Por Ana Paula Palazi, do Jornal da UNICAMP | Quando se trata de produzir alimentos mais ricos em nutrientes, é preciso cuidar dos impactos gerados no processo. Uma tecnologia desenvolvida na Unicamp para o processamento da soja pode melhorar o seu rendimento, aumentando o valor nutricional do extrato da oleaginosa e reduzindo em até 85% os resíduos da produção. Os experimentos para obtenção do extrato de soja (popularmente conhecido como leite de soja) enriquecido foram realizados nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA Unicamp).
A soja contém aminoácidos essenciais e teores de isoflavonas superiores aos de outras leguminosas. As isoflavonas são compostos associados à redução ou prevenção de vários tipos de câncer, diabetes, hipertensão, doenças renais e osteoporose. Porém, os compostos nutritivos permaneciam no okara, o rejeito sólido da produção do leite vegetal. “Numa avaliação preliminar, é possível dobrar a recuperação de proteínas e aumentar em até 50% a recuperação de isoflavonas no leite de soja”, estima Louise Kurozawa, professora da FEA e inventora da tecnologia.
A invenção, desenvolvida no doutorado da engenheira de alimentos Camila Penha, concluído em 2021, teve os resultados protegidos pela Agência de Inovação Inova Unicamp. Em sua pesquisa, Camila buscou recuperar as proteínas e isoflavonas por meio de um procedimento que inclui o pré-processamento da soja com aplicação de um mix de enzimas específicas.
Nessa etapa, constatou-se que a atuação do complexo enzimático também aumentava o rendimento do extrato e diminuía a quantidade de resíduos gerados. “As enzimas atuam na quebra das fibras que compõem a parede celular da soja. Isso resulta na liberação dos compostos presentes no interior da matriz celular”, afirma Camila. O resultado é um processo com maior recuperação de proteínas e de isoflavonas no extrato de soja, com favorecimento na formação dos compostos fenólicos do tipo agliconas, mais facilmente absorvidos pelo organismo.
Melhorias no processamento
O Brasil está entre os maiores produtores de soja do mundo. O país colheu 124 milhões de toneladas até junho deste ano, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O extrato de soja é utilizado na composição de bebidas, tofu, margarinas, cremes e outros produtos industrializados. O okara, por sua vez, é gerado no processo de beneficiamento dos grãos. Ponto de partida da pesquisa de Camila, o bagaço comestível é rico em nutrientes, mas tem baixo valor comercial. Além disso, por se deteriorar rapidamente, o resíduo precisa de refrigeração para ser reaproveitado. É destinado principalmente à alimentação animal, mas também aplicado, em menor escala, na produção de alimentos como hambúrgueres e cookies. “O tratamento do okara gera custos para as empresas e perdas que podem ser minimizadas com aplicação da tecnologia, porque ela aprimora as etapas iniciais do processamento da soja”, conta Camila.
Para produzir o extrato enriquecido, as pesquisadoras utilizaram um complexo multi-enzimático que já é empregado pela indústria de alimentos. As enzimas do tipo carboidrases foram aplicadas no pré-processamento da pasta de soja e aumentaram a recuperação das proteínas presentes nos grãos de 42% para 83% e das isoflavonas de 59% para 93%. “A tecnologia recupera nutrientes perdidos no resíduo nos processos convencionais e os direciona para o produto, algo muito relevante do ponto de vista da segurança alimentar”, explica Louise.
O trabalho resultou em um pedido de patente do método desenvolvido. “A ideia é oferecer à indústria um processo otimizado de produção do extrato hidrossolúvel de soja”, completa a docente. O produto final também ficou mais doce, o que poderia ajudar a reduzir o uso de aditivos adoçantes pela indústria alimentícia. “Ao quebrar as fibras, também facilitamos a formação de açúcares pequenos que são solúveis em água”, diz Camila. No entanto, ainda são necessárias novas pesquisas sensoriais e parcerias para verificar se os resultados serão mantidos com o aumento da escala de produção.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da UNICAMP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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