Literatura indígena atual torna visível aquele que a história tornou invisível social e politicamente

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Por Patrick Fuentes em Jornal da USP A literatura é um espaço de representação universal, capaz de comportar as mais diversas realidades de um país. Desde a década de oitenta, o crescimento de autores de origem indígena vem crescendo no mercado editorial, trazendo consigo a realidade de seus povos e o seu lado da história do Brasil.

Segundo o IBGE, existem mais de 300 etnias, fazendo do Brasil um dos países com a maior diversidade de povos locais no mundo. O número de línguas faladas em um país é um dos critérios para se avaliar o grau de diversidade cultural nele existente. No Brasil, são faladas mais de 170 línguas indígenas, o que o coloca entre os dez países de maior diversidade cultural do mundo. 

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“É preciso lembrar que algumas dessas línguas têm hoje menos de dez falantes, estão morrendo”, conta Eduardo Navarro, professor do Departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Atualmente, São Paulo tem a quarta maior população indígena do País, com mais de 10 mil índios vivendo em bairros periféricos. Hoje, mais de 30% dos índios brasileiros com fenótipo indígena ainda visível vivem nas cidades, representando cerca de 300 mil. “Nas capitais e cidades da Amazônia, tal realidade é ainda mais grave, e o desenraizamento de pessoas provenientes de terras indígenas é ainda mais forte”, afirma o professor.

Mal se pode perceber um índio real no personagem Peri, da obra de José Alencar, impregnado dos valores morais e éticos da cristandade e das características do herói medieval importados de além-mar” – Foto: flickr

Nesse contexto, o meio literário torna-se um espaço de disputa de narrativa, como explica Navarro: “A literatura é uma arena na qual se debatem diferentes visões de mundo e onde se mostram as diferentes representações do índio”. Segundo ele, houve uma mudança na representação da figura do índio a partir dos anos 80. “O índio idealizado e mitificado das epopeias árcades como Uraguai, o Caramuru, os romances indianistas de José Alencar e mesmo de autores modernistas, a literatura indígena dos últimos 40 anos passa a mostrar o índio de forma mais verossímil”, afirma.

“Por exemplo, mal se pode perceber um índio real no personagem Peri, da obra de Alencar, impregnado dos valores morais e éticos da cristandade e das características do herói medieval importados de além mar”. De acordo com Navarro, a riqueza da cultura indígena é mal aproveitada e representada nas obras clássicas de literatura, mesmo em movimentos que o colocam como protagonista, como o modernismo. 

“A literatura indígena atual, porém, desvia o olhar de um índio do passado e passa a olhar para um indígena do presente, aquele que a história tornou invisível do ponto de vista social e político”, explica Navarro.

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Protagonismo indígena

Para Eliane Potiguara, escritora, ativista e professora, o crescimento da representação indígena na literatura é importante na luta por direitos e representação, passando a ter papel ativo na criação da sua história: “O indígena, hoje, tanto na parte política quanto na parte da educação, quanto na parte literária ele tem se tornado um protagonista, pegou o destino dele nas mãos e começou a caminhar com seus próprios pés. A literatura especificamente indígena, feita por pessoas que vêm das comunidades dos povos indígena, que têm um amplo conhecimento e vivência de suas culturas, é uma literatura que nasceu como uma forma de resistência”

A escritora ressalta como essa representação nasceu da necessidade de se mostrar a cultura, a luta  dos povos ameríndios e a violação dos direitos humanos sofridos por esses povos. Para ela, outro aspecto importante do crescimento da representação é o compartilhamento da história dos povos originários do Brasil.

“A voz é oral, os nossos velhos trazem essas histórias de vida e de criação de cada povo. Muitas dessas histórias, muitos brasileiros não indígenas passaram para o papel e, quando passaram, reescreveram as nossas histórias”, mudaram o sentido geral, ressignificaram e até deturparam de certa forma”, diz Eliane.“Ela está contando algo que não está vivendo, como uma pessoa de origem indígena vive e sabe da sua realidade, da sua história, da história da sua família, que viveu o cotidiano desde criança, escutando a história dos avós em torno da fogueira, toda uma realidade, uma cultura indígena, que só quem sabe é quem conviveu”, conclui Eliane.

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