Leveduras da cana da cachaça são usadas para produzir cervejas com sabor brasileiro

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Por Ana Fukui em Jornal da USP | Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, desenvolveram quatro tipos de leveduras para a produção de cervejas a partir da fermentação da cana-de-açúcar usada para fabricar cachaça. Testes com cervejeiros indicaram que elas foram aprovadas na maior parte dos quesitos usados na avaliação sensorial realizada. A levedura desempenha um papel fundamental no processo de fabricação, pois é responsável pela fermentação do mosto, uma solução composta de água, malte e lúpulo. Além de produzir álcool e gás carbônico, a levedura também influencia no sabor, aroma e aparência da cerveja.

A fermentação espontânea ou natural do caldo de cana acontece quando ele é deixado para fermentar à temperatura ambiente e exposto ao ar, levando ao crescimento das leveduras. Ou seja, as leveduras são extraídas de processos tradicionais de fermentação espontânea da fabricação da cachaça para serem aplicadas no processo de produção de cervejas especiais. Assim, o trabalho propõe duas inovações: a primeira delas é o desenvolvimento de leveduras nacionais para a produção de cerveja, trazendo o uso inédito da cana-de-açúcar como substrato para a produção de levedura. 

O contexto da pesquisa é explicado pela orientadora do trabalho, a professora Sandra Helena da Cruz, especialista em microbiologia industrial: “No Brasil a maior parte das leveduras é importada. Nesse sentido, encontrar leveduras nacionais que possam obter produtos comparáveis com outros já disponíveis pode ser considerado uma inovação. E também o fato de estarmos trabalhando em parceria com uma start up que se preocupa em tornar essa produção comercial e disponível no mercado.”

Sandra Helena da Cruz – Foto: Arquivo pessoal

Este é um exemplo de bioprospecção, isto é, um processo que envolve identificação, coleta, caracterização e desenvolvimento de produtos e processos a partir de organismos vivos, incluindo plantas, animais e microrganismos. No estudo em questão foram pesquisadas leveduras extraídas da fermentação da cana-de-açúcar por dois motivos, como explica a doutoranda Lethicia Suzigan Corniani:

“Valorizamos o universo da cachaça e procuramos atrelar mais um valor à cadeia de produção com um bioprocesso que é típico nosso. A cachaça só existe no Brasil. Além disso, a fermentação espontânea ou natural do caldo de cana incorpora as características do ambiente e da região onde foi coletado.”

Distribuição geográfica dos locais das coletas de amostras no Circuito das Águas Paulista – Imagem: Lethicia Corniani

DNA nacional

A coleta de dados consistiu em colher amostras em três alambiques diferentes da região chamada de Circuito das Águas Paulista, composta de várias cidades no interior do Estado de São Paulo (ver mapa).

Em seguida, as leveduras coletadas foram isoladas e cultivadas durante semanas. A etapa seguinte foi a caracterização do material, com análises fisiológicas, genéticas e tecnológicas. Foi então que entrou mais uma inovação de pesquisa, o estudo do DNA por meio do exame genético em tempo real (teste de PCR), uma técnica para monitorar o processo de fermentação já aplicado em vinhos na Europa e em outros países, mas que não tinham sido aplicados para a cerveja. “Essa etapa foi possível porque já tínhamos incorporado essa tecnologia em outros estudos, como a cachaça. Temos um serviço disponível na start up que chamamos de seleção de leveduras da casa, onde podemos caracterizar a levedura de um produtor de cachaça ou de cerveja.”

Após o crescimento das amostras, foram escolhidas quatro cepas para a produção de cerveja artesanal. Foram produzidas em laboratório quatro amostras de cerveja do tipo American Blond Ale a partir de cada uma das cepas e então avaliadas de acordo com os parâmetros analíticos e sensoriais por um grupo de especialistas cervejeiros treinados para este tipo de teste.

Perfil morfológico de colônias de leveduras extraídas dos alambiques e cultivadas em laboratório. Cada ponto é uma colônia de levedura que podem ter diferentes linhagens. A partir destas colônias foram cultivadas as leveduras e produzidas cervejas para degustação e análise. Imagem: Lethicia Corniani
Lethicia Suzigan Corniani – Foto: Reprodução/Plataforma Lattes

O resultado obtido foi que três das quatro cervejas tinham características que agradaram ao paladar e somente uma delas não foi bem avaliada. Lethicia Corniani aponta que “o próximo passo seria testar as mesmas leveduras em diferentes tipos de malte para encontrar combinações de estilo que valorizem o produto e construir uma gama de produtos completamente nacionais, algo que não existe.”

Como destacam as duas pesquisadoras, o trabalho acadêmico desenvolvido é um ponto de partida para se produzir diversos tipos de cervejas especiais. “Esse trabalho abre um leque de possibilidades dentro da área”, destaca a professora Sandra. Assim, espera-se ter leveduras disponíveis aos produtores para criar cervejas totalmente nacionais e incorporando o sabor brasileiro.

O trabalho Bioprospecção de leveduras nativas em fermentações de cachaça: avaliação de aplicação no desenvolvimento de cervejas especiais teve apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a start up teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio do projeto PIPE-Fapesp.

Mais informações: e-mail lethicia.corniani@usp.br, com Lethicia Suzigan Corniani

*Ana Fukui é bolsista Mídia Ciência Fapesp/FMUSP

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

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