Do Observatório do Clima em WWF Brasil — A nova regulamentação proposta pela União Europeia sobre importações livres de desmatamento pode deixar 3,2 milhões de km² de vegetação nativa desprotegidos somente na América do Sul, de acordo com uma nova análise de dados de satélite feita pelo consórcio MapBiomas. Isso é o equivalente a cinco vezes a área da França.
A legislação que está sendo debatida na UE, que poderá ser votada em setembro, prevê que os compradores de commodities como soja e carne façam auditorias nos vendedores – um processo conhecido pela expressão inglesa due diligence. Se uma fazenda tem qualquer indício de desmatamento praticado após 2020, data fixada neste momento na lei, ela não poderá vender para o mercado europeu.
No entanto, de acordo com a análise, ao adotar em seu regulamento a definição de florestas utilizada pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), a UE deixaria de fora de seus critérios de due diligence grandes áreas de sete biomas sul-americanos críticos dominados por ecossistemas não florestais, como pastagens, pântanos, bosques e savanas. Ambientalistas temem que essas áreas possam ser rapidamente convertidas para agropecuária por conta de “vazamento” do desmatamento das florestas mais protegidas da Amazônia e do Chaco.
A maior extensão de ecossistemas desprotegidos seria no Cerrado, que é um hotspot de biodiversidade e uma das fronteiras agrícolas mais ativas do mundo. O Cerrado já perdeu metade de sua cobertura vegetal nativa para o agronegócio. Os novos dados mostram que 74% de seus remanescentes não são florestas de acordo com os critérios da FAO. Isso equivale a 807 mil km², uma área maior do que a Ucrânia e a Inglaterra juntas.
Outros biomas estariam ainda mais desprotegidos: o Pantanal, Patrimônio da Humanidade, tem apenas 24% de sua área coberta por florestas que atendem à definição da FAO (terras com área superior a 0,5 ha, com árvores maiores do que 5 metros de altura e cobertura de copa superior a 10%). O Pampa, vegetação campestre que se estende do sul do Brasil até o Uruguai e Argentina, teria apenas 11% de sua área protegida. A Caatinga, apenas 10%.
“Isso é muito mais do que uma questão de escala. Cada ecossistema é insubstituível, com centenas de espécies únicas, muitas ameaçadas de extinção. Além disso, o problema não se restringe à América do Sul. Menos de 5% das pradarias da América do Norte, que estão sofrendo expansão agrícola, estariam protegidas pela definição de florestas da FAO. Expansões de commodities em grande escala também estão surgindo em savanas africanas e campos naturais asiáticos”, disse Jean-François Timmers, do WWF-Brasil, coautor da análise.
“A boa notícia é que este estudo demonstra que já temos tecnologia disponível para a detecção confiável do desmatamento e da conversão de outros habitats naturais”, disse Timmers.
Dados preliminares do novo estudo foram usados por 34 organizações do Observatório do Clima em uma declaração aos membros do Parlamento da UE expressando preocupação com o uso da definição de florestas da FAO para fins de due diligence. “Se os outros biomas não forem incluídos”, dizem as ONGs, “eles serão ainda mais visados pela produção, aumentando a conversão dessas áreas naturais em agricultura”.
A nota técnica está disponível no site MapBiomas.
Este texto foi originalmente publicado por WWF Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não representa necessariamente a opinião do Portal eCycle.
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