Cientistas desenvolveram conceito de nove limites planetários que não devemos ultrapassar para preservar o planeta
Os limites planetários definem até onde o desenvolvimento humano pode chegar sem afetar de forma irreversível a capacidade regenerativa da Terra. Entender quais são esses limites, qual a situação atual destes e como eles afetam a vida na Terra é importante para a elaboração de políticas públicas e mudanças de hábitos.
Todos sabemos a importância do meio ambiente para a sobrevivência do ser humano e, por isso, cada vez mais, há a preocupação em preservá-lo. No entanto, desde a revolução industrial, temos vivido épocas de grandes impactos ambientais decorrentes da atividade humana, com o desmatamento, a poluição e o aquecimento global.
Colocando todas as cartas na mesa, não há como negar que o planeta precisa de cuidados com urgência, afinal, até quando a vida na Terra suportará agressões sem entrar em colapso? Até quando a espécie humana suportará sofrer as consequências de seus próprios impactos? Qual é o limite seguro para as ações humanas?
O que são os 9 limites planetários?
Pensando em tais questões, em 2009, sob liderança do sueco Johan Rockström, um grupo de cientistas integrantes do Stockholm Resilience Centre (SRC) identificou nove dos chamados “limites planetários” (“planetary boundaries” em inglês) – eles são, como o nome já diz, limites ambientais seguros dentro dos quais a humanidade pode se desenvolver sem que as mudanças ambientais sejam irreversíveis.
O documentário da Netflix “A Terra no Limite: A Ciência do Nosso Planeta” trata dos resultados desse estudo. Os cálculos dos limites planetários levam em conta a taxa de resiliência do planeta, ou seja, a capacidade do planeta retornar ao seu estado natural após uma perturbação.
Quatro dos nove limites já se encontram fora da zona de segurança, sendo eles a perda de biodiversidade, os abusos no uso da terra, as mudanças climáticas e as alterações dos fluxos bioquímicos, que são subdivididos entre o ciclo do nitrogênio e o ciclo do fósforo. Em seguida, há a acidificação dos oceanos, as mudanças no uso da água e a degradação da camada de ozônio.
Para os dois últimos limites, que são o carregamento de aerossóis para a atmosfera e a poluição química, ainda não foram bem quantificadas as taxas atuais para que fossem comparadas aos seus respectivos limites, o que demanda mais estudos nestas áreas.
De forma resumida, quais são os limites planetários?
Para deixar mais claro, listamos abaixo os limites:
- Perda da biodiversidade e extinções
- Mudanças climáticas
- Ciclos biogeoquímicos (ciclo do nitrogênio e ciclo do fósforo)
- Abusos no uso da terra
- Acidificação dos oceanos
- Mudanças no uso da água doce
- Degradação da camada de ozônio estratosférica
- Carregamento de aerossóis para a atmosfera
- Poluição química
Inter-relação
Tratar de limites planetários e tentar minimizar os impactos da ação humana sobre eles ao longo da história do planeta é desafiador, principalmente quando uma das fronteiras é extrapolada. Isto se deve ao fato de que, como já sabemos, tudo é inter-relacionado no ecossistema terrestre. Impactos significativos em uma fronteira podem, por consequência, causar danos a uma outra.
Por exemplo: a degradação da camada de ozônio permite que radiações ultravioletas atinjam a superfície da Terra; já o carregamento de aerossóis para a atmosfera faz com que estas partículas atuem absorvendo ou espalhando a radiação solar, ambos ocasionando em mudanças climáticas.
Por sua vez, mudanças climáticas podem, por exemplo, influenciar nos tipos de uso da terra, criando condições físicas para a agricultura em lugares que antes eram frios demais para a prática. Já as mudanças no uso do solo, como o desmatamento, podem causar secas em outras regiões, o que influencia no uso da água.
Outra consequência das mudanças no uso da terra através da agricultura é uma utilização mais ampla de fertilizantes e agrotóxicos, que podem afetar os ciclos biogeoquímicos do fósforo e nitrogênio e, ao atingir os cursos d’água, ocasionam a eutrofização e a consequente perda de biodiversidade naquele ambiente.
Podemos ainda incluir a acidificação dos oceanos na relação. Além de causar a perda de biodiversidade por prejudicar organismos calcificantes, a diminuição do pH torna alguns nutrientes essenciais mais disponíveis ao fitoplâncton, que produz assim mais dimetilsulfeto, substância que, quando carregada para a atmosfera auxilia na formação de nuvens que, por sua vez, refletem a radiação solar controlando o aquecimento global e as mudanças climáticas.
A imagem acima demonstra as nove fronteiras. Os polígonos verdes representam a área de operação segura para a estabilidade do planeta (a zona de segurança). Os em amarelo são os que representam um risco crescente para esse desenvolvimento, e a zona em laranja corresponde aos limites ambientais que já foram ultrapassados e são um alto risco para a resiliência dos sistemas terrestres. Não há uma quantificação clara do posicionamento do carregamento de aerossóis atmosféricos e da poluição química de novas entidades, como microplásticos.
A oficina
Em 4 e 5 de novembro de 2013, em Genebra, na Suíça, foi realizada a oficina internacional “Fronteiras planetárias e pontos de ruptura ambientais: o que eles significam para o desenvolvimento sustentável e a agenda global?”, que foi destinado a cientistas, especialistas governamentais e às partes interessadas.
Durante a oficina, alguns pontos-chave foram debatidos. Alguns deles são:
- Consenso sobre as fronteiras: havia a necessidade de se entrar em um acordo sobre as fronteiras que delimitam o espaço seguro para o desenvolvimento humano.
- Futuro: foi levantada a necessidade de se planejar estratégias a serem aplicadas nos anos seguintes. Estratégias que se baseassem em ideais de sustentabilidade ambiental.
- Mais estudos: foi debatida a necessidade de mais estudos para que fossem quantificados os impactos em relação a cada fronteira.
- União: ficou clara também a necessidade de união entre cientistas sociais e cientistas naturais para que seja encontrada uma forma de comunicar os resultados ao público de forma que seja estimulada uma mudança de atitude.
Proposta e justificativa
A proposta do conceito dos limites planetários é reconectar o nosso desenvolvimento econômico e social com a biosfera em uma abordagem preventiva para o desenvolvimento sustentável.
A justificativa para a realização da oficina foi a necessidade de avanços em relação à compreensão dos limites biofísicos do desenvolvimento global para que fosse possível adotar decisões mais conscientes e formulação de políticas mais ambientalmente amigáveis.
Os objetivos da oficina foram:
- Conscientizar sobre a importância dos limites planetários para o desenvolvimento sustentável e para o desenvolvimento da agenda global.
- Facilitar o reconhecimento da necessidade de considerar a sustentabilidade ambiental em conjunto com os setores social e econômico.
- Proporcionar uma discussão sobre os limites planetários e suas inter-relações, pontos de ruptura ambientais e desenvolvimento sustentável
A oficina foi financiada pelo Ministério do Meio Ambiente da Finlândia e pelo Conselho de Ministros Nórdico (NCM) e contou com a participação de mais de 60 integrantes de 20 países na Europa, Ásia, África, América do Sul e América do Norte. Durante o primeiro dia, foi realizado um diálogo entre os cientistas convidados, e o segundo dia proporcionou uma interação científico-política mais ampla das partes interessadas.
Na pesquisa publicada pela revista Science sobre o limite planetário, foi concluído que o quadro dos limites planetários não dita a maneira sobre a qual as sociedades devem se desenvolver e deixa claro que estas são decisões políticas. Apesar disso, a identificação dos espaços operacionais seguros para a atuação humana pode ser uma grande contribuição para os tomadores de decisão, que deverão traçar políticas em direção ao desenvolvimento sustentável da sociedade.
Controvérsias
O conceito de limites planetários fez várias contribuições importantes que merecem destaque. Trouxe a teoria da resiliência planetária e fez emergir para o centro do debate alguns sistemas complexos, chamando a atenção para os muitos elementos inter-relacionados e para os processos do sistema Terra.
Apesar disso, algumas instituições como o Breakthrough Institute acreditam que o conceito de limites planetários apresenta falhas que, juntas, formam uma resposta pobre e até mesmo enganosa ao desafio da administração do planeta. Este instituto defende o ideal de que alguns danos causados a uma determinada fronteira acarretam benefícios à espécie humana, como é o caso da ampla utilização de fertilizantes à base de nitrogênio, que apesar de desequilibrar este ciclo biogeoquímico e prejudicar águas subterrâneas, resultam em benefícios à população em relação à produção alimentícia.
A análise das Fronteiras Planetárias realizada pelo Breakthrough Institute pode ser encontrada na íntegra (em inglês).