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Ciência ginecológica se concentra no parto e no feto, negligenciando bem-estar da mulher

Apesar de ser pouco comentado, o machismo estrutural na medicina é uma realidade, de acordo com estudo desenvolvido na Universidade de Tel Aviv e divulgado na revista Medical Xpress.

Devido ao domínio masculino do campo da ciência ginecológica, a maioria das pesquisas ginecológicas se concentra no parto e na reprodução, e não na saúde e no bem-estar das mulheres.

Mapeando revistas científicas da categoria de ginecologia e obstetrícia, o estudo constatou que a maioria trata de fertilidade, gravidez, feto e parto, enquanto muitos temas muito mais críticos para a qualidade de vida da mulher, como cólicas, tensão pré-menstrual (TPM) e menopausa, recebem pouca atenção, tanto na pesquisa científica quanto na clínica.

Imagem de Oana Cristina no Unsplash

De acordo com o artigo, publicado na revista Nature Reviews Urology, tais questões importantes, marginalizadas por séculos, incluem: doenças e danos aos músculos e nervos da pelve feminina e órgãos sexuais, prazer sexual feminino, direitos e autonomia no parto, a conexão entre o ciclo menstrual e o sistema imunológico, a menopausa e os últimos anos de vida e muito mais.

O estudo foi conduzido pela Dra. Netta Avnoon, do Departamento de Sociologia e Antropologia e da Coller School of Management da Universidade de Tel Aviv

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A Dra. Avnoon afirma: “Os homens dominaram a ginecologia por quase mil anos, e sua identidade de gênero impacta tudo o que acontece nesta especialidade, incluindo design de pesquisa e práticas médicas.

Mesmo que eles não tenham consciência de seus próprios preconceitos e tenham as melhores intenções, os homens tradicionalmente consideram o corpo feminino como um objeto para produzir bebês ou satisfazer os desejos sexuais masculinos. Chegou a hora de as mulheres dominarem a disciplina que visa cuidar de sua saúde.”

A Dra. Avnoon explica que nenhuma atividade social é neutra, objetiva ou sem contexto, e a ciência e a medicina não são exceção. Inevitavelmente, posições e disposições sociais impactam as atitudes daqueles que criam ciência.

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Extensos estudos históricos e feministas mostraram que a ginecologia como especialidade médica foi masculinizada há 800 anos e ainda adere aos valores patriarcais. Nos tempos antigos, as mulheres eram geralmente tratadas por mulheres especialistas, que até escreveram livros sobre o assunto, mas durante a Idade Média, essas mulheres e seus conhecimentos foram gradualmente substituídos por homens.

Desde o século XVI, a especialidade foi totalmente dominada pelos homens e, consequentemente, eram eles que determinavam quais tópicos eram “interessantes” e dignos de estudo; foram eles que estabeleceram práticas e protocolos e introduziram tratamentos, tecnologias e técnicas, muitas vezes submetendo os pacientes a práticas médicas que não são necessariamente benevolentes.

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Para expor o foco real da pesquisa ginecológica hoje, em consonância com estudos feministas anteriores, a Dra. Avnoon escolheu um indicador revelador: os títulos de revistas científicas internacionais na categoria de ginecologia e obstetrícia.

Ela analisou a lista que aparece no Journal of Citation Reports, um banco de dados que fornece informações gerais e estatísticas sobre periódicos científicos em todo o mundo, e os resultados foram nítidos: das 83 revistas listadas por título na categoria, 49% são dedicadas exclusivamente às funções reprodutivas, gravidez, feto e parto; 24% concentram-se em ginecologia e obstetrícia; apenas 12% tratam de problemas de saúde dos órgãos sexuais femininos que não estão relacionados às funções reprodutivas; 6% tratam de seios; 5% tratam de cânceres ginecológicos; e apenas 4% (três periódicos) abordam a saúde da mulher antes e depois da idade reprodutiva, incluindo a menopausa.

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A Dra. Avnoon observa um caso recente de viés de gênero na ginecologia: o escândalo da malha transvaginal. Em 2019, a Food and Drug Administration (na sigla em inglês FDA,  agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA)  proibiu o uso da malha transvaginal – um procedimento ginecológico comum usado desde a década de 1950 para reparar o prolapso de órgãos da pelve no compartimento vaginal anterior, que causou extensa morbidade e até 77 mortes documentadas nos EUA.

O fato expõe o fracasso de décadas da ciência ginecológica em avaliar clinicamente os resultados desse procedimento cirúrgico e revela o viés na forma como os pesquisadores apresentaram esses resultados em publicações científicas.

À luz de suas descobertas, a Dra. Avnoon agora propõe várias melhorias vitais: “A obstetrícia, com foco na fertilidade, reprodução, gravidez, feto e parto, deve ser separada da ginecologia, especialidade dedicada à saúde da mulher. Cuidar do feto, essencial por direito próprio, não deve prejudicar a saúde da mãe.

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O treinamento em ginecologia deve incluir um capítulo importante de gênero e estudos feministas, e os protocolos médicos existentes devem ser completamente alterados para focar nas necessidades das próprias mulheres – em vez do que os de seus bebês, seus cônjuges ou seus médicos.

Além disso, a legislação e os procedimentos legais estão em ordem, especialmente nos tribunais de direitos humanos, para proteger o direito das mulheres à saúde e aos melhores cuidados médicos”.

Finalmente, a Dra. Avnoon diz: “Chegou a hora da ginecologia centrada na mulher. As vozes das mulheres devem ser ouvidas. Embora o número total de mulheres ginecologistas esteja aumentando (nos Estados Unidos já há mais mulheres do que homens nesta profissão), sua educação ainda é baseada em antigas tradições masculinas e chauvinistas.

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É preciso treinar as profissionais e os profissionais de modo que considerem os direitos, a saúde e a sexualidade das mulheres como o foco principal da medicina feminina. Ginecologistas precisam dar maior ênfase à experiência e a autonomia da paciente em ambientes médicos e à tão necessária inovação em pesquisa, instrumentos, tecnologias, protocolos, procedimentos cirúrgicos e medicamentos.”


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