A biblioterapia vem sendo usada como uma terapia complementar para superação de problemas psicológicos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático
Por Eduardo Nazaré em Jornal da USP | Uma vertente envolvendo os livros no cuidado com a saúde mental vem ganhando cada vez mais espaço. A biblioterapia, como o próprio nome sugere, é uma terapia complementar que utiliza a leitura de livros que incluem um problema no qual uma pessoa ou um grupo precisam encarar. Pode ser realizada com adultos e crianças, utilizando as personagens das histórias para ilustrar a superação dos acontecimentos.
A professora Carmem Beatriz Neufeld, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, diz que a biblioterapia funciona como um tratamento adjuntivo de baixa intensidade, bastante utilizado pelos profissionais por ter o potencial de trazer informações de qualidade sobre determinadas doenças, dificuldades, sintomas e características individuais.
A ideia é que cada pessoa ou grupo de pessoas (que passem por problemas similares) tenham nas sessões de biblioterapia um livro, indicado por um especialista, que mostre em sua história como a personagem lidou com a situação. Para o jornalista e escritor Galeno Amorim, atual presidente do Observatório do Livro e da Leitura, a terapia utilizando os livros induz a pessoa a pensar a respeito de seus problemas. “Com a reflexão, acontece uma liberação de sentimentos, uma conexão entre aquilo que é vivenciado e passado naquela obra com aquilo que vive o leitor”, diz o jornalista.
Benefícios da biblioterapia
Os principais benefícios, segundo Carmem, estão relacionados à descoberta do que realmente está passando pela cabeça das pessoas. A professora indica que, quando os sentimentos são desconhecidos, os níveis de ansiedade e preocupação aumentam e a pessoa fica sem saber como lidar com aquela situação. “Utilizando a biblioterapia como uma ferramenta de psicoeducação, é possível obter informações de qualidade para poder seguir com o tratamento adequado”, afirma a professora.
Amorim lembra que o simples ato de ler obras literárias já é, de certa forma, terapêutico, porém, quando o paciente associa os problemas das personagens com aquilo que vive, o efeito é ainda maior, gerando um alívio da ansiedade e das aflições ao ver que ele também pode resolver seus problemas.
Carmem diz que na literatura científica as intervenções psicoeducativas, como a biblioterapia, têm dados que demonstram sua eficácia em tratamentos iniciais para demandas psicológicas e de saúde. “Isso quer dizer que a terapia com os livros não é o único tratamento ofertado ao paciente, ela geralmente é uma intervenção inicial de baixa intensidade, que pode guiar o profissional na indicação de outros tipos de intervenção psicológica”, explica a professora.
Para quem é indicada
A biblioterapia é indicada nas mais distintas situações de crianças a adultos. A diferença, explica Carmem, é que, com os adultos, é possível ter uma linguagem mais direta e próxima da científica. Já para crianças, ela diz que os contos são mais recorrentes porque é possível utilizar as personagens para explicar, no nível de desenvolvimento cognitivo da criança, determinadas características, sintomas ou dificuldades.
A terapia com livros também é indicada em grupos de pessoas que enfrentam doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, ou doenças crônicas como o câncer. Um exemplo é o clube de leitura com mulheres do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mastectomizadas (Rema) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, onde as atividades são destinadas a pacientes em tratamento de câncer e doenças neurodegenerativas.
Quem pode aplicar
Amorim indica que há dois tipos de biblioterapia: a clínica, que exige uma formação anterior em psicologia ou psiquiatria, e a de desenvolvimento, que qualquer pessoa pode praticar realizando um curso específico. Ele conta que o curso é muito procurado por professores, bibliotecários, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos e médicos, mas todos têm algo em comum, que é o gosto pelos livros e em ouvir pessoas.
Para a pesquisadora e coordenadora de cursos de biblioterapia Nanci Gonçalves da Nóbrega, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é fundamental ter paixão e olhar crítico sobre as narrativas da literatura e sensibilidade para provocar o diálogo durante os encontros. Diz ainda que é imprescindível estudar sobre o outro com quem vai compartilhar a leitura. “As duas palavras-chave a respeito da biblioterapia são intenção e atenção”, conclui Nanci.
Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.