de uma alternativa mais barata em relação às aminas, por exemplo, pois não demanda a utilização de grande quantidade de energia.”
Processos em nível molecular
Outra frente do projeto é o desenvolvimento de membranas, em um processo guiado por modelagem computacional. “Elas atuam como filtros capazes de separar o CO2 e outras moléculas de gás, a exemplo do nitrogênio, que então vão ficar retidas nessas membranas”, relata Miranda. “Podem funcionar em alta ou baixa temperatura, a depender do material que vai compor a membrana. Inclusive, faz parte dos objetivos do projeto identificar quais são as melhores condições de operações desses materiais.”
Para entender os processos que acontecem em nível molecular, os pesquisadores vão contar com ferramentas tecnológicas. É o caso da realidade virtual, que permite que os pesquisadores acompanhem em tempo real a interação entre átomos e moléculas. “O projeto envolve muito esse lado de poder criar modelos para fazer simulações. É possível, por exemplo, selecionar o material prioritário antes de partir para a parte experimental, que é a mais cara do processo. Com essa triagem computacional, é possível selecionar quais são os sistemas mais interessantes, que merecem ser focados”, diz Miranda.
Segundo os especialistas, tantos os DES quanto as membranas podem ser utilizadas em indústrias que são grandes emissoras de CO2, como siderúrgica, cimentícia e usinas de cana-de-açúcar, por exemplo. “Cada uma dessas opções tem aplicações distintas e é preciso avaliar qual delas se encaixa melhor na realidade da empresa”, comenta Miranda.
O objetivo do projeto é contribuir para oferecer mais uma alternativa para esse problema, visto que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera vem crescendo continuamente e, ao que tudo indica, vai aumentar mais nos próximos anos”, constata Bazito. “Com o CO2 isolado é possível passar para uma outra etapa na criação de um ciclo virtuoso, que é transformar o carbono em outros insumos, mas essa fase será desenvolvida por outro projeto dentro do próprio RCGI. Nosso projeto é um degrau para que isso aconteça.”
Com perfil multidisciplinar, o projeto deve durar quatro anos e reunir uma equipe com cerca de 20 pesquisadores de áreas como química, física e engenharia de produto. “É uma abordagem integrada”, opina Bazito. Com ele concorda Miranda. “Um ponto relevante do projeto e do RCGI como um todo é a formação de recursos humanos, pois trata-se de uma área de pesquisa em que o Brasil ainda necessita de muito investimento. E esse investimento é cada vez mais necessário para o bem-estar do planeta”, aponta o pesquisador.
O RCGI criado em 2015 com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Shell tem pesquisas focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das Nationally Determined Contributions (NDCs). Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores. Saiba mais em: https://www.rcgi.poli.usp.br
Texto: Acadêmica Agência de Comunicação
Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.
Saiba mais